Conselheiro do Todos Pela Educação, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Nos últimos 20 anos, tive a oportunidade, na condição de gestor público, de viver os dois lados da moeda, o da educação básica e o do ensino superior. Hoje, não tenho dúvidas em afirmar que o maior desafio da educação brasileira está na valorização da carreira do magistério.
A larga maioria dos jovens que termina o ensino médio não deseja ser professor, seja pela baixa remuneração (um professor no Brasil ganha 40% a menos – segundo estudo de Fabiana Felício, com base na Pnad 2009 – do que a média de outros profissionais com o mesmo nível de escolaridade), seja pelas difíceis condições de trabalho. Em áreas como química, física e matemática, estamos vivendo (e não é de agora) um apagão de mão de obra qualificada. E o pior, a formação inicial dada pelas nossas universidades deixa muito a desejar em relação às necessidades atuais da escola pública, conforme revelou pesquisa da educadora Bernadete Gatti para a Fundação Victor Civita.
É incontestável, por seu lado, a importante contribuição que a universidade brasileira vem dando ao desenvolvimento científico e tecnológico do país, tanto na formação de recursos humanos (a título de exemplo, na pós-graduação, o Brasil forma hoje 12 mil doutores), quanto na produção de novos conhecimentos, o que o coloca na 13ª posição do ranking mundial da produção científica. Para chegar a esse patamar foi preciso grande esforço da comunidade científica, aliado a políticas públicas arrojadas e exitosas. A indução na direção do fortalecimento da pós-graduação e da pesquisa, em especial nos últimos 15 anos, foi notória. Mas essa estratégia fez com que a universidade se distanciasse da escola pública. E, assim, seus professores pouco ou nada conhecem da realidade dessa escola pública.
Na verdade, a educação básica deixou de ser prioridade para a universidade brasileira. O Ministério da Educação vem procurando reverter esse quadro. Um exemplo desse esforço é a criação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), com foco na formação de professores. Na mesma linha, houve a implantação da Universidade Aberta do Brasil (UAB) e da Plataforma Freire vinculada à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes), que agora possui uma diretoria só para cuidar da formação de professores.
Mas o problema é que esse distanciamento produziu falta de vocação da universidade para formar professores destinados às salas de aula. Além disso, o tempo da maioria dos professores de nossas universidades está comprometido com as atividades de ensino e pesquisa, sem falar naquele dedicado à burocracia.
No que concerne à educação básica, sem um salário inicial atraente e um plano de carreira que valorize a profissão em função de seu desempenho e de seu esforço na formação continuada, o país não conseguirá atrair os jovens mais talentosos do ensino médio para a carreira do magistério.
Enquanto esperamos a implantação plena da lei do piso salarial para o professor no Brasil, o que vai representar instrumento importante para a questão da atratividade docente, a universidade poderia repensar seu papel formador. Felizmente, ainda existem alguns poucos professores nas universidades que continuam se dedicando, de fato, ao cotidiano da escola pública, mas que estão dispersos nos vários departamentos e institutos que cuidam dos bacharelados (e também das licenciaturas). Esses heróis da resistência podem ser o início da retomada da universidade para recolocar a escola pública no plano de prioridade que ela merece.
O ponto de partida seria criar um instituto, em cada uma das universidades, com forte característica interdisciplinar, em que os docentes universitários estariam dedicados exclusivamente à formação de professores para a sala de aula. A esses se juntariam os melhores professores da educação básica, que dedicariam parte de sua carga horária de trabalho ao instituto e funcionariam como espécie de professores colaboradores.
Esse novo instituto, dentro da universidade, teria, assim, “cheiro de escola”. Formularia um novo currículo com cara e jeito de escola; novos incentivos, por meio do Capes, poderiam ser dados aos professores envolvidos, que teriam como maior compromisso resgatar a escola pública para dentro da universidade – produzindo experiências inovadoras e de baixo custo para serem disseminadas nas redes de ensino.
Se quisermos, de fato, dar o salto de qualidade na educação básica que o país precisa e merece, não podemos apenas ficar no reconhecimento de nossos acertos. É preciso também ter a humildade de reconhecer nossos limites e falhas, e fazer, assim, a eventual correção de rumo. E a formação de professores para enfrentar as salas de aula do ensino público é uma dessas necessárias correções.