Ajudam instituições a selecionar candidatos mais adequados e também servem para o aluno ter uma prévia do perfil do curso
No fim do ensino médio, o aluno tem de tomar uma série de decisões. Uma delas não tem nada a ver com a futura carreira. É a escolha dos processos seletivos, que hoje são tão diversos que confundem o candidato. Prova com hora marcada, dinâmica de grupo, exames online, vestibular em “parcelas” são exemplos que mostram quanto o cardápio para entrar em uma universidade ficou diversificado de uns anos para cá. Essa oferta variada resgata um pouco o quadro que existia entre 1911, quando os exames seletivos para universidades passaram a ser exigidos por lei, e a criação das fundações responsáveis pelos grandes vestibulares. No caso da USP, fundada em 1934, cada curso selecionava seus alunos da maneira que lhe convinha. As provas eram quase todas discursivas e exames orais eram comuns. Nos anos 60, com a explosão do público universitário, grupos de professores criaram, voluntariamente, fundações como Cescem, Cescea e Mapofei, responsáveis pela seleção de alguns cursos, da USP e de outras instituições, como Mauá e FEI.
A unificação ocorreu apenas em 1976, com a criação da Fuvest. “As mudanças recentes mostram que é possível selecionar de várias maneiras. Cada instituição passou a ter mais ferramentas para escolher o perfil de candidato que lhe atrai mais”, afirma Leandro Tessler, ex-coordenador de vestibulares da Unicamp.
Aulas e entrevistas. Aos alunos, cabe olhar com cuidado as propostas do vestibular, que muitas vezes servem como prévia do perfil do curso. Na Escola da Cidade, no centro de São Paulo, que tem curso de Arquitetura, o mote é conhecer de perto o aluno e avaliar seu potencial para a carreira. Dividida em quatro dias, a seleção tem aulas, exercícios práticos e entrevistas. “Queremos tirar a ansiedade e extrair coisas positivas. Não fazemos perguntas que têm resposta precisa, certo ou errado”, diz a professora de desenho aplicado a projeto da instituição, Ana Carolina Tonetti. “Fui entrevistada pelo diretor da faculdade e mesmo assim me senti como numa ‘conversa de bar’, de uns 20 minutos, sobre coisas variadas. Óbvio que era um questionário, mas foi o começo de uma relação bem proveitosa”, afirma Cléo Dobberthin, estudante do 1.º ano. Também em busca de um aluno com a sua cara, a Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo mudou sua prova em 2004. “Queríamos um curso mais atual, para formar advogados que pudessem também gerir e pensar políticas públicas, por exemplo”, conta a coordenadora do curso, Adriana de Faria. Para isso, além da 1ª fase dissertativa, a prova tem questões sobre artes plásticas e cinema.
Cobrar arte faz sentido em uma seleção para Direito? Para a coordenadora do curso, sim. “Ajuda a interpretar o mundo, e um advogado precisa dessa competência.” Para Diogo Lins, de 19 anos, que está no 2.º ano de cursinho e já tentou o vestibular da FGV, “a prova é muito bem feita”. Um diferencial, para ele, é menos a arte e mais a ausência de algumas matérias da área de Exatas, como física e química. “Não cobram nada.” Outra inovação do vestibular da FGV é a 2ª fase, que prevê uma avaliação oral durante dinâmica de grupo. Para Noélly Tenis, de 18 anos, que tentará pela segunda vez a prova, o candidato não deve ter medo desse modelo. “Creio que seja mais para ver como a pessoa se porta e como trabalha em grupo.” Foco e internet. A Facamp também procurou um modelo que abolisse itens de múltipla escolha. Usa questões discursivas, como fazia a Unicamp até 2009, e enfoca temas apenas relativos à carreira escolhida pelo candidato. “É diferente. Gostei que cortaram as matérias que não têm nada a ver com o que quero, como física e química”, diz Pedro Marques, de 18, de Presidente Prudente, que busca vaga em Administração. No menu dos vestibulares, há universidades que buscam se adaptar ao gosto dos candidatos. É o caso da Metodista, em São Bernardo, que, além da prova tradicional, oferece também a possibilidade de prestar o exame pela internet. O vestibular ainda permite o uso integral do Enem, a combinação da nota do exame com a prova tradicional e até a soma da nota do Enem com a da prova digital. Valor à expressão. Um dos marcos da história dos vestibulares teve a participação decisiva de Jocimar Archangelo, ex-coordenador de vestibulares da Unicamp e da Direito FGV. Em 1986, quando trabalhava em Campinas, ele fez parte do grupo encarregado de refletir sobre um novo formato de vestibular. Até então, a seleção para a Unicamp era feita pela Fuvest, com questões de múltipla escolha mais redação. A universidade passou a ter uma prova totalmente dissertativa.
