Leonardo, Carlos, Paloma e Paola querem jogar futebol profissional quando crescerem. Ingrid prefere a carreira de modelo. Pablo tem planos de entrar na Aeronáutica. Andressa, além de criar a filha de 9 meses, quer ser professora de informática.
Com idade entre 10 e 14 anos, eles estudam na Escola Municipal Monsenhor Rocha, na Vila Cruzeiro, uma das favelas do Complexo do Alemão (zona norte). Estão em uma turma especial de 25 alunos, única na escola: a de realfabetização.
Embora tenham chegado ao 3.º, 4.º e até ao 5.º ano, esses meninos e meninas não sabem ler nem escrever com fluência. Este ano, deixaram as aulas regulares do ensino fundamental e voltaram às primeiras noções da leitura e da escrita. Parece um passo atrás, mas é uma tentativa de fazer com que, alfabetizados, ganhem novo interesse pela escola e não abandonem os estudos.
Em 2012, 7 mil alunos da rede municipal participarão do programa de realfabetização.
As primeiras turmas foram criadas em 2009, quando levantamento da Secretaria Municipal de Educação encontrou 28 mil analfabetos funcionais entre os pouco mais de 200 mil alunos do 4.º ao 6.º ano. Apesar de estarem em séries mais avançadas, eles não conseguiam interpretar textos simples. Mesmo assim, passavam de ano, graças à aprovação automática, agora extinta.
Segundo a secretária de Educação, Cláudia Costin, o índice de analfabetismo funcional do 4.º ao 6.º ano das escolas municipais cariocas caiu de 13,6% em 2009 para 6,5% em novembro. “Conseguimos bons avanços, mas ninguém pode estar sossegado enquanto houver algum analfabeto funcional na rede”, diz.
Além dos 7 mil alunos que estão em turmas especiais, outros 4 mil têm reforço de alfabetização sem deixar as aulas regulares, no programa Nenhuma Criança a Menos, somando 11 mil analfabetos funcionais do 4.º ao 6.º ano da rede municipal.
Professores passaram por capacitação específica para o trabalho de realfabetização. Como os alunos são mais velhos, o método é diferente, menos infantil do que o aplicado nas crianças de 6 ou 7 anos que aprendem a ler e escrever pela primeira vez.
As aulas são concentradas em alfabetização e matemática, além de educação física, artes, informática e inglês. Temas de geografia, história e ciências são trabalhados nos textos da alfabetização, mas não como disciplinas independentes. “É como um paciente na UTI. Você praticamente para tudo e concentra no que é essencial”, compara Cláudia.
Os “realfabetizadores” estão no meio do caminho entre a alfabetização dos pequenos e as turmas de jovens e adultos, que em geral estudam à noite e buscaram o curso por iniciativa própria. Além de ter de se familiarizar com novas técnicas de ensino, esses docentes lidam com turmas em que grande parte dos alunos tem baixa autoestima, duvida da própria capacidade de aprender, é dispersa e indisciplinada.
Na sala. Na lousa, Rosilene Lopes de Melo Cunha, professora de realfabetização da escola Monsenhor Rocha, escreve o poema A Casa, de Vinícius de Moraes. Todos copiam. Depois, escrevem palavras iniciadas com ‘c’, recordam noções como a letra maiúscula e conferem o número de letras e de sílabas de cada palavra.
“Em tudo que a gente ensina, há uma ligação direta com o cotidiano deles. Procuro mostrar a importância de saber ler e escrever para fazer qualquer tipo de trabalho, pegar o ônibus, entrar na internet, ter a profissão que eles querem”, diz Rosilene.
Para um leigo que observa uma aula da realfabetização, parece missão impossível. Mas Rosilene é otimista. “Pensei que fosse pior. Eles têm muitas dificuldades, mas são articulados, têm boa coordenação. São agitados, mas aceitam quando eu corrijo uma palavra, escrevem de novo, mostram o caderno. Eu estimulo muito, senão eles desistem.”