O ministro Fernando Haddad (Educação) diz que o Enem ajuda a ”enxugar” o currículo do ensino médio
Defesa. Para o ministro, o Plano Nacional de Educação tem virtudes importantes, como o foco na qualidade do ensino e a valorização do professor
Admitindo que o ensino médio foi o que menos reagiu às políticas públicas, o ministro da Educação, Fernando Haddad, espera que o Enem promova a racionalização do currículo e os governos estaduais invistam com prioridade. “Sem ufanismo”, ele avalia que há uma reação na qualidade do ensino, que deve ser alavancada pelo Plano Nacional de Educação (PNE). O ministro não teme a profusão de emendas feitas pelos deputados, muitas delas preocupadas apenas com reivindicações trabalhistas dos professores.
O Plano Nacional de Educação (PNE), que está no Congresso, inclui uma série de ideias sugeridas pelas Conferências Nacionais de Educação, cheias de boas intenções. O PNE está hoje com quase 3 mil emendas e um forte viés corporativista. O que isso tem a ver com o desafio da qualidade da educação?
Na história do País, este é o primeiro plano que fala em qualidade e tem metas de qualidade fixadas, divulgadas e aferidas de maneira centralizada. A segunda virtude do plano, da creche até a pós-graduação, é que ele tem poucas metas, apenas 20. Ao contrário do anterior, que tinha 276 metas. A terceira virtude é que são metas que podem ser acompanhadas pela sociedade. A quarta virtude é a centralidade da figura do professor e a qualidade da sua formação. Em quinto lugar, é um plano que foi acompanhado de uma Lei de Responsabilidade Educacional. Isso também é inédito: responsabilizar o gestor pelos resultados previstos no plano. Por fim, há a fixação de um porcentual (7%) do Produto Interno Bruto (PIB) a ser investido em educação pública, o que também é uma novidade.
Os parlamentares discutem muito o uso do dinheiro do petróleo do pré-sal para a educação. Não é um desperdício de foco debater sobre algo que nem se sabe como será, quanto terá e quando terá?
É importante discutir previamente o destino desses recursos. É importante demarcar posição desde já, pois muitos países produtores de petróleo desperdiçaram a oportunidade de fazer uma revolução na educação justamente porque, até por não contar com um ambiente democrático, não puderam fazer essa discussão com a sociedade.
E a profusão de emendas ao PNE?
O número de emendas não assusta. O mesmo assunto foi tratado em várias emendas. No caso do financiamento, por exemplo, em mais de cem emendas. Mas elas tratam de poucos temas e não alteram substancialmente as metas. O plano está sendo discutido no momento em que a OCDE (Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) acaba de lançar um vídeo institucional sobre o Pisa (em português, Programa Internacional de Avaliação de Alunos) em que o Brasil, pela primeira vez, destaca-se positivamente. O Brasil foi o terceiro país que mais evoluiu no Pisa, o que nos valeu um documentário de 20 minutos que está sendo divulgado no mundo todo.
O sr. acha que os dados do Pisa são gloriosos para o Brasil? O vídeo destaca apenas um crescimento.
Não. Nem a OCDE diz isso nem nós. É o terceiro maior crescimento.
Mas esse terceiro maior crescimento nos coloca onde?
Acima da Argentina, da Colômbia, do Peru.
Olhe a pujança econômica e institucional do Brasil e compare com os países que o sr. citou.
A renda per capita da Argentina é maior que a nossa. A tradição educacional argentina é superior à nossa. A Argentina estava na nossa frente em 2000.
Somos um dos países que mais cresceram, mas os resultados do exame ainda são desastrosos.
O que eu estou dizendo é que tivemos a melhor década da educação do ponto de vista do avanço da qualidade. Nós revertemos uma tendência de queda de qualidade que se observou durante todos os anos 80 e 90. Vocês não vão achar uma frase ufanista minha a respeito de educação.
Na primeira metade dos anos 90 não houve nada positivo?
Houve. A Constituinte de 88 foi um marco importante. Ainda no governo Collor (1990-1992), foi feita a primeira tentativa de introduzir o conceito de avaliação no Brasil. Depois (esse conceito) foi aprimorado pelo governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). O Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental), embora não tenha tido dinheiro novo da União, dentro de cada Estado ele equalizou minimamente o financiamento. Nós procuramos aprofundar e radicalizar as políticas virtuosas dos anos 1990. A criação do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), que é um desdobramento do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), o Fundeb (Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica), que incluiu a creche e o ensino médio e colocou R$ 10 bilhões de recursos a mais na educação básica, para citar dois exemplos.
