Nova edição de livro sobre o nigeriano Wole Soyinka mostra escritor que sempre rejeitou estereótipos e a vitimização dos africanos
Em 1960, o escritor e dramaturgo Wole Soyinka venceu um concurso de textos teatrais que integrava as comemorações da independência da Nigéria, até então uma das colônias britânicas na África Ocidental. Mas não parece que os julgadores tenham conseguido captar o significado mais profundo de uma produção que propunha uma autocrítica da história africana como etapa para a verdadeira independência.
Primeiro africano e primeiro negro a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1986, Soyinka rejeitou, desde o início de sua carreira, qualquer forma de nacionalismo exacerbado em termos políticos ou literários. Isso se reflete, segundo a professora Eliana Lourenço de Lima Reis, da Faculdade de Letras da UFMG, “em sua opção por uma ‘africanidade’ estratégica e pelo ecletismo que caracteriza toda sua obra”.
O autor é tema do livro Pós-colonialismo, identidade e mestiçagem cultural: a literatura de Wole Soyinka, de Eliana Lourenço, publicado originalmente em 1999 pela Relume-Dumará e que acaba de ganhar nova edição pela Editora UFMG. A publicação coincide com a vinda do dramaturgo, em meados de maio, para o lançamento de sua primeira obra publicada no Brasil, a peça O leão e a joia.
O autor sempre recusou a ênfase numa noção de identidade africana “genuína”. Para ele, se o Ocidente sempre se inspirou na arte africana e oriental, não há razão para que os artistas da África deixem de usar fontes diversas. “Soyinka costuma dizer que o movimento em favor da negritude simplificou muito as coisas, explorando uma oposição entre brancos, caracterizados pela razão, e negros, marcados pela emoção. Ele rejeita com veemência esse tipo de estereótipo fácil”, afirma Eliana, que inclui na nova edição uma entrevista com o escritor nigeriano.
Soyinka não se furta a criticar os colonizadores, de acordo com Eliana Lourenço, mas nem de longe concentra suas baterias nos impactos do choque de civilizações sobre os africanos. Sempre disse que repetir essa ideia seria dar importância exagerada aos europeus. “Ele preferiu abordar o problema do poder, questionando o estilo dos novos governantes africanos, a corrupção e o impulso ditatorial”, explica Eliana, pós-doutora em literatura comparada pela Universidade de Duke, nos Estados Unidos.
Prisão e perseguição
Criado em escola de missão anglicana, em ambiente relativamente protegido – o que ajuda a explicar o fato de não ter desenvolvido rancor explícito pelo colonizador –, Soyinka teve bastante contato também com a cultura iorubá, de sua família. Chegou a ficar preso por dois anos quando tentou interceder no conflito sobre a separação da região da Biafra, entre 1967 e 1969. No início da década de 1990, vítima de perseguição, foi obrigado a deixar a Nigéria, e até pouco tempo atrás viveu no exterior, principalmente nos Estados Unidos, onde atuou em várias universidades.
Wole Soyinka está diretamente envolvido na política de seu país nos últimos anos, de acordo com Eliana Lourenço, como ativista e como artista. Várias de suas peças têm base ritual e se valem de elementos da mitologia, de cantos e da poesia iorubá. “Ele criou uma teorização da tragédia em que alia ideias de Nietzsche ao mito de Ogum, e pôs isso em prática numa adaptação de As bacantes, de Eurípedes”, conta a pesquisadora.
Autor de cinco volumes de memórias, em que reúne trajetória pessoal e familiar – o pai integrou a primeira geração de africanos preparada para trabalhar no ensino colonial – à militância, Wole Soyinka tem atuação política que se estende por toda a África. “Ao discursar na cerimônia de entrega do Nobel, ele deixou de lado o apelo tradicional a dados biográficos e influências estéticas para pedir providências do mundo contra a discriminação dos negros na África do Sul. Justificou que era uma oportunidade de ouro, que ele não podia perder”, conta Eliana Lourenço.
Pós-colonialismo, identidade e mestiçagem cultural: a literatura de Wole Soyinka
Eliana Lourenço de Lima Reis
Área: Literatura africana | História
Coleção: Humanitas
Apoio: Pós-Lit / UFMG
2011. 302 p. ISBN: 978-85-7041-903-3
Preço: R$ 41,00
Itamar Rigueira Jr.(Boletim UFMG)
Literatura e Revolução
Izabel Margato, Renato Cordeiro Gomes (organizadores)
Área: Literatura | História
Coleção: Humanitas
2012. 224 p. ISBN: 978-85-7041-935-4
Dimensão: 22,40 x 15,50
Peso: 340 gramas
Preço: R$48,00
Este livro reúne textos que buscam abarcar novas dimensões dialógicas capazes de estimular reflexões produtivas acerca do lugar da revolução na cena intelectual do século XX. As formulações críticas e teóricas aqui reunidas privilegiam os modos de pensar e de promover a literatura como parte de processos revolucionários voltados para a valorização da heterogeneidade em meio à massificação. As relações entre a experiência estética contemporânea e as tarefas éticas e políticas da arte são tópicos fundamentais nesta obra. Assim, a revolução surge, principalmente, no olhar atento sobre a marca da escrita, sobre a precisa beleza da palavra que se ¬ fixa e que se impõe lentamente almejando a libertação de sentidos prévios.
Orelha:
No prefácio ao Anjo ancorado, de José Cardoso Pires, o escritor Mário Dionísio recupera a relação entre literatura e revolução através do seguinte diálogo: “Escrever é lutar? Pois é. E sempre foi.” Com essa a¬ afirmação, Mário Dionísio aproxima as duas práticas, descartando a necessidade, às vezes imperativa, de situá-las em campos diferentes e opostos: de um lado, a literatura politicamente interventiva ou, de outro, a sua exclusão da cidade dos homens. O conjunto de textos que compõe este livro retoma e desenvolve o problema aqui anunciado. A multiplicidade de enfoques dada ao tema aglutinador deu origem a abordagens diferenciadas que ora evidenciam revoluções específicas, como a Revolução dos Cravos, ocorrida no dia 25 de abril de 1974, ora recuperam teoricamente o tema proposto, com ensaios que desenvolvem a ideia de literatura e de revolução, e ora que trabalham a escrita literária como uma forma particular de revolução. O arco espaçotemporal também vem contemplado em textos que, sem se afastar do tópico literatura e revolução, focalizam momentos que o antecedem – como o movimento neorealista, que, durante décadas, produziu uma arte revolucionária e de barragem ao Estado Novo português –, ou que sucedem à movimentação revolucionária. Muitos desses textos atualizam antigas expressões de utopias, excessos, desencantos e realizações (ALEXANDRE MONTAURY).
Danielle Menezes
Jornalista – Editora UFMG