O atual Plano Nacional de Educação (PNE) chegou ao fim e, como esperado, o Executivo federal apresentou nova proposta para os próximos dez anos. O que esperar dela?
Comecemos a análise pelo plano que ora se encerra (PNE-F). Com isso teremos elementos para prever o que, a depender do novo (PNE-N), poderá ocorrer com a educação nacional nos próximos dez anos. O primeiro fato sobre o PNE-F é que as metas estabelecidas não foram cumpridas; ao contrário, afastamo-nos ainda mais da maioria delas. Por exemplo, no início de sua vigência, há dez anos, o número de concluintes do ensino fundamental correspondia a cerca de 75% das crianças da coorte etária típica. Segundo os dados consolidados mais recentes, esse porcentual pode estar reduzido a cerca de 70%. Assim, findo a período de vigência do PNE-F, ainda não universalizamos sequer o ensino fundamental, apesar de este ser obrigatório desde a Constituição de 1988. As matrículas na educação básica permaneceram estagnadas, ou até diminuíram; a taxa de conclusão do ensino médio foi reduzida e hoje só um de cada dois brasileiros entra na idade adulta com esse nível educacional, o que nos põe em enorme desvantagem em comparações internacionais.
Por que isso aconteceu? Uma primeira razão é a simples falta de recursos financeiros, sem os quais é absolutamente impossível atacar o problema educacional. Embora investimentos de 7% do PIB em educação tivessem sido aprovados pelo Congresso, tal provisão, ainda que insuficiente, foi sumariamente vetada pelo Executivo de então. Assim, não havendo condições objetivas, as metas simplesmente não foram cumpridas.
Um segundo fator que pode explicar a inoperância do PNE-F é que não havia definição clara quanto a quem deveria cumprir as metas, o que é fundamental para um país onde as atribuições educacionais são repartidas por municípios, Estados e União. Na ausência dessa definição, os Poderes Executivos, o Congresso, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais não se sentiram responsáveis por nenhuma das metas e simplesmente se omitiram. Os órgãos responsáveis pela defesa da ordem jurídica também nada fizeram, apesar de uma lei nacional não estar sendo cumprida. E os Conselhos de Educação, nacional e estaduais, embora, em princípio, devessem cuidar das metas do PNE, igualmente nada fizeram.
Vejamos agora o novo PNE. Quanto ao financiamento, há uma previsão de que se deva “ampliar progressivamente o investimento público em educação até atingir, no mínimo, 7% do produto interno bruto”. Embora uma estimativa realista, adotada até pela Conferência Nacional de Educação de 2010, indique que seriam necessários cerca de 10% do PIB, essa é uma meta importante. Entretanto, como as metas do PNE-F não foram cumpridas, não há nenhuma garantia de que esta o seja. Para que isso venha a ocorrer duas coisas deveriam ser definidas: o que se considera gasto com educação (para evitar a prática comum, e amplamente adotada por Estados e municípios, de debitar na conta de educação coisas que nada têm que ver com ela) e qual a responsabilidade de cada ente da Federação na composição do total.
O PNE repete as mesmas omissões fundamentais do que se encerra, apresentando metas sem dizer quem as deve cumprir – um primeiro passo para sua falência. Por exemplo, a meta de incluir 50% das crianças com até 3 anos na educação infantil, embora louvável, não define de onde virão os recursos nem quem deve arcar com a responsabilidade. Além disso, continua não havendo previsão de punição se as metas não forem cumpridas; afinal, como punir alguém por algo que não foi feito sem que estivesse clara a sua responsabilidade nessa omissão?
Há, também, metas erradas no PNE-N, em especial no que diz respeito ao ensino superior. Uma delas é estabelecer a relação mínima de 18 alunos por professor nos estabelecimentos públicos. Essa proporção é altíssima para um país onde a pós-graduação e o desenvolvimento científico, cultural e tecnológico ocorrem basicamente nesse tipo de instituição. Ao contrário, esperar-se-ia que, se houvesse uma definição de limite para a relação estudantes/professores, este fosse máximo, não mínimo, condição necessária para tornar viável a execução com qualidade dessas tarefas.
Há, ainda, uma meta muito perigosa: elevar a taxa de conclusão de cursos superiores nas instituições públicas para 90%. Mesmo nos países cujos sistemas educacionais são bem estabelecidos ou, no caso do Brasil, em muitos dos cursos de alto prestígio, níveis de conclusão tão elevados não são atingidos. Cabe perguntar: o que se pretende com essa meta? Forçar a aprovação de estudantes, mesmo quando despreparados? Baixar os níveis de qualidade do ensino superior público e igualá-lo ao de muitas instituições privadas? Vale lembrar que tal meta foi imposta, a partir de 2007, às universidades federais pelo programa Reuni e já se provou descabida na maioria dos casos.
No todo, o PNE-N mais se assemelha a uma peça de gerenciamento que a um plano que pretenda atingir as raízes dos problemas que nos levaram a um péssimo desempenho na educação. Tanto pela história do PNE-F como de outros projetos de lei, sabemos que o Congresso, que deverá analisá-lo, não tem compromissos com uma educação pública republicana, democrática e igualitária, e pouco podemos esperar dele. Assim, se quisermos obter algum avanço, é necessário que a população e as entidades científicas, acadêmicas, estudantis, sindicais e educacionais se mobilizem. Caso isso não se concretize, corremos o sério risco de ver repetir-se o que aconteceu na última década: a educação continuar aquém das necessidades e possibilidades da sociedade, não servindo como instrumento de promoção do desenvolvimento pessoal e nacional, em sua conceituação mais ampla.
PROFESSOR NO INSTITUTO DE FÍSICA DA USP, FOI PRESIDENTE DA ADUSP E INEP; PROFESSORA APOSENTADA DO INSTITUTO DE FÍSICA DA USP, FOI VICE-PRESIDENTE DA REGIONAL SÃO PAULO DO ANDES-SN