Um país soberano, avançado nas artes, nas ciências e na tecnologia, depende diretamente da qualidade de sua educação. E a qualidade da educação nutre-se principalmente da qualidade de seus professores. Se a preocupação com sua formação for insistentemente relegada a segundo plano, a baixa qualidade se traduzirá em obstáculo ao desenvolvimento da sociedade, pondo em risco os grandes projetos nacionais. Esta é hoje a situação do Brasil que, no tocante à formação dos seus professores, enfrenta uma tríplice crise: uma crise de quantidade, uma crise de qualidade e uma crise sistêmica. Apesar dos recentes esforços em âmbito federal, essas crises se agravam e ameaçam desestabilizar a imagem de futuro preconizada nos grandes projetos nacionais para as próximas décadas.
A crise de quantidade manifesta-se em todas as disciplinas da educação básica e em todas as regiões do país. Para registro: não há uma única disciplina em que o número de professores com formação específica (por exemplo, professor de matemática formado em matemática) seja igual ou superior à demanda. Em algumas disciplinas, a crise de quantidade é especialmente grave. Em física, por exemplo, o país forma cerca de 1.900 professores/ano. A demanda atual é de cerca de 60.000. Esta situação, idêntica à da química, da sociologia e da filosofia, ridiculariza o projeto de futuro para o país.
O improviso de professores responde em boa parte pela crise de qualidade identificada nos exames de avaliação de rendimento acadêmico (Prova Brasil, Enem, Pisa etc.). A crise de qualidade, no entanto, pode estar associada a outros fatores, entre eles, os altos índices de evasão dos licenciados; as licenciaturas com cara de bacharelados; o apartheid que distancia a universidade da escola; os ambientes de aprendizagem inadequados; e o fato de as instituições privadas, que formam cerca de 70% dos professores do país, serem elas próprias consideradas, muitas vezes, de baixa qualidade.
Determinado a alterar este quadro, o MEC mobilizou grandes esforços no sentido de promover a formação de professores em quantidade suficiente e qualidade adequada. O principal programa neste contexto é o Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica (Parfor), envolvendo oferecimento de primeira e segunda licenciaturas, formação pedagógica aos não licenciados em exercício na rede pública, cursos de especialização e mestrado. As chances de êxito, no entanto, esbarram na crise sistêmica que envolve toda a educação brasileira.
Os dados do Censo da Educação Superior (ES) de 2010 revelam, por exemplo, que, embora o número de concluintes bacharéis e tecnólogos tenha crescido nos últimos anos, o mesmo não pode ser dito dos licenciados, cujo número vem decrescendo. Pior: mesmo as matrículas nas licenciaturas vêm diminuindo, passando de 1.248.402 em 2005 para apenas 928.748 em 2010. É evidente que, com essa tendência, o número de concluintes dificilmente crescerá, a menos que ações mais focadas sejam empreendidas pelo Governo Federal em articulada e profunda sintonia com os estados e municípios.
Ações importantes vêm sendo tomadas por parte do Governo Federal (piso salarial nacional, Parfor, Pibid, Prodocência, Ideb etc.), mas os números mostram que nada disso tem sido suficiente para de fato mobilizar os agentes. Todas as ações federais esbarram em resistências aqui e ali: o piso é contestado por quem contrata, nomeia e paga os salários (estados e municípios); o Parfor oferece grande número de vagas aos professores da rede pública e poucas delas são preenchidas, pois estados e municípios resistem em liberar os seus professores para estudar, por uma razão simples: isso significa mais contratações e mais despesas; o Pibid, que investe milhões nas IF ES e IES comunitárias, para criar oportunidades de estágio aos licenciandos, depara-se com gestores que consideram o estágio um transtorno no funcionamento das escolas, com secretários de educação que querem distância das universidades e com licenciaturas que dão as costas à escola. O resultado de tudo isso é que temos conseguido fazer pouco para melhorar a atratividade da profissão de professor, para estimular a procura pelas licenciaturas e enfrentar como deveríamos as crises de qualidade e quantidade de professores para a educação básica.
Cinco das metas propostas no novo PNE parecem ser a luz no fim do túnel: (1) aumento da taxa de escolarização líquida no ensino médio para 85% (hoje está em 50%); (2) educação em tempo integral em 50% das escolas públicas de educação básica; (3) garantia de que todos os professores da educação básica possuam formação específica, obtida em cursos de licenciatura na área de conhecimento em que atuam; (4) formação de 50% dos professores da educação básica em nível de pós-graduação lato e stricto sensu; e (5) aproximação do rendimento médio do profissional do magistério ao dos demais profissionais com escolaridade equivalente.
É gratificante constatar que o MEC vem capitaneando essas propostas, pois os seus esforços até aqui empreendidos, embora significativos, são insuficientes e precisam ser repensados e trazidos para um novo conjunto de ações derivadas das boas metas do novo PNE. Só assim será possível chamar a atenção da comunidade acadêmica e da sociedade para as urgências e emergências da educação básica brasileira. Ou o Brasil resolve sua crise sistêmica e passa a integrar de fato todos os seus agentes em torno de relações menos frouxas e ações menos erráticas, ou a situação da formação de professores continuará a piorar.
* Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração Universitária da UFSC
Este texto é uma contribuição do autor ao projeto Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior (GEA-ES), realizado pela FLACSO-Brasil com apoio da Fundação Ford.
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