A aprovação do Pronatec, para ampliação do acesso ao ensino médio, não está demorando? O governo da presidente Dilma já está entrando no oitavo mês.
Está trancando a pauta (na Câmara). E nós não retiramos a urgência justamente porque entendemos que é um projeto prioritário. Porque o ensino médio brasileiro, que foi o que menos reagiu aos estímulos do MEC, depende de medidas que estão sendo tomadas. Como, por exemplo, o fim do vestibular, a inclusão no Fundeb, a extensão dos programas de apoio que eram restritos ao ensino fundamental (alimentação, transporte, livro didático). Precisamos ter um segundo turno que permita ao jovem ter um currículo mais inteligente. E, no primeiro turno, um currículo menos sobrecarregado de conteúdos que ele jamais vai utilizar. É um enxugamento que o Enem já está promovendo.
Por que o ensino médio foi o que menos reagiu a essas políticas públicas?
Primeiro porque ele recebe menos atenção dos governos estaduais. Segundo, porque o ensino fundamental precisava reagir primeiro. Não havia como melhorar o médio sem melhorar antes o fundamental.
Um dos pontos que o sr. destaca para a melhoria do ensino médio é o fim do vestibular. O que há de meritório no fim do vestibular?
As pessoas, às vezes, misturam dois debates diferentes. O fim do vestibular não significa o fim do processo seletivo, não significa o fim da meritocracia para o acesso à educação superior. Estamos sintonizando o Brasil com os melhores sistemas universitários (chinês, americano, francês, alemão), que não têm esse expediente de cada instituição fazer o seu processo seletivo. Isso acarreta sobreposição de conteúdos cobrados, que acabam se transformando num megacurrículo, intransponível para a escola em três anos. Nós estamos reorganizando o ensino médio em bases racionais e lógicas. Haverá, portanto, um reforço da questão do mérito.
O Enem era um exame de avaliação e passou a ser, na prática, um vestibular nacional. Isso não explica os erros (na impressão e logística) que tumultuaram os últimos exames?
O Enem se tornou o que é com o ProUni. Não foi com a reformulação da prova. Nós tínhamos 1 milhão de inscritos e, com o advento do ProUni, passamos a 3 milhões de inscritos. O grande salto aconteceu em 2005. A logística já vinha sendo tratada desde 2005, pois já tínhamos 3 milhões de inscritos naquela ocasião. Fomos para 4 milhões. De 1 milhão para 3 milhões é uma mudança de patamar. De 3 milhões para 4 milhões é uma evolução quase natural. O Enem não era aceito pelas universidades de ponta porque era considerado uma prova muito fraca, insuficiente para o propósito de substituir o vestibular. Agora, na minha opinião, o equívoco foram as ameaças constantes que o Inep sofria para licitar o exame. Nenhum vestibular, que é uma fração diminuta do Enem (como a Fuvest), faz isso. Não havia como licitar essa operação pelo menor preço, mas o Inep era ameaçado, mesmo por meio dos jornais. Então, se houve um erro, foi o de não ter, às vésperas daquele exame, ido ao encontro dos tribunais e órgãos de controle e ter explicitado: “Olha, não é possível fazer dessa maneira. Nós estamos fazendo dessa maneira porque só tem um concorrente.”
Recentemente, o MEC distribuiu livros com erros graves, em que, por exemplo, o resultado de 10 menos 7 era igual a 4. Como passam esses erros?
É sempre lamentável quando acontece um erro de revisão. Mas o Ministério da Educação trabalha com quase 2 mil títulos. Então, do mesmo jeito, no governo Fernando Henrique Cardoso, o Ceará sumiu do mapa. E no governo Serra, em São Paulo, outro Paraguai apareceu no mapa. Não estou querendo justificar o erro.
O sr. acha que é um bom princípio alunos, professores e funcionários terem o mesmo peso na escolha do reitor de uma universidade?
Eu, pessoalmente, defendo a prevalência do docente. É a minha opinião, mas (em função da autonomia universitária) respeito os colegiados superiores que decidiram em sentido contrário.