A instituição do sistema de cotas raciais, em 2001, por meio de lei proposta pelo governador Anthony Garotinho, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), ampliou o debate sobre o tema no meio acadêmico. Depois viriam outras, entre elas a Universidade de Brasília (UnB), onde foi criado um deplorável “tribunal racial” para julgar a veracidade da cor autodeclarada pelos alunos. Lá ocorreria a tragicômica reprovação de um jovem, sentenciado como branco, embora o irmão gêmeo tivesse sido “julgado” cotista.
Em duas grandes universidades, a de São Paulo (USP) e a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), nunca a ideia de subordinar o mérito acadêmico à cor da pele transitou com facilidade.
A USP mantém as cotas raciais ao largo, e, em troca, pratica uma ação afirmativa chamada de Programa de Inclusão Social na universidade (Inclusp), pelo qual alunos de escolas públicas recebem bonificação espe-cial no vestibular e podem prestar exames anuais preparados pela própria USP, uma espécie de Enem, cujas notas entram no cálculo para a obtenção da vaga. É uma maneira de proteger de alguma forma o valor do esforço e do conhecimento próprios de cada estudante. Caso contrário, o país não formará os profissionais com qualificação exigida por uma sociedade e um mundo cada vez mais competitivos, e de carências complexas.
Na semana passada, a UFRJ aprovou um sistema de cotas sociais.
Por decisão do conselho universitário, já no vestibular deste ano os alunos de escolas públicas terão reservada uma determinada proporção das vagas, a ser definida em reunião marcada para quinta-feira. A proposta original, do reitor Aloisio Teixeira, é reservar 20% das vagas que passarão a ser preenchidas pelos que se submetem ao Enem aos egressos de escolas públicas e que venham de famílias com renda per capita de até 1,5 salário mínimo.
O bom senso demonstrado pela USP está sendo, pelo menos até agora, seguido na UFRJ, pois, além de, no Rio, também ser rejeitada a discriminação contra os brancos pobres – decorrência da aplicação das cotas para “negros” -, o fato de os cotistas saírem do universo dos que prestam o Exame Nacional do Ensino Médio estabelece um vínculo entre a entrada no ensino superior e o mérito próprio do estudante. Um detalhe importante a decidir é se escolas públicas federais (como o Colégio de Aplicação da UFRJ), de reconhecida qualidade, estarão incluídas na cota ou não A adesão da universidade a um tipo de ação afirmativa mais inteligente, sem o radicalismo defendido pelos militantes do racialismo que atuam no governo federal e junto ao Congresso, chega em um momento importante.
Que a sensatez da USP e da UFRJ, dois polos de excelência acadêmica no país, sirva de parâmetro no julgamento, ainda em curso no STF, da aplicação de cotas raciais em Brasília (UnB), e também influencie na tramitação no Senado de lei sobre o assunto. Mesmo nos EUA, onde proliferam as chamadas ações afirmativas, a cor da pele isoladamente, por decisão da Suprema Corte, já não serve de quesito para o preenchimento de número determinado de vagas em escolas.
Além de inconstitucional, ao criar no Brasil cidadãos de segunda classe perante a lei, a cota racial agride as raízes da formação miscigenada da sociedade brasileira e virou um anacronismo mesmo na realidade americana, fonte inspiradora do racialismo.