“Na mobilidade gerada pelo Enem, o aluno do Sudeste tira vaga do estudante do Nordeste”
(Entrevista com Ocimar Alavarse (pedagogo) e Malvina Tuttman (presidente do Inep)
Professor da Universidade de São Paulo e um dos responsáveis pela criação da Prova São Paulo, que avalia a qualidade da educação da capital paulista, o pedagogo Ocimar Alavarse é um crítico dos rumos do exame:
ISTOÉ – A segurança do Enem foi posta à prova em duas edições. Ele está fadado a esse tipo de problema?
Ocimar Alavarse – Sim. Vamos imaginar a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ela agora só tem o Enem como processo de seleção. Quanto não vale o acesso privilegiado às questões da prova? Como em qualquer exame, ele está sujeito a fraudes. Só que em uma dimensão muito maior, pela abrangência nacional e o número de inscritos. E isso vai exigir do governo esforços hercúleos para garantir a lisura do processo. Esse é um problema que o Enem possui. Nas duas últimas edições houve fraudes. É impossível não perguntar o que vai dar errado neste ano.
ISTOÉ – Quando ampliou o Enem o governo alegou que o Brasil tinha um sistema ultrapassado de seleção. O Enem é mais moderno que o vestibular?
Alavarse – Não. Pode parecer que houve melhora, pois o candidato pode fazer um exame só e concorrer a diversas universidades. Mas eu pergunto: tomando os indivíduos, o Enem aumenta a probabilidade de ingresso de alunos de nível socioeconômico mais baixo em cursos muito concorridos? Não. Então é uma ilusão.
ISTOÉ – Então não houve democratização do acesso ao ensino superior, como diz o governo?
Alavarse – Não. O aluno pode tentar em 15 universidades, mas, pela qualidade da educação que recebeu, não vai conseguir entrar para os cursos mais concorridos de nenhuma delas.
ISTOÉ – Mas em outros países, como os EUA, o acesso baseia-se em seleções válidas para várias universidades.
Alavarse – Sim, mas essa realidade não se parece com a brasileira. Se nós tivéssemos igualdade de chances, eu não teria problemas com o Enem. Mas não temos.
ISTOÉ – Para o MEC, o Enem gera mobilidade de alunos entre as regiões do País. O sr. concorda?
Alavarse – Só se for para o aluno do Sudeste tirar a vaga do estudante do Nordeste. Não sou contra o intercâmbio de povos, culturas e línguas, mas não é disso que estamos falando quando olhamos para a mobilidade gerada pelo Enem.
ISTOÉ – Na sua opinião, qual seria a solução para garantir um acesso mais igualitário às universidades?
Alavarse – Defendo o sorteio das vagas e admito como uma variável à minha proposta o sorteio qualificado. Poderíamos ter uma prova na qual se estabeleceriam alguns conceitos básicos e uma nota mínima a ser atingida. Quem atingisse essa nota mínima, entraria para o sorteio. Veja, não estou negando o direito de um jovem que se esforçou para fazer determinado curso entrar. Como, porém, trato o outro jovem que não teve as mesmas condições?
ISTOÉ – Esse modelo já existe?
Alavarse – Tem algo na Holanda.
ISTOÉ – Mas é bem difícil comparar o ensino holandês com o brasileiro.
Alavarse – Lá há uma razão para isso: a homogeneidade muito grande entre os estudantes. Em uma prova, os resultados seriam tão parecidos que praticamente daria empate, semelhante ao que acontece nos cursos muito concorridos das universidades públicas brasileiras.
ISTOÉ – E como dar conta desses alunos tão heterogêneos no Brasil?
Alavarse – Teríamos de mudar o perfil pedagógico dentro das universidades. É mais fácil, porém, nós fazermos isso que os jovens se adaptarem a nós.
Malvina Tuttman, presidente do Inep
No cargo desde o início do ano, Malvina Tuttman enfrenta seu primeiro Enem como presidente do Inep, órgão responsável pelo exame. E é otimista, diz que haverá segurança o suficiente nesta edição:
ISTOÉ – Podemos esperar um Enem livre de problemas?
Malvina Tuttman – O Enem nunca foi um problema. Ele é uma solução para diferentes demandas de democratização do País. E, com a experiência acumulada, o MEC e o Inep estão tomando uma série de medidas para dar total tranquilidade a quem vai prestar o exame.
ISTOÉ – Que ações são essas?
Malvina – Há três importantes destaques. Trouxemos o Inmetro para trabalhar conosco acompanhando todo o processo. Também criamos no Inep uma unidade de operações logísticas para acompanhar todas as etapas do exame, em especial a fase de impressão, de distribuição e de chegada aos pontos onde as provas serão aplicadas. O MEC ainda contratou uma empresa para a gestão de riscos. Eles mapearam mais de 1,2 mil itens em todo o processo e estão fazendo um trabalho de prevenção às possíveis ameaças.
ISTOÉ – Como garantir a segurança em 123 mil salas de aula?
Malvina – “Garantir” é uma palavra que não deve ser usada porque a gente não pode garantir determinadas situações do nosso cotidiano. Podemos dizer que o MEC está tomando todas as precauções para que nos dias 22 e 23 de outubro tenhamos bastante segurança na aplicação do exame.
ISTOÉ – Em 2010 viu-se que é possível fraudar o Enem durante sua aplicação. Há mudanças para evitar esse tipo de situação?
Malvina – A cada momento nós vamos nos surpreendendo e aprendendo. A tentativa de fraudar ocorreu, mas não deveria acontecer. Com a experiência passada, fortalecemos algumas ações que já existiam, entre elas o treinamento dos aplicadores e a proibição do uso de qualquer objeto eletrônico, como, por exemplo, o celular.
ISTOÉ – Uma das bandeiras do Enem é a democratização do acesso ao ensino superior. Que dados o MEC possui que mostram que isso tem acontecido?
Malvina – Pelo censo da educação de 2010, que será divulgado na terça-feira 18, estatísticas mostram o Enem como um fator importante de democratização do acesso ao ensino superior, por atender a vários projetos que facilitam que isso ocorra, como o Prouni e o Sisu. O conjunto dessas ações, sem dúvida, ampliou o acesso e a permanência dos estudantes na universidade.
ISTOÉ – Em universidades públicas?
Malvina – Sim. Houve aumento tanto nas instituições públicas quanto nas particulares.
ISTOÉ – As universidades têm demonstrado interesse em participar mais do processo de construção do Enem. Isso acontecerá?
Malvina – Estamos iniciando, para todos os exames do Inep, a construção de uma rede de observadores com as instituições federais, que acompanharão a aplicação da prova. O Enem servirá como piloto dessa iniciativa. Isso não aconteceu nos exames anteriores.
ISTOÉ – Elas vão poder participar mais também no processo de elaboração da prova?
Malvina – Sim. Já estão. Não para esta edição, mas para 2012 estamos elaborando itens da prova em colaboração com as instituições federais. Isso é um amadurecimento importante e um desejo das universidades, do MEC e do Inep também.
ISTOÉ – Algumas instituições ainda não adotam o Enem ou o adotam de forma tímida. O MEC vai pressionar as instituições públicas para que elas façam uso integral do exame?
Malvina – Não. Essa não é a política do Ministério da Educação nem do ministro Fernando Haddad. A decisão é das universidades. Só que estamos percebendo que mais e mais instituições estão aderindo, inclusive instituições que têm uma tradição maior.