Educação a distância ganha cada vez mais espaço nas empresas, que investem pesado em ações voltadas para a educação continuada de seus funcionários
O e-learning segue forte nas corporações brasileiras. De acordo com dados do censo realizado pela Associação Brasileira de Ensino a Distância (Abed), nada menos do que 208.743 mil funcionários participaram de cursos dessa natureza no Brasil em 2009, alta de 82% perante o número registrado no ano anterior. Ao analisar apenas os colaboradores (sejam eles fornecedores, clientes ou terceiros), os números são mais modestos, mas também apontam para crescimento: 45.883, alta de 18% na comparação ano a ano.
Mas o que justificaria o interesse das empresas brasileiras pelo ensino a distância? Um dos pontos mais simples para explicar esse crescente interesse é estritamente financeiro: é muito mais barato, do ponto de vista da empresa, treinar o funcionário sem tirá-lo da sua sala (ou casa). Além disso, criar o conteúdo e distribuí-lo via internet ou satélite minimiza a perda de produtividade, reduz sistematicamente os problemas de logística e facilita treinar um grande número de pessoas. Se uma empresa precisa criar dez turmas com 100 pessoas espalhadas em várias unidades pelo Brasil, o ensino a distância é a saída mais fácil. O funcionário faz o curso (e as avaliações) quando puder e não é preciso reunir todos em uma mesma sala.
Educação continuada
Não é à toa que pesquisa da Abed com 23 empresas de todo o Brasil aponta que 100% das corporações definem redução de custos como fator importante para a adoção desse modelo, seguido por agilidade na realização dos cursos (93%).
O lado financeiro, contudo, responde apenas por parte da equação. Para companhias preocupadas com a melhoria contínua de seus produtos e serviços, o método se mostra como uma ótima ferramenta.
Como? Capacitando o material humano das maneiras mais variadas possíveis e nas diversas hierarquias – seja em treinamentos sobre novos produtos em cursos de graduação ou de formação técnica para funcionários de nível operacional, seja no ensino de novos idiomas e pós-graduação para aprimoramento do profissional de alta patente.
“O caminho dessa modalidade nas corporações está sendo construído em conjunto com o conceito de universidade corporativa, com o ideal da educação continuada dentro das empresas”, resume a professora adjunta da Universidade Federal de São Paulo e membro do Conselho Fiscal da Abed, Rita Maria Tarcia.
Porém, apesar do crescimento, a realidade da EAD está longe de ser perfeita nas empresas. A pesquisa da Abed apontou, ainda, que a impessoalidade do modelo é vista como desvantagem para 73% dos respondentes – ponto particularmente importante quando se discute engajamento dos alunos em um modelo de ensino que demanda mais disciplina e organização dos estudantes.
Além disso, outro dado aponta uma realidade preocupante: apenas 7% dos entrevistados fazem um acompanhamento da aprendizagem dos cursos a distância, enquanto a maioria (80%) baseia a avaliação em relatos ou relatórios preenchidos pelos próprios participantes dos cursos. Algumas páginas em que o aluno diz se aprendeu ou não, garantem os entrevistados, estão longe de provar se o aprendizado aconteceu de fato.
O lado ruim do crescimento
A grande procura pelo ensino a distância teve uma consequência: multiplicação de empresas que se dizem especialistas nesse modelo, mas que não apostam na qualidade. A forte atuação delas nesse setor culminou em um mercado hostil com forte competição por preço em detrimento do resultado final para os alunos – e para as corporações. No geral, concordam os entrevistados, preço mais barato significa resultados abaixo da crítica.
“Algumas empresas descobriram uma mina de ouro chamada EAD. Mas gravar a aula e mandar via satélite cobrando R$ 180 não é ensino a distância. Isso não forma ninguém”, alerta o fundador da Associação Internacional de Educação Continuada (Aiec), Vicente Nogueira Filho.
Para Carlos Allegretti, um dos responsáveis pelo setor de ensino a distância na Universidade Paulista (Unip), a falta de uma regulamentação bem definida do Ministério da Educação facilitou a explosão de capacitação com qualidade duvidosa. Cursos sem tutor ou monitoramento dos alunos, sem nenhuma estrutura nos polos de ensino e sem bibliotecas são comuns. “A concorrência desleal derrubou o preço dos cursos. Mas as políticas recentes do MEC atacam estas escolas que não atendem ao aluno, e o cenário está melhorando”, acredita.
Rita, da Abed, faz a ressalva de que as ofertas ruins de serviços não são exclusivas do segmento de ensino a distância. Trata-se de um fato comum não só em educação, mas em mercados muito aquecidos e com muitos competidores. “O setor cresceu 90% nos últimos dois anos. Mas, se compararmos com os últimos dez anos, houve uma melhora considerável na qualidade”, garante.
