A universidade e a formação de professores: uma discussão necessária

Há entre os principais agentes que atuam no campo educacional brasileiro, seja no âmbito das políticas, das organizações sociais ou das pesquisas acadêmicas, certo consenso de que a elevação da qualidade da educação no Brasil depende de uma série de fatores interdependentes. Ela estaria condicionada a uma atuação articulada das diversas instâncias governamentais no aperfeiçoamento das estruturas das escolas – desde as cantinas até as bibliotecas –, das carreiras e dos salários, da gestão dos sistemas e das unidades escolares, da formação de professores, e, para não alongar muito a lista, na melhoria das condições de vida das famílias e das crianças e jovens atendidos pelas escolas.

 

Somente na forma de bravata ou de pirotecnia governamental é que se afirma que a atuação em qualquer um desses aspectos acima apontados, de maneira isolada, traria uma melhoria substantiva da educação no Brasil. Infelizmente é isso que ocorre, muitas vezes, quando se discute a questão da formação de professores. Não são poucos aqueles que afirmam que a má formação docente seria a principal responsável pela baixa qualidade da escola pública, derivando daí proposições das mais diferentes para resolver o problema, desde as que defendem o fechamento dos atuais cursos de formação de professores até aquelas que sugerem diversas formas de expansão dos cursos já existentes.

 

A crença na centralidade da formação de professores e em algumas proposições apresentadas acaba por impedir o debate equilibrado dos problemas que afetam a formação docente e de possíveis soluções. Este é, a meu ver, o caso da atuação das universidades na formação de professores. Existe, aqui, uma série de mal-entendidos e um problema estrutural de difícil solução.

 

Há muito tempo critica-se a atuação das universidades na formação de profissionais para a escola básica no Brasil. Na última década houve uma intensificação desta crítica à qual estaria associada, também, a maior importância conferida à pós-graduação na comparação com a graduação, nível em que esses profissionais de ensino, via de regra, são formados. A isso se somaria o maior investimento dos departamentos universitários na preparação de pesquisadores em detrimento da formação de professores.

 

Diante deste diagnóstico, que em linhas gerais se mostra verdadeiro, muitos dos agentes que tratam publicamente desses problemas se posicionam como se uma mudança desse cenário dependesse, por um lado, das vontades individuais dos professores universitários, e, por outro, de reformas e adaptações curriculares dos cursos de formação. Parece-me que o problema é mais sério, assumindo um viés estrutural.

 

Na definição constitucional, as universidades devem desenvolver o ensino, a pesquisa e a extensão. No entanto, estruturalmente, as universidades brasileiras estão organizadas para produzir pesquisas e conhecimentos novos, não para a formação profissional que se dá, sobretudo, no âmbito da graduação. Isto não quer dizer que elas não realizam as outras dimensões, mas estas disputam tempo, sensibilidade e a competência dos professores/pesquisadores que atuam nessas instituições.

 

Sabe-se que boa parte da pesquisa brasileira é realizada na universidade. No entanto, há uma grande censura aos professores dessas instituições por darem mais atenção à pós-graduação e à pesquisa do que à graduação. E se ocorresse o contrário? Será que se tais pesquisadores se dedicassem com o mesmo afinco à graduação conseguiriam competir com seus pares que não assumem tal responsabilidade em boa parte do mundo?

 

Trabalhando em instituições voltadas para a pesquisa, o ensino e a extensão, os professores universitários compartilham uma cultura acadêmica em que os modos de consagração são, todos eles, referentes ao campo científico-acadêmico. Ou seja, os critérios de reconhecimento da excelência acadêmica dizem respeito, quase todos, à pesquisa, à produção de conhecimento novo e à formação de pesquisadores. São esses critérios que, de certa forma, moldam a competência e as sensibilidades desses professores.

 

Ora, muitas vezes, a formação de professores requer profissionais de competência e sensibilidade muito distintas das dos pesquisadores. Um pesquisador, por exemplo, tem que ser talhado para a competição com seus pares; o formador, em contrapartida, em boa parte das vezes, precisa ter uma atuação oposta. O pesquisador é ávido pelo desconhecido; o professor tem que ter a paciência e a disponibilidade para ensinar a outrem aquilo que já se sabe de antemão. Por isso, nem sempre os melhores pesquisadores são os melhores professores.

 

Além desses aspectos relacionados às disposições mentais e pessoais das funções de pesquisa e ensino, a atuação na formação de bons professores exige dos formadores o desenvolvimento de situações de ensino-aprendizado que levem em conta, já na instituição de formação, a realidade da escola em que o futuro professor atuará. Isto significa não apenas conhecer a realidade educacional pelo estudo sistemático daquilo que se produz sobre ela, mas também se importar com a sorte dos alunos e das famílias que chegam cotidianamente à escola brasileira.

 

Se tal quadro é minimamente verdadeiro, de pouco adianta esperarmos que a solução venha da boa vontade dos pesquisadores ou de bem-intencionadas reformas dos currículos de formação. Os tempos, as sensibilidades e as competências exigidas pelas duas atividades são tão distintos que os resultados alcançados por aqueles quem vêm tentando juntar as duas coisas têm sido o desastre ou o adoecimento. Não está na hora de buscarmos outros arranjos institucionais e, portanto, outros resultados na formação de professores em instituições superiores de ensino público no Brasil?

*Luciano Mendes de Faria FilhoProfessor da Faculdade de Educação e coordenador do Projeto Pensar a Educação Pensar o Brasil – 1822/2022

Fonte: Boletim UFMG nº 1.772 – Ano 38 – 23 de abril de 2012