Dinheiro na mão

Melhores universidades do mundo recebem muitos recursos para pesquisa e apostam na internacionalização

O que faz uma universidade estar entre as melhores do mundo? A Folha analisou dados das dez instituições de ensino superior que lideram o ranking da THE (Times Higher Education) e encontrou alguns pontos em comum.

Além de todas estarem em países de língua inglesa (Estados Unidos e Inglaterra), as dez recebem muito dinheiro para fazer pesquisa (dos governos e da iniciativa privada), apostam na internacionalização de seus alunos e professores e cobram anuidades dos estudantes.

A situação é bem diferente nas duas melhores brasileiras, USP (Universidade de São Paulo, que aparece em 232º lugar no ranking) e Unicamp (Universidade de Campinas, 248º).

No Brasil, a pesquisa engatinha, o número de estudantes estrangeiros é mínimo e os cursos são gratuitos.

Enquanto na Universidade Oxford (7ª do ranking), a verba para pesquisa é a maior rubrica do orçamento (39,9% do total de R$ 2,3 bilhões), na USP ela não está nem sequer especificada.

“Não há dúvidas de que dinheiro para pesquisas é um dos fatores mais importantes para as boas universidades. É com ele que você atrai e paga os melhores profissionais do mundo para desenvolver trabalhos de ponta”, diz Phil Baty, responsável pelo ranking da THE, o mais respeitado do mundo.

“E os alunos que vivem nesse ambiente, que participam desses processos, acabam tendo um desempenho futuro muito melhor.”

No Instituto de Tecnologia da Califórnia, 77% dos alunos de graduação participaram de pesquisas fora de sala de aula durante o curso.

A universidade, a segunda melhor do mundo, hospeda o Laboratório de Propulsão de Jatos da Nasa.
É a pesquisa também que faz uma universidade como Cambridge (6ª no ranking), na Inglaterra, ter um recorde de 88 prêmios Nobel atribuídos a professores e ex-alunos. Vale lembrar que o Brasil não tem nenhum.

No MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), terceiro no ranking, pesquisa é tão importante quanto aulas. “Praticamente todos os nossos professores estão fazendo pesquisa simultaneamente com o trabalho em aula”, diz Jennifer Hirsch, do departamento de comunicação do instituto.

De acordo com Hirsch, a captação de recursos para pesquisa é feita pelos próprios docentes, projeto a projeto -prática comum nos EUA, em que pesa tanto o nome do pesquisador quanto o do instituto.

“Não somos nós [o MIT] que recebemos uma verba “x” e saímos distribuindo. Eles vão atrás.”

INTERNACIONALIZAÇÃO
Na questão da internacionalização, o Brasil também tem números acanhados.

No Imperial College (9º no ranking), de Londres, há alunos de 158 países diferentes no campus. Em Harvard, 19% são de fora dos EUA. Em Stanford, 21%. Na Unicamp, o total de estrangeiros não chega a 3%.

“Num mundo cada vez mais globalizado, é essencial o futuro profissional estar em contato com pessoas do mundo todo”, diz Baty, o responsável pelo ranking.

Um agravante para o Brasil é que USP e Unicamp não planejam ministrar cursos em inglês, como fazem algumas universidades, especialmente na pós-graduação.

Por enquanto, a USP conta com apenas uma pós totalmente em língua inglesa, em Piracicaba (160 km de SP), realizada em parceria com instituições dos EUA.

Para o ministro Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia), as políticas de internacionalização brasileiras ainda são tímidas, o que é reflexo de décadas passadas. “Durante muito tempo, a política científica do país ficou fechada nela mesma”, disse.

LÍNGUA E ANUIDADE
E qual a importância da língua inglesa para o sucesso das universidades? Sendo uma língua global, ela ajuda a atrair alunos e também bons professores. Além disso, conta para os rankings o número de citações.

“Isso, sem dúvida, é algo que pesa. É muito mais fácil haver citações de uma pesquisa publicada em inglês que em russo, por exemplo”, afirma Baty.

Por fim, há a questão da cobrança de anuidades. Apesar do grande número de bolsas de estudo nas norte-americanas (mais de 50% em algumas delas) e dos empréstimos subsidiados do governo inglês, todas cobram dos universitários, o que ajuda a ampliar os orçamentos.