Como mensurar
Mas como identificar o sucesso do ensino feito a distância e saber se o funcionário, realmente, aprendeu? Essa é uma das perguntas mais complexas de ser respondidas e que mais preocupa as empresas. O retorno sobre o investimento, chamado de ROI (Return Over Investiment) no mundo corporativo, é uma métrica particularmente difícil de medir quando se fala em treinamento de funcionários. Não há fórmula mágica, mas as empresas tentam algumas estratégias para saber se o investimento em educação compensa.
Uma das práticas adotadas é comparar o curso a distância com uma alternativa presencial, a questão nesse caso são os custos, já que realizar o treinamento de 30 mil funcionários espalhados pelo Brasil inteiro, por exemplo, é mais barato via EAD.
“Definir as métricas é sempre um desafio, mas é preciso ir além do aspecto financeiro. Um bom caminho está em identificar como ele está colaborando no dia a dia do profissional”, resume Rita, da Abed. O retorno na prática profissional é sempre a melhor recompensa para a empresa. “Se ele estiver usando o treinamento em sua rotina, tudo indica que o curso foi bem sucedido”, diz Rita. E os dois lados ficam felizes.
Quem investiu mais
De acordo com dados do censo realizado pela Associação Brasileira de Ensino a Distância (Abed), o governo foi o maior usuário de EAD corporativa em 2009 (58%), seguido por serviços (22%), indústria (8%) e comércio (4%). As ações de treinamento (71%) foram as mais comuns em 2009. Depois, vieram aperfeiçoamento (62%), cursos livres (29%) e reciclagem (24%). Com 14% cada, formação profissionalizante, extensão e pós-graduação estão logo atrás. As áreas que usaram mais o EAD em 2009 foram: finanças (14%), informática (12%), planejamento e gestão (10%), educação e cidadania (6%) e formação de lideranças (4%).
Corporações querem resultado
Uma das principais preocupações das empresas ao treinarem seus funcionários via EAD é com relação aos resultados. A sócia-diretora da Companhia de Idiomas, Ligia Crispino (foto), sugere às instituições de ensino ou provedores do conteúdo que definam métricas em conjunto com a empresa-cliente. Reuniões em que as expectativas são claramente definidas – pelo RH e pela diretoria da empresa – são um bom caminho para evitar decepções.
“Mais do que uma nota, o que está em jogo é a assimilação de conteúdo. A empresa precisa responder, antes do início do curso, o que será satisfatório”, diz.
As empresas, por outro lado, sabem que não existe uma fórmula mágica para criar indicadores confiáveis sobre a eficácia dos cursos a distância, mas o departamento pessoal é o responsável por tentar acompanhar o desempenho, que nem sempre é creditado ao curso. “Quando se fala de treinamento de um produto, por exemplo, mede-se a quantidade de vendas antes e depois. Mas, já aviso, se o resultado for positivo, vai ser difícil provar que foi a EAD.
Todo mundo quer ser pai de filho bonito”, brinca o diretor de relacionamento da Take 5, Ricardo Franco (foto).
Para ele, de maneira geral, o melhor caminho é procurar estabelecer uma média de produtividade por usuário antes e depois.
Novas tendências
Como em qualquer mercado intimamente relacionado com tecnologia, o e-learning tem novas tendências chegando a todo momento. Em uma mistura de novas funcionalidades tecnológicas, ideias inovadoras e hype (promoção extrema de uma pessoa, ideia ou produto), o mercado tem novos termos que são alardeados pelas empresas do setor. Entre eles estão os chamados entertraining e advertraining. O primeiro aposta em estratégias de entretenimento (como o uso de jogos corporativos) para garantir maior atenção e engajamento dos funcionários em treinamentos a distância, enquanto o segundo utiliza as técnicas da publicidade para atingir fim semelhante.
Outra tendência é o mobile training. Aproveitando o fato de os celulares estarem nas mãos de 91 de cada 100 brasileiros, de acordo com dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a EAD pode apostar no mobile training para funcionar como, por exemplo, uma ferramenta para facilitar o acompanhamento do curso ou para reproduzir conteúdo em áudio das aulas em períodos em que o aluno está em trânsito.
Já Rita Maria Tarcia, da Abed, recomenda cautela com as novas tendências. Segundo ela, em vez de correr atrás de tudo o que é novo e chamativo, é mais interessante entender os conceitos e aplicar conforme o projeto em mãos, estudando caso a caso. “Há, sem dúvida, potencial pedagógico nestas técnicas, mas depende muito da maneira como são usadas. A tecnologia deve ser um meio para o fim, que é o ensino”, acredita.