Uma das poucas quebras de paradigma que ocorreram na educação brasileira na última década foi a incorporação de indicadores educacionais ao interesse do grande público. Continuamos com uma educação de muito baixa qualidade e desigual, mas pelo menos a consciência a respeito dessas dificuldades parece estar mais clara por causa das informações obtidas por avaliações externas.
Da mesma maneira que aprendemos a entender nossos níveis de colesterol separando a gordura “boa” da gordura “ruim” e a proporção entre elas, os indicadores de educação devem ser compreendidos pelos seus componentes e não apenas pela ponta do iceberg em que se transformaram. Por consequência, qualquer decisão educacional séria deve levar em conta fatores adicionais aos valores de desempenho e os possíveis rankings, exatamente como fazem nossos médicos no caso do colesterol alto.
O problema é que, assim como fabricantes de margarina capturam o indicador do colesterol para vender mais, as escolas particulares capturaram o Enem para suas ações de marketing. O Enem foi concebido inicialmente para ser uma avaliação voluntária e individual do aluno que concluísse o ensino médio. Aos poucos ele foi sendo modificado e passou a ser referência de qualidade de escolas, depois de redes de ensino e agora é parte importante do sistema de seleção para o ensino superior.
Por mais que seja interessante um sistema nacional de seleção para o ensino superior, a pressa com que o MEC direcionou todas as energias para reformular o Enem, em detrimento de uma melhor concepção do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), por exemplo, é mais um exemplo de como colocar o governo a serviço da classe média em detrimento do interesse da população em geral.
Em novembro de 2009 os alunos do ensino fundamental fizeram a Prova Brasil e preencheram os questionários de contexto que a complementam. Estamos quase em novembro de 2011 e ainda não temos os microdados para poder levar melhor gestão pedagógica às escolas ou para embasar importantes pesquisas para subsidiar políticas públicas. O Ideb seria infinitamente melhor se, pelo menos, incorporasse as faltas dos alunos que não fizeram as provas no seu cálculo, como está sendo feito agora com o Enem.
Se apenas 50% de nossos jovens (de 25 a 34 anos) terminam o ensino médio e só 11% vão para o ensino superior, a importância de um Enem reformado claramente atende a um grupo particular da sociedade. A maior contribuição do Enem como política pública seria a de servir como certificação de conclusão de ensino médio para quem tiver mais de 18 anos e alcançar uma nota mínima, mas com tantas mexidas recentes, até isso fica comprometido. Mais urgente que calibrar o Enem é ter dados detalhados sobre a educação fundamental para que achemos as fórmulas para conseguir que todos os jovens tenham, no mínimo, 12 anos de escolaridade. O MEC poderia ter feito isto antes, ou tomar esta providência logo.
E fica a dica para os pais que estão tentados a usar o Enem como principal indicador de qualidade para escolher a escola dos filhos: este indicador não é o reflexo da qualidade de uma escola. Visitas, conversas com outros pais e uma boa investigação dos métodos pedagógicos ainda são a melhor forma de saber se uma escola é realmente boa e adequada para o perfil de sua família.