Corte no ministério: R$ 1,5 bi. Orçamento do Ciência sem Fronteiras: R$ 3,2 bi. É muito mais do que qualquer país já colocou em bolsas no exterior
No mesmo momento em que a administração federal cortava em 23% (R$ 1,5 bilhões) o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, era aprovado um programa de bolsas para o exterior, denominado Ciência sem Fronteiras, de R$ 3,2 bilhões.
Não é só o maior programa com recursos públicos do mundo. É, certamente, maior que todos os demais, de todos os outros países juntos.
O também gigantesco programa de bolsas para o exterior da China, igualmente para 100 mil estudantes (denominado “100.000 Strong”), é inteiramente custeado por recursos privados, enquanto o brasileiro é mantido em 75% de seus custos por verba pública federal.
Dos 700 mil estudantes estrangeiros em escolas e universidades americanas, apenas 4,6% são sustentados com recurso público de seus respectivos países.
Simultaneamente, o governo injeta uma verba adicional de R$ 6 bilhões na Finep, aparentemente para apoiar indústrias inovadoras e, especialmente, aquelas que atuam em áreas relevantes para o “pré-sal”.
Somados esses dois programas, temos um valor seis vezes maior do que o corte do Ministério da Ciência e Tecnologia. Podemos, pois, concluir que não foi por falta de recursos financeiros que houve o corte do orçamento do MCT -que, aliás, foi de 23%, enquanto a média nacional foi de pouco mais que 4%.
O que é que poderia ser depreendido dessa incongruência?
Será que a nova administração do Ministério do Planejamento julgou que os dispêndios no Brasil em ciência e tecnologia eram excessivos?
O bom-senso diria que não, pois o Brasil ainda dedica a essa área, percentualmente, menos do que um terço do dedicado pelos países desenvolvidos e emergentes, em média, em relação ao PIB.
Tem sido, ademais, com a finalidade de corrigir esse perverso atraso que o governo brasileiro, nos últimos tempos, vem aumentando o orçamento do MCT em 5% ao ano, acima da inflação.
No ano passado, ele já tinha feito um corte de cerca de 10%, que terá sido corrigido neste ano. Com o novo corte, o atraso se aprofunda de maneira irreversível, pois para retornar à projeção de composição orçamentária anterior seria necessário um aumento de 35% do orçamento do MCT para 2013.
Um país destituído de ciência e tecnologia não tem futuro. Temos de continuar procurando as razões para tão violento e aparentemente incongruente corte no orçamento do MCT, mesmo porque quem propôs esse orçamento foi o bem-sucedido ministro Aloizio Mercadante.
Uma outra hipótese seria que, aflita com o recente retrocesso do PIB industrial brasileiro, a administração federal tivesse voltado a sua atenção para a ciência aplicada -ou melhor, para a tecnologia. Parece inconcebível, porém, que alguém acredite ser possível realizar ciência aplicada sem ciência básica.
Por outro lado, seria um erro ainda maior desviar recursos, tanto do louvável programa de apoio à inovação (Finep) quanto daquele denominado Ciência sem Fronteiras -embora o segundo necessite de alguns ajustes, como uma ampliação do número e dos valores das bolsas para cientistas estrangeiros que viessem para o Brasil e a concentração em programas de pós-doutorado e pós-graduação no exterior.
A perplexidade ante o corte de 23% no orçamento do MCT aumenta quando observamos as inequívocas demonstrações de reconhecimento da importância de pesquisa e desenvolvimento, tanto da presidente Dilma Rousseff quanto do ex-presidente Lula.
Corrigir equívocos não apouca ninguém, só pode engrandecer.
ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 80, físico, é professor emérito da Unicamp, pesquisador emérito do CNPq e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha