A política de expansão das universidades federais do governo Lula (2003-2010) não conseguiu reduzir as desigualdades sociais e econômicas que sempre predominaram nas instituições públicas de ensino superior do País. Em 5 das 14 novas universidades há mais ricos que pobres, em 8 a porcentagem de alunos brancos é maior que a média nacional, enquanto que a de alunos que se declararam pretos é menor que a média em 9 delas.
É o que mostra levantamento do Estado nas 14 universidades criadas pelo ex-presidente com base em cruzamento de dados da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), que em 2010 entrevistou 19.691 alunos de 53 das 56 universidades federais do País. Anteontem, a presidente Dilma Rousseff anunciou a criação de mais quatro federais.
O governo Lula criou várias medidas para aumentar o acesso das camadas mais pobres à universidade pública. O sistema de cotas sociais e raciais, por exemplo, foi adotado por 20 universidades federais de 14 Estados. A criação, em 2009, do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) – que seleciona estudantes para vagas em universidades federais por meio da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) – deu chance para que um estudante de um Estado possa cursar uma federal de outro. Neste ano, o Sisu registrou 2 milhões de inscrições.
Os recortes feitos pelo Estado, porém, indicam que o avanço na inclusão ainda é lento. Em cinco das novas universidades da era Lula, por exemplo, a proporção de alunos ricos varia de 68% a 84% – bem maior que a média das 56 federais existentes (56%).
A Universidade de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)lidera a lista das instituições com maior proporção de alunos ricos, ou seja, das classes A e B (mais informações nesta página). Lá, além de 84,85% dos estudantes que pertencem a essas classes, 91,67% são brancos e 75,76%, mulheres. “O perfil do nosso aluno é similar ao dos estudantes da Região Sul, com as peculiaridades da área da saúde”, diz o pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários, Luís Henrique Telles da Rosa.
Entre as diversas explicações para os porcentuais estão o fato de ser uma instituição pequena e voltada especificamente para uma área, na qual é tida como uma das melhores do País, o que a faz ser bastante concorrida. Assim, acaba selecionando os alunos que tiveram chances de se preparar nas melhores escolas.
A mesma desigualdade é verificada quando se trata da divisão por raça, cor e etnia. Os estudantes brancos são maioria em oito das novas universidades, com índices que variam de 71,14% da Universidade Federal do ABC a 91% da UFCSPA. A média das federais brasileiras é de 53,59%.
Nível básico. Segundo a especialista em ensino superior e professora da USP Elizabeth Balbachevsky, reforçar a qualidade da educação oferecida no ensino médio das redes estaduais e municipais é fundamental para aumentar o acesso de jovens de classes populares à universidade pública. “O gargalo está nessa etapa de ensino porque, nos últimos anos, bem ou mal, o ensino fundamental vem recebendo políticas públicas voltadas para ele”, explica. “A atratividade do ensino médio precisa melhorar – o currículo é essencialmente “bacharelesco” e “livresco”.”
Para Elizabeth, o ingresso desse jovem na instituição federal deve ser acompanhado de uma política consistente de assistência social. “A permanência desse aluno de renda mais baixa normalmente é um desafio, porque ele precisa trabalhar para ajudar a família”, afirma. “Além disso, não adianta colocá-lo na universidade pública se ele não tem a qualificação necessária para acompanhar o curso.”
Ela considera que o acesso ao ensino superior público não deve ser massificado.
“Qualquer sistema de ensino precisa ter os dois tipos de instituição: a de massa, que dá uma formação profissional que atende ao mercado, e a acadêmica, voltada para formar a elite intelectual”, explica. / COM MARIANA MANDELLI E ELDER OGLIARI