“Não queríamos mais selecionar apenas as 50 maiores notas, mas os 50 melhores candidatos”, conta Archangelo. “É preciso dar mais valor à capacidade de expressão e raciocínio do que a ter uma enorme quantidade de informações como datas e nomes, sem saber usá-la.” O modelo da Unicamp fez sucesso e se tornou referência para vários exames – segundo especialistas, até mesmo do novo Enem. Apesar disso, a partir deste ano a universidade adotou questões de múltipla escolha. “Não era mais possível, com apenas 12 questões discursivas, selecionar os melhores sem eliminar o fator sorte”, diz Tessler, que participou do debate sobre o novo modelo. O peso do Enem. Enquanto muitas universidades se esforçam para adaptar a seleção aos seus projetos pedagógicos – o que seria o ideal, segundo especialistas como Archangelo –, outras preferiram aderir integralmente ao Enem. A UFABC, criada há quatro anos, teve vestibular próprio por dois anos, mas o número de inscritos estava caindo. “Para aumentar a visibilidade, aderimos ao Enem e os resultados foram ótimos”, diz o pró-reitor de Graduação, Derval dos Santos Rosa. “Conseguimos ter mais concorrência, selecionar candidatos melhores e deixamos de gastar com seleção.”
O estudante Lucas Torres, de 17 anos, vai fazer o Enem pela primeira vez para tentar uma vaga em Engenharia Elétrica na UFABC. “Acho que é uma forma prática de entrar, e também é uma boa prova. Para quem quer tentar mais de uma universidade, fica mais fácil.” Em tese, o Enem poderia conter o processo de diversificação do vestibular. Mas só em tese, acredita o atual coordenador do Vestibular da Unicamp, Renato Pedrosa. “Mesmo a longo prazo, ele não vai substituir vestibulares das universidades mais concorridas e seletivas”. A Federal de Santa Catarina (UFSC) é um exemplo da argumentação de Pedrosa. Vai usar uma porcentagem do Enem para compor a nota final dos alunos, mas manteve um curioso – e complicado – sistema chamado de “somatório” de notas. Cada questão da prova vem com subitens que devem ser considerados verdadeiros ou falsos.
Se o aluno responde verdadeiro, recebe uma pontuação; se responde falso, recebe outra. Na hora de responder ao conjunto da questão, o candidato deve somar todos os pontos. Há apenas uma soma correta, mas é possível acertar a questão parcialmente. “É uma forma de inibir os chutes e de fazer com que o aluno tenha direito a pontuação parcial, caso assinale só dois itens certos, mesmo havendo três”, diz o presidente da comissão que organiza o vestibular, Júlio Felipe Szeremeta. Erro elimina acerto. A Universidade Federal de Sergipe (UFS) só utiliza o Enem para preencher vagas remanescentes. O modelo do exame emprega os conceitos de verdadeiro ou falso de forma rigorosa: o candidato que marcar uma alternativa errada é penalizado com a anulação de uma questão que acertou. “Complica a nossa vida. Em certa parte seleciona, mas é muito rígido. Precisa ter bastante certeza da resposta. Isso aumenta o estresse”, conta o sergipano Matheus Melo Barreto, de 19 anos, que tenta vaga em Medicina. Tessler concorda: “Essa forma de avaliar introduz no processo um fator de tensão e nervosismo que não traz o melhor resultado possível.”
Exame seriado. Mais que o modelo, uma crítica frequente que se faz aos exames seletivos no País diz respeito ao excesso de conteúdo cobrado dos candidatos. Um dos meios de evitar provas longas e cansativas é o modelo seriado. A UnB e a UFS permitem ao candidato usar a nota de exames aplicados desde o 1.º ano do ensino médio. Em Sergipe, quem acha que não se saiu bem nas provas durante o ensino médio pode fazer os exames relativos à 1.ª, 2.ª e 3.ª séries em dias consecutivos, além da prova de redação. Vestibulares seriados à parte, a crítica ao excesso de conteúdo tem provocado mudanças nos exames. A prova da Fuvest, que tem mais de 130 mil inscritos para 10.752 vagas, continua sendo considerada conteudista, mas tem apostado cada vez mais em questões interdisciplinares e na lógica no lugar da memorização. “A Fuvest utiliza a interdisciplinaridade. Prefiro assim, é mais lógico. Sou contra memorizar tudo, aquelas fórmulas de física que, se não decorar, não consegue fazer a prova. Está melhor do que antes, tendem a deixar cada vez mais acessível”, afirma Fernanda Mesquita Colejo, que tenta no vestibular deste ano vaga no curso de Arquitetura da USP.
Tradicional. Na contramão das provas interdisciplinares que têm sido adotadas por muitas instituições, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, orgulha-se de manter intacto seu processo seletivo. “O diferencial é que não cobramos conhecimentos gerais. Avaliamos apenas cinco matérias: matemática, física, química, português e inglês”, conta o professor Luiz Carlos Rossato, chefe da área responsável pelo vestibular do instituto. “Temos nota mínima de aprovação, de 40%. Por exemplo, o candidato pode tirar 100 pontos em todas as matérias, mas se obtiver 35 em química, está fora”, afirma Rossatto. “Ou seja, podemos até não completar todas as vagas. Mas isso nunca ocorreu.”