Exame é boa promessa de vestibular nacional, mas se presta mal à avaliação de escolas e, pior ainda, do sistema educacional do país
O Exame Nacional do Ensino Médio, cujos resultados do ano de 2010 foram divulgados ontem, desperta muita atenção de pais, alunos, professores e autoridades. Até por isso, é importante assinalar os limites da avaliação promovida pelo Ministério da Educação.
A principal característica do Enem, nos moldes que assumiu a partir de 2009, é classificar alunos para vagas em faculdades. As 59 universidades federais usam a nota do exame nacional para substituir integral ou parcialmente o seu vestibular. O Enem, portanto, tornou-se um processo seletivo nacional, com a promessa de avanços interessantes, como a realização de vários exames por ano e a possibilidade de o aluno descartar as piores notas quando for pleitear vaga em instituição superior.
Qualquer outro uso do Enem, contudo, se torna problemático. Para começar do que parece mais simples, as classificações de escolas com base na sua média do Enem estão sujeitas a distorções relevantes. A participação no exame é facultativa, e os incentivos para o comparecimento variam de escola para escola e, mais ainda, de região para região do país.
Há colégios que incentivam só seus melhores alunos a prestarem a prova. Outros criam escolas separadas com estudantes convidados. Colégios pequenos e seletivos inscrevem 20 alunos; outros, menos restritos, 200. São ações permitidas e compreensíveis, até porque parte do sistema é privado e busca atrair clientela exibindo desempenho. Mas elas inviabilizam um juízo objetivo sobre qual escola é melhor que a outra.
A distorção mais importante, entretanto, vem dos incentivos muito variados regionalmente para que a elite dos estudantes vá prestar o Enem. Em Estados como Rio e Minas, esse incentivo é o maior possível, pois as vagas mais buscadas nas universidades são federais. Em São Paulo, com a USP e a Unicamp adotando vestibulares inteiramente próprios em 2009 e 2010, a atratividade foi menor.
Esse fator serve para explicar em parte a alta frequência de escolas secundárias fluminenses e mineiras na lista das maiores médias do Enem. Quando se trata de tomar o exame para avaliar o sistema educacional do Brasil, a cautela deveria ser ainda maior.
USP e Unicamp, vale lembrar, desistiram de aceitar o Enem depois que a prova vazou em 2009, provocando incertezas e o seu adiamento. Com uma ação legislativa, pode-se argumentar, daria para resolver tudo. Torna-se o Enem obrigatório para todo concluinte do ensino médio e para o vestibular de todas as instituições superiores nacionais. Seria uma saída equivocada, arbitrária e, provavelmente, inconstitucional.
Ela feriria o princípio da autonomia das universidades e dos Estados, a quem compete o ensino secundário. Quem garante que o Ministério da Educação fará sempre os melhores e os mais seguros exames, capazes de selecionar com justiça estudantes em todo o território de um país continental?
A adesão ao Enem deve continuar a ser voluntária. À medida que a aplicação da prova ganhe credibilidade, decerto aumentarão o peso e o volume das universidades que dela se valem.