Uma das barreiras para esse avanço é a realização de pesquisas que não tratam de problemas globais
O conhecimento de ponta confere ao Brasil posições paradoxais, resultado de uma pós-graduação crescente, porém nova no país — com pouco mais de 50 anos. Um dos rankings mais lembrados para exaltar a situação do país diante da comunidade internacional é o que posiciona o Brasil como 13º país com a maior produção científica do mundo. A colocação, calculada por meio do Institute for Scientific Information (ISI), da Thomson Reuters, é mantida desde 2008, quando brasileiros superaram a Holanda e a Rússia. A produção local, no entanto, ainda não é sinônimo de inserção internacional.
Um exemplo é a ausência de instituições locais na lista das 100 melhores universidades em reputação no mundo. A classificação, divulgada em março pela Times Higher Education (THE), é fruto da avaliação de 13 mil acadêmicos de 131 países. As causas apontadas para a ausência das universidades brasileiras são inúmeras, indo de pesquisas feitas sem planejamento relacionado às necessidades do país ao despreparo dos próprios universitários. Enquanto a causalidade desses fatores é debatida entre especialistas, uma explicação é consenso: falta “internacionalização” nas universidades brasileiras.
No quadro de pesquisadores da Universidade de Harvard (EUA) — a primeira colocada no ranking das 100 melhores —, 30% têm origem estrangeira. E em relação ao número de alunos, os estrangeiros chegam a 19%. Nas instituições mais bem avaliadas do Brasil — como a Universidade de São Paulo (USP), 232ª colocada, e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 248ª —, o número de estrangeiros entre os estudantes não ultrapassa 3%. O desafio de aumentar esse índice, que deve ser conduzido pelas instituições, também é assumido pelo governo. “No Brasil, 90% do conhecimento produzido vêm das universidades. Mas, para participar dos rankings, temos índices que precisamos corrigir. Precisamos de uma internacionalização mais efetiva, com maior fluxo de professores e estudantes. Também é preciso aumentar a autonomia das instituições e ampliar o investimento, como vem sendo feito”, defende o secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, Luiz Cláudio Costa.
O secretário executivo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Gustavo Balduíno, afirma que muitas instituições brasileiras ficaram, por muito tempo, voltadas para si, o que acabou prejudicando o desenvolvimento da pesquisa nacional. “Era muito comum que alunos se tornassem professores da mesma universidade, o que acaba limitando a qualidade da instituição”, relata. Segundo Balduíno, essa “endogenia” vem diminuindo com a expansão do ensino superior. “Tiveram mais concurso e, aí, mais mobilidade. A circunstância de mercado obrigou os pesquisadores a sair de casa e trabalhar onde têm vagas, em câmpus do interior”, afirma.
Esforço
A busca pela visibilidade também faz com que os professores procurem alicerces no exterior. É o caso de Pedro Henrique de Oliveira Neto, 27 anos, do Núcleo de Física Atômica e Molecular da Universidade de Brasília (UnB). Neto retornou, no mês passado, do Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA). “Eu soube de um grupo que pesquisava a mesma área que eu e fui observar, ajudar. Precisamos conhecer outras abordagens de uma mesma linha de pesquisa, estar em contato para saber o que é novo.”
A intenção é estreitar os contatos. “Queremos trazer pesquisadores de lá para cá. Com isso, abrimos espaço para publicação em conjunto, para alunos que querem fazer pós-doutorado nos Estados Unidos”, afirma o professor. Pedro Henrique fez o intercâmbio no recesso das aulas. Pagou as passagens e o grupo norte-americano ofereceu a hospedagem. “Quando se trata de uma visita em que não há um congresso, não posso pleitear essa passagem porque não existe um edital”, conta.
Uma consequência desse tipo de intercâmbio feito por Pedro Henrique é o aumento de citações de trabalhos produzidos por instituições brasileiras. Na base de dados da Thomson Reuters, existiam 17 periódicos brasileiros em 2005. A média do fator de impacto — influenciado pelas citações — desses periódicos era de 0,43. Em 2009, a quantidade chegou a 65, com uma média de fator de impacto de 0,76. “Ao falar de fator de impacto mais alto, de algum modo envolve mais citações. E isso envolve maior qualidade”, defende o diretor de Avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Lívio Amaral.
O aumento da qualidade do material publicado é seguido por um pequeno aumento na qualidade dos programas de pós-graduação do país: enquanto 20% dos programas melhoraram a pontuação, 9% diminuíram e 71% tiveram a nota mantida, de acordo com a Avaliação Trienal 2010 da Capes. A avaliação ainda indica que a quantidade de programas com a maior pontuação (7), que representa desempenho de inserção internacional, corresponde a apenas 4,3% do total.
Mais 14
A quantidade de universidades no Brasil passou de 45 para 59, de 2003 a 2011. O número de câmpus e unidades chegou a 282, com 134 novas unidades no período, atendendo a 237 municípios. O total de docentes nas universidades federais passou de 49.870, em 2003, para 68.273, no ano passado; enquanto as matrículas chegaram a 850,8 mil em 2009 — em 2003, eram 596,4 mil.
Falta de concursos
O coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Isaac Roitman, defende um debate sobre a forma de ingresso dos docentes nas instituições, e não sobre a remuneração dos pesquisadores — que deveria ser variável e compatível com a de instituições internacionais. “O sistema de concurso usado pelas universidades é completamente equivocado. Esse tipo de prova não escolhe os melhores candidatos. Devemos fazer um sistema usado em países centrais, que é a divulgação da vaga para o mundo inteiro e uma seleção por meio do currículo do candidato. Isso iria melhorar a motivação de quem trabalha com a universidade”, aponta.
Ainda segundo o especialista, é importante não apenas a melhoria na pós-graduação brasileira para o incremento da produção intelectual, como também um investimento na educação básica. “O investimento da educação para a pesquisa se faz no ensino superior, principalmente na pós-graduação. Mas é preciso incrementar esse investimento no ensino básico. Se o país não preparar esse estudante, ele vai ser deficiente no ensino superior”, afirma.
Diretor do Instituto de Física da Universidade de Brasília, Geraldo Magela aponta a estabilidade de profissionais e a burocracia como grandes problemas nas instituições brasileiras. “Para eu receber um computador novo, tenho que levar um pedido de mesa em mesa. Quando conseguimos fazer uma licitação, recebemos um computador que não atende a nossas necessidades porque ele foi mais barato”, exemplifica. (LL)“