BRASÍLIA e SÃO PAULO – Reduto da esquerda e da disputa partidária, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade de Brasília (UnB) mudou de mãos e vive situação inédita desde a redemocratização do país. A nova diretoria não quer saber de debates ideológicos. Foi eleita e tomou posse na última terça-feira com uma plataforma incomum no movimento estudantil: maior presença da Polícia Militar no campus, estímulo a parcerias público-privadas para financiar pesquisas e ampliação do número de concessões para o funcionamento de lanchonetes e copiadoras.
A Universidade de São Paulo (USP), onde a atuação da PM no campus divide a opinião dos alunos, admitiu abrir negociação e discutir com estudantes e trabalhadores da instituição o aperfeiçoamento e o detalhamento do convênio feito com a Polícia Militar. Mas já adiantou que não vai abrir mão desta parceria, firmada após o assassinato do estudante Felipe Ramos de Paiva, de 24 anos, na Cidade Universitária, em 18 de maio deste ano.
A rediscussão da presença da PM na USP e a reavaliação dos processos contra alunos e trabalhadores da universidade estão entre os principais pontos reivindicados pelos estudantes, que invadiram a reitoria na última terça-feira. Antes, eles ocupavam o prédio da Geografia em protesto contra a prisão de três colegas por fumarem maconha no campus. No último sábado, em uma audiência de conciliação, a Justiça prorrogou para as 23h de hoje o prazo para a saída dos estudantes do prédio da reitoria. Os alunos se comprometeram a preservá-lo e representantes da universidade, a restabelecer o fornecimento de água, energia e internet.
Segundo a direção da USP, uma comissão mista formada por representantes dos estudantes, dos funcionários e da reitoria passaria a decidir sobre os termos do convênio. Mas sua criação está atrelada à desocupação da reitoria.
Na UnB, uma cena resume a postura da chapa Aliança pela Liberdade, eleita com 22% dos votos. Em vez de símbolos partidários, os 27 novos dirigentes portavam, no dia da posse, certidões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atestando que nenhum deles é filiado a partido político.
Octávio Torres, de 21 anos, é um dos três novos coordenadores-gerais do DCE. Aluno do 6º semestre de Direito, diz que o movimento é pragmático e visa a melhoria do cotidiano estudantil. Daí a preocupação com a falta de segurança no campus, onde uma aluna foi estuprada, dois estudantes sofreram sequestro-relâmpago e computadores foram roubados este ano.
Em relação ao sistema de cotas raciais, ele afirma que se trata de um direito garantido, no mínimo, até 2014, mas que é preciso debater formas de aprimorar a seleção dos beneficiados. Sobre a ampliação de lanchonetes, observa que o dinheiro arrecadado poderia ajudar a melhorar o restaurante universitário.
– Somos completamente apartidários. Acreditamos ser um novo movimento estudantil, que é focado no cotidiano do universitário. Não ficamos gritando “fora, FMI”, “fora, pelegos”. O DCE não vai nortear a luta nem a revolução de ninguém – ressalta Torres.
O discurso destoa do histórico da UnB. A gestão anterior do DCE era ligada ao PT. Antes, pertencia à União da Juventude Socialista (UJS), vinculada ao PCdoB. O diretório tem o nome de Honestino Guimarães, aluno que ingressou na luta armada contra a ditadura e acabou engrossando a lista de desaparecidos políticos.
A Aliança pela Liberdade foi criada em 2009, por alunos que se ressentiam da politização que consideravam exacerbada no movimento estudantil da UnB. O coordenador de Comunicação do DCE, Davi Brito, é hoje presidente da Aliança. Segundo ele, uma das propostas é alterar o estatuto do DCE, que seria substituído por um conselho formado por presidentes dos centros acadêmicos de cada curso.
Brito, de 21 anos e aluno do 5º semestre de Direito, rejeita a rotulação da Aliança como direitista. A vitória nas eleições é atribuída também à fragmentação da esquerda, que se dividiu em seis das oito chapas concorrentes. A UnB tem 24 mil estudantes de graduação, mas apenas 5,7 mil votaram para o DCE.
– A gente trata de temas voltados à universidade. O que nos une são princípios como liberdade, estado de direito e excelência acadêmica. A UnB tem potencial para ser uma das melhores universidades do mundo.
O reitor José Geraldo de Sousa Júnior, que é ligado ao PT, já se reuniu com a nova diretoria e diz que a universidade conta com um posto da PM, que também faz rondas. As ações de segurança são discutidas em um conselho comunitário, no qual o novo DCE terá assento. Sobre a posição ideológica dos alunos, diz que isso é indiferente e quer ver como será na prática.
A USP já tem autorização judicial para acionar a força policial para a reintegração de posse da reitoria. Os cerca de 50 alunos que estão no prédio vão decidir, em assembleia, se vão desocupá-lo. Segundo Wanderley Messias da Costa, superintendente de Relações Institucionais da USP, a reitoria não está disposta a revogar o convênio com a PM.