A USP deve adotar eleições diretas para reitor?

Leia os artigos com opiniões distintas sobre eleições da USP  publicados no jornal Folha de São Paulo

Universidade não é nem deve ser democrática 

Marcos Fernandes G. da Silva – Folha de São Paulo

A atual ocupação da reitoria da Universidade de São Paulo (USP), por parte de alguns alunos e funcionários, além de arranhar sua natureza pública, levanta algumas questões sobre a improcedência da reivindicação dos invasores: eleição direta para reitor e questionamento da escolha do mesmo pela lista tríplice, por parte do governador.

O sindicato dos trabalhadores da USP apoiou a ocupação da reitoria. Em texto, afirmou que considerava “total desrespeito a decisão do Conselho Universitário aos anseios e à luta dos estudantes, funcionários e professores por democratização na Universidade de São Paulo “.

A universidade não é nem deve ser democrática no que tange sua administração financeira e de recursos humanos e na gestão acadêmica. A democracia deve existir na garantia da liberdade intelectual e no debate científico, mas, neste caso, a palavra –que se refere a um tipo de regime político– deve ser substituída por “crítica intersubjetiva”, conceito que Karl Popper criou para explicar a natureza provisória do conhecimento científico, que somente progride com liberdade e discussão.

Mas a eleição direta para reitor é refutável por razões bem mais simples. Em primeiro lugar –e chega a ser acintoso o tom da nota do sindicato–, a USP é como uma empresa e funcionário trabalha para os alunos e professores produzirem conhecimento e ensino.

Em segundo lugar, aluno não vota, mas estuda e pesquisa. Ainda mais numa universidade pública, cuja gratuidade tem características regressivas e de injustiça social.

Do ponto de vista da administração, a universidade é uma empresa, portanto, não há democracia. Da mesma forma, a gestão acadêmica não é democrática, mas meritocrática. A meritocracia é um sistema administrativo em que o mérito conduz ao topo: os mais educados, a elite, governa.

Quem sabe ensinar e pesquisar, que ao fim e ao cabo fica e faz sua carreira na universidade, é o professor. Funcionários podem até fazer a carreira nela, mas os alunos chegam, se formam e vão embora. Deveriam sim voltar e ajudar a universidade, fazendo doações, participando de conselhos de administração, algo tão raro Brasil.

Por outro lado, vamos aos fatos: entre as 30 melhores universidades do mundo, por qualquer ranking respeitável, nenhuma tem eleição direta para reitores. Para citar algumas, Oxford, Cambridge, Amsterdã, Harvard, Stanford, Autônoma de Barcelona e o mexicano Instituto Técnico de Monterrrey.

A universidade brasileira está em crise, fora alguns poucos centros de excelência em exatas, biológicas, matemática, engenharias e ciências sociais aplicadas (levadas a sério, como ciência dura, “hard science”).

Por que, então, essa discussão tresloucada? Por que não protestar, chamando a imprensa, por exemplo, e exigir que se cumpram metas de colocar a universidade brasileira no topo das avaliações globais.

Por outro lado, quem tem mandato para escolher o reitor, em última instância, é o governador. Aí sim a democracia tem que existir e ser respeitada, pois tal ato é intrinsecamente legítimo.

A USP é um patrimônio paulista, financiada regressivamente, com recursos arrecadados dos cidadãos de São Paulo. Não bastasse tal fato, o seu gasto em educação também é regressivo.

Mas é nossa única universidade bem posicionada nas avaliações internacionais e merece reformas, mas não essas propostas.

Que tal debater o fim da gratuidade, socialmente injusta?

MARCOS FERNANDES G. DA SILVA, 50, economista, doutor pela Faculdade de Economia e Administração da USP, é pesquisador na Fundação Getulio Vargas

 

Diretas já 

Pedro Serrano, Arielli Tavares e Luísa D’Ávola – Folha de São Paulo

No dia 1º de outubro, os estudantes da USP entraram em greve e ocuparam o prédio da reitoria exigindo democracia e eleições diretas para reitor. Hoje, mais da metade dos cursos já aderiu às manifestações.

As pautas estudantis encontram apoio na sociedade. A Justiça reconheceu a legitimidade e o caráter político de nosso movimento, indeferindo o pedido de reintegração de posse do prédio da reitoria.

Este é o momento de a USP ter eleições diretas. Há 25 anos, nosso país se redemocratizou. É inadmissível que sua maior e melhor universidade continue com um estatuto que tem resquícios daquele vigente no regime de exceção.

A estrutura de poder da USP está entre as mais antidemocráticas do Brasil, desrespeitando, inclusive, a legislação federal no que se refere à eleição de dirigentes.

Entre 120 mil membros da comunidade universitária, nem sequer 2% têm direito a voto no primeiro turno das eleições. No segundo turno, votam 0,4%. Ao final, como se sabe, é o governador do Estado de São Paulo quem nomeia o reitor.

Pois até mesmo João Grandino Rodas, o atual titular do cargo, foi obrigado a reconhecer esse absurdo. Em julho, o reitor escreveu uma carta aberta à universidade em que se dizia disposto a democratizar a USP. Entretanto, para ele, a decisão deveria ficar a cargo do Conselho Universitário, que reúne, dos 120 mil uspianos, somente 140 pessoas.

Pelas costas da maioria, em sua reunião de 1º de outubro, o conselho recusou a proposta estudantil de eleições diretas e do fim da lista tríplice. Ainda pior, impediu a participação dos estudantes na sessão, que aconteceu a portas fechadas.

A opção por mudanças cosméticas, como o fim do segundo turno ou a aprovação de uma simples consulta à comunidade, sem validade real, gerou a indignação estudantil hoje em curso.

A eleição direta é o melhor método para escolha do reitor da universidade, uma vez que está intimamente relacionada à qualidade de ensino e de seu caráter público. Além de intrinsecamente democrática, ela garante que decisões estratégicas, como mudanças de grade curricular e contratação de professores, respeitem a experiência de protagonistas da vida acadêmica.

Na USP, a não adoção desse modelo leva a conflitos categóricos no tocante a qual projeto de universidade é levado adiante por seus dirigentes, sem se considerar a opinião da comunidade universitária que a constrói. Não por acaso, a USP ficou conhecida por ter se tornado um espaço de lutas internas intensas em um curto período de tempo.

Rodas (que não foi o mais votado, mas acabou nomeado pelo então governador do PSDB José Serra) é famoso pelo autoritarismo de suas decisões, como quando da invasão da Tropa de Choque da Polícia Militar em 2011. Sua ligação com interesses tucanos é constrangedora, ainda mais num momento de questionamento de Geraldo