Na Inglaterra, que oferecia universidade gratuita até 1998, o aumento das anuidades gerou uma guerra entre estudantes e governo.

Há duas semanas foi aprovado um projeto que eleva o valor máximo que pode ser cobrado pelas universidades dos alunos de período integral. Passou de 3.290 libras por ano (R$ 8.900) para 9.000 mil (R$ 24.300).

Os estudantes têm direito a empréstimo com juros subsidiados pelo governo. O pagamento só começa depois que o aluno se forma e arruma um emprego.

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Frase

“Não há dúvidas de que dinheiro para pesquisas é um dos fatores mais importantes para as boas universidades”
Phil Baty, responsável pelo ranking da Times Higher Education, o mais respeitado do mundo

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Para manter marca, EUA fazem caça a talentos

Disputa por bons alunos é tão acirrada quanto por docentes nas universidades

Instituições de ensino superior americanas têm mentalidade quase empresarial, seguindo a lógica dos negócios

Luciana Coelho, de Boston, Folha de S. Paulo

Todo semestre, o programa de seleção de Harvard faz pelos EUA um misto de “road show” (viagens de empresas exibindo seu produto) e caça-talentos para atrair os melhores estudantes do país.

A prática é comum nas universidades de ponta americanas e mostra que bons alunos são tão disputados quanto bons professores.

Na última turnê “Harvard em sua Cidade Natal”, havia representantes de Stanford, Duke (Carolina do Norte) e Georgetown (Washington).

Esse tipo de programa reflete uma mentalidade quase empresarial arraigada nas instituições de ensino superior dos EUA. A ideia, pregam, é que não basta um processo de admissão criterioso para ter um corpo estudantil qualificado e produtivo.

É preciso também procurar e estimular alunos do ensino médio que não tenham se dado conta de seu potencial. E bancar a educação dos que têm recursos limitados.

Na maioria das sete americanas do ranking, famílias com renda mensal de até R$ 8.500 não pagam para o filho estudar. A bolsa média, que beneficia de 50% (Yale) a 80% dos alunos (Stanford), cobre 70% dos gastos, inclusive moradia e alimentação.

Frequentemente, essa caçada se estende além das fronteiras americanas.

MARCA
Buscar os melhores é uma forma de preservar o nome da universidade e garantir sua influência em governos, corporações, centros de pesquisa e ONGs. Nessa porta rotatória, os ex-alunos retribuem a educação com dinheiro ou prestígio.

“A “marca” Harvard é muito cara, e a universidade mantém gente em seu departamento jurídico encarregada de cuidar de seu bom uso e preservação”, afirma um professor e advogado que preferiu não se identificar.

Os departamentos de carreiras são ativos. Professores com renome, contatos ou empregos simultâneos em esferas altas do mundo corporativo e do serviço público oferecem ajuda e conselhos para o aluno se colocar.

A disputa pelos melhores docentes, aliás, é acirrada. Em 2009, Harvard diz ter gasto R$ 1,7 bilhão em salários e benefícios para seus 2.100 professores. Às vezes, há rumores de um salário anual de US$ 1 milhão (R$ 1,7 milhão) para uma estrela acadêmica.

A lógica é de negócios. As universidades gerenciam uma reserva de fundos próprios. Um Nobel traz maior financiamento para pesquisas e atividades acadêmicas.

Gente cujo nome pesa, como o constitucionalista Lawrence Tribe, da Faculdade de Direito de Harvard, atrai dinheiro. Em 2009, uma doação anônima de R$ 17 milhões foi feita em homenagem a ele.

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Dinheiro privado passa longe das brasileiras

Harvard recebeu R$ 526 milhões em doações, além de fazer parcerias com empresas

Sabine Righetti, de São Paulo, Folha de S. Paulo

Tão comum nas grandes universidades americanas, o repasse de dinheiro de pessoas e empresas quase não acontece por aqui.

A primeira colocada no ranking, Harvard, recebe quase o dobro de recursos de empresas privadas que a Unicamp e ainda teve um fermento adicional em 2009 de R$ 526 milhões em doações -boa parte para pesquisa.

“Temos vontade de doar, mas é tudo muito difícil”, diz José Carlos Junqueira Meirelles, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.

Neste ano, a empresa doou R$ 600 mil para uma sala de aula da Faculdade de Direito da USP -onde boa parte dos sócios estudou.

