Estudantes contam como saíram do dilema: quem não quer perder tempo, deixa o conforto do lar para fazer faculdade em outra cidade
Núbia de Andrade Rezende precisou ser bastante corajosa para dar uma guinada na própria vida. Primeiro, porque desistiu de duas graduações para tentar recomeçar o curso de Medicina. Depois, porque teve de se mudar de Viçosa, Minas Gerais, para a capital do Amazonas, Manaus. Uma distância de mais de 4 mil quilômetros.
Aos 28 anos de idade, Núbia não tinha tempo a perder. Havia cursado Ciências Biológicas na Universidade Federal de Viçosa (UFV), mas, insatisfeita com a carreira, fez outro vestibular. Iniciou a graduação em Farmácia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Logo depois, percebeu que aquele não era o seu caminho.
Uma crise pessoal e muitas conversas com a família depois, ela investiu na busca por seu novo sonho: cursar medicina. Voltou ao cursinho para buscar uma vaga na carreira, tão disputada em qualquer instituição. Núbia também não queria perder tempo para alcançar seu objetivo. Por isso, se mudou para Manaus para estudar.
Com a adoção do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como critério de seleção para as vagas, a disputa nas universidades federais mineiras ficou muito grande. Com o Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do Ministério da Educação, Núbia ganhou a possibilidade de concorrer a vagas em diferentes Estados sem sair do lugar. E arriscou.
“Vi que a minha nota me permitia cursar medicina em Manaus. Era longe, caro e complicado, mas ignorei isso tudo em nome de um sonho: fazer medicina numa federal”, conta a jovem, que nunca havia pisado em solo amazonense. “Tinha medo porque não tinha nenhuma informação sobre a cidade”, diz.
Longe do aconchego dos pais
O Sisu ampliou as possibilidades para quem deseja trocar de cidade, mas esse ainda não é um hábito comum entre os estudantes. No ano passado, por exemplo, apenas 15% dos 76 mil matriculados pelo sistema deixaram seu Estado-natal para estudar. Deixar a família e os amigos ainda desanima muita gente, que prefere fazer novo pré-vestibular e tentar uma vaga em uma instituição próxima de casa.
Assim como Núbia, Oswaldo Cascudo, 22 anos, quer uma vaga no curso de medicina. Já tentou instituições de Brasília, Ceará, Pernambuco e Alagoas, além da própria Paraíba, onde nasceu. Ainda não foi aprovado, mas decidiu largar sua casa, em Campina Grande, para se preparar para o vestibular na capital, João Pessoa.
“Apesar de não ter passado ainda, acho que tomei uma decisão acertada. Ganhei minha independência financeira e estudo mais aqui”, conta. Oswaldo é monitor no pré-vestibular onde estuda e usa parte do que ganha para se sustentar.
Oswaldo e Núbia reconhecem que há desafios na experiência de morar sozinho. Não ter ninguém para entregar casa limpa, roupa lavada e passada ou comida pronta é um deles. “Não tem nada pior do que chegar em casa e ainda ter que lavar roupa”, brinca Núbia, que ainda tem de lidar com o alto custo de passagens aéreas para visitar a família e um clima bem diferente do que estava acostumada.
Mas, para quem não tem muita escolha, essas dificuldades precisam ficar em segundo plano. Libério Mendonça Gomes, de 19 anos, deixou a casa dos pais, em Pitangui (MG), para cursar Enfermagem em Divinópolis, outra cidade mineira. A distância que separa as duas é cerca de 80 quilômetros. O suficiente para impedi-lo de ir e voltar para casa todo dia. Por isso, ele mora em uma república e só vê os pais nos finais de semana.
Na cidade de Libério, não tem faculdade. Então, quem quer um diploma de ensino superior precisa sair. A primeira tentativa dele foi cursar Fisioterapia em Diamantina. “Não me adaptei e, no fundo, queria mesmo era Medicina”, conta. Ele ainda insiste na vaga, mas está cursando a segunda opção feita no Sisu: Enfermagem. “Achei que estava parado só no cursinho”, afirma.
Saudades da família
Mesmo tendo saído de casa, Libério não escolheu nenhuma universidade distante. Não querer lidar com a saudade da família faz muitos estudantes desistirem de vagas. Foi assim com Liz Rodrigues Luzeiro, 23 anos. Moradora de Manaus, ela foi aprovada em Enfermagem na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) pelo Sisu.
“Não quis ir por causa da distância. Meu pai não queria e não sei se teríamos condições de me manter lá”, pondera Liz. Além disso, o grande sonho da jovem é estudar Medicina. “Mas vai ser o último ano que eu tento. Também vou me candidatar a vagas em instituições de Estados mais próximos, como Roraima”, diz.
Ainda muito novo, Júlio Fernando Queiroz, de 17 anos, se sentiu mais confortável para recusar a vaga conquistada no curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). “Cheguei a fazer minha matrícula, meus pais me incentivaram a ir, mas eu não queria estudar lá”, admite. O sonho de Júlio é a Universidade de Brasília (UnB).
Para ele, é possível estudar mais alguns meses e conseguir a vaga sonhada. Júlio reconhece, no entanto, que, às vezes, se pega lembrando que já poderia estar livre da rotina de cursinho. “É muito cansativo, então bate o desânimo às vezes. Mas fiz a escolha certa. Eu quero a UnB e não queria ficar longe da minha família”, garante.
Anesla Yanne de Araújo Lira, 18 anos, também abriu mão de estudar Farmácia, seu grande objetivo quando terminou o ensino médio, por causa da família. Moradora de João Pessoa (PB), ela não quis ir para Campina Grande, distante 130 quilômetros de casa. “Não é tão longe, mas era diferente. Sempre fui apegada a eles e decidi não ir”, conta. A estudante assumiu então a vaga conquistada na Federal da Paraíba em João Pessoa no curso de Nutrição.
“Fiz um ano e tranquei. Tinha medo de não conseguir e, por isso, nunca tinha tentado, mas meu sonho sempre foi Medicina”, afirma. Depois de dois anos no cursinho, ela já cogita a possibilidade de ficar longe da família. Vai tentar vaga em instituições de Pernambuco e Rio Grande do Norte, além da Paraíba. “Se passar dessa vez eu vou. Já tenho certeza do que quero, aí vale o sacrifício de ficar longe da família”, garante.