Professora do Ético Sistema de Ensino questiona correção das redações e cálculo das notas
Desde as modificações sofridas em 2009, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já revelou fragilidades e erros operacionais e técnicos. Foram falhas em logística e segurança, baixa quantidade de itens no Banco Nacional de Itens (BNI) e, nesta última edição, problemas de correção na redação, com discrepâncias inaceitáveis.
Em recente entrevista, o coordenador de provas práticas do Cespe/Universidade de Brasília, Luiz Mário Couto, informou que a instituição “contratou 3.000 avaliadores para a correção das provas de redação e 160 supervisores. Os valores pagos em relação à produção foram, em média, de R$ 5.000 para cada corretor, que avaliou cerca de 3.000 redações. E os supervisores, que funcionam como terceiro corretor, caso haja discrepância nas notas, receberam R$ 6.000, por 30 dias trabalhados. Os corretores excluídos (recebem diariamente uma nota por seu trabalho; se não mantiverem a média 8, podem ser excluídos do processo) não foram substituídos. E as redações foram redistribuídas para os corretores remanescentes. Não houve desistência de supervisores”.
Esta última frase contraria a declaração de um corretor do Enem, que, também em entrevista, revelou desistência de supervisor por conta do aumento de trabalho sem o correspondente aumento de pagamento.
Em seu desabafo, o corretor não só confirmou o valor fixo total pago pelas correções como explicou o processo de correção. Ele recebia “diariamente 100 redações pela internet” e “gastava de 2 minutos e meio a 3 minutos por redação, de 2 horas e meia a 3 horas por dia para corrigir as redações”. E mais: que o “nível de exigência é menor do que o que se cobra normalmente nos colégios dos grandes centros urbanos”; e que os corretores foram “instruídos pelo Cespe a dar notas 900 ou 1.000 em redações que valiam 600”.
Fazendo as contas: um corretor recebe R$ 5.000 para avaliar 3.000 redações, obtendo-se o valor pífio de R$ 1,66 por texto corrigido. Em situação normal e diária de muitos professores de português, tem-se uma média máxima de dez redações corrigidas por hora (seis minutos cada uma). Se, diariamente, ele receber 100 redações, vai precisar de dez horas (!) para terminar esse trabalho, incluindo sábados e domingos, até conseguir corrigir 3.000 durante os 30 dias (sem contar os outros textos de corretores excluídos ou desistentes).
Para quem tem experiência em correção de texto, uma pergunta que não cala: como alguém consegue, em 2 minutos e meio ou 3 minutos, avaliar uma redação – que, diga-se de passagem, vale muito no Enem –, por mais que os critérios sejam objetivos e não haja necessidade de comentários. Por mais que o corretor seja experiente, integrante de bancas de vestibulares consagrados?
Todas essas informações nos dão a certeza de que o Enem precisa, urgentemente, de mudanças sérias e objetivas.
O Inep, órgão do MEC responsável pelo Enem, acena para a composição de uma banca de três especialistas para avaliar as redações com discrepância superior a 300 pontos (que já chegou a ser de 500). Essa medida será suficiente? Não seria o caso de os critérios de correção também serem avaliados? Por que não ter mais corretores ou dar mais tempo para que as correções sejam feitas com o cuidado necessário? Os pontos da redação devem se juntar aos da prova objetiva na média aritmética?
A confiabilidade e o respeito que um exame dessa natureza e magnitude merece dependem de muitos fatores. Por isso as mudanças não devem ocorrer somente em redação, mas também na prova objetiva, com uma apurada revisão dos conteúdos e das habilidades das matrizes e questões coerentes com esses quesitos, em grau de complexidade e dificuldade.
A verdade é que o Enem está transformando, a cada edição, a mentalidade de muitos professores e alunos, indicando uma nova forma de ensinar e aprender. É preciso que as falhas do exame sejam corrigidas e que os critérios sejam aprimorados. A concepção de avaliação do Enem é crível, consistente. Por isso é importante que ele dê certo.
Roseli Aparecida de Sousa é graduada em Letras, professora de língua portuguesa e assessora pedagógica do Ético Sistema de Ensino, da Editora Saraiva