Mas o barulho diante do dinheiro recebido foi grande, e houve quem questionasse as intenções do Pinheiro Neto no repasse à USP.

“Resta saber se a universidade não recebe doações por causa da dificuldade ou se a dificuldade existe porque não é comum que existam doações”, diz Meirelles.

Dar dinheiro para a universidade em que se estudou é algo tão disseminado nos EUA que acontece até com quem não é norte-americano, como o empresário Antônio Ermírio de Moraes.

Sua família fez doações à Escola de Minas do Colorado, onde ele e alguns de seus filhos estudaram. “Temos uma relação com a universidade”, diz Regina de Moraes Waib, filha de Antônio.

Mas, se as doações ainda passam reto pelas universidades brasileiras, a boa notícia é que as parcerias entre elas e as empresas privadas têm crescido.

“As empresas estão fazendo parcerias porque agora estão fazendo pesquisa, o que antes quase não acontecia”, diz o engenheiro Sérgio Robles de Queiroz, especialista da Unicamp em política científica e tecnológica.

Na própria Unicamp, o dinheiro privado aumentou de R$ 6,8 milhões para R$ 23,8 milhões em dez anos.

Já a USP não sabe se o montante cresceu: a universidade informou não ter dados sobre a quantidade de dinheiro privado que recebe.

LUCRO
Na análise de Rogério Meneghini, especialista da USP em indicadores científicos, ainda existe uma cultura no país de que a ciência não pode dar lucro.

Mas essas vozes estão ficando isoladas. “Há um movimento dos empresários para fazer ciência e inovação”, disse o ministro Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia).

Sem recursos privados, e com orçamento do governo que só dá para o básico (85% do que a USP e a Unicamp recebem é para pagar salários e aposentadorias), a dependência das universidades das agências públicas de fomento à pesquisa (como Capes e Fapesp) permanece.

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“Empresas e universidades estão aprendendo a trabalhar juntas, e isso tende a aumentar”
Sérgio Robles de Queiroz, especialista da Unicamp em política científica e tecnológica

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Problema é a mentalidade, diz brasileiro em Princeton

Luciana Coelho, de Boston, Folha de S. Paulo

O físico brasileiro Raul Abramo, 41, trocou temporariamente a livre-docência no Instituto de Física da USP por Princeton (Nova Jersey), onde é pesquisador-visitante no departamento de Ciências Astrofísicas.

Mais do que dinheiro, Abramo aponta como obstáculo no Brasil a falta de apoio institucional.

“Há muitas universidades na China, na Índia e até na Europa que fazem muito mais que a USP, com menos dinheiro”, afirma. “A questão de salários já não é o problema faz tempo.”

O problema, para ele, passa pela mentalidade. “Nos EUA, na Inglaterra, no Japão e na Alemanha há uma grande sinergia do setor privado com universidades e centros de pesquisa”, afirma.

“Não há o preconceito prevalente no meio acadêmico brasileiro de que as empresas que se aproximam das universidades vão se apropriar de um “bem público”.”

Abramo vê nos EUA um estímulo maior ao pesquisador, pois quem trabalha e obtém resultados se distingue. “São essas pessoas que recebem bolsas e verba de pesquisa, e são as opiniões delas que contam.”

Já no Brasil, diz, a indissociabilidade compulsória entre ensino e pesquisa se reverte em práticas improdutivas, como acadêmicos que lecionam oito horas por semana e não produzem material científico.

Pesquisadores de até 50 anos, que produzem a maior parte das descobertas relevantes, e estrangeiros são valorizados nos EUA. “No Brasil até a USP, fundada por estrangeiros, coloca grandes dificuldades para a contratação de estrangeiros.”

A mentalidade empresarial americana perpassa também a captação de recursos, que cabe ao pesquisador. “E quando um pesquisador consegue US$ 1 milhão (R$ 1,7 milhão), tem que dar um percentual à universidade para custear suas atividades e reduzir anuidades.”

Embora ressalte que no Brasil a captação tenha melhorado, Abramo ainda vê empecilhos em idiossincrasias institucionais, como ter de alocar toda a verba antes de o projeto ser submetido.

Isso inviabiliza, por exemplo, repassar a bolsa de um estudante que desistiu a outro. “Assim, os orientadores tendem a evitar riscos – o que prejudica alunos com potencial, mas que tiveram formação mais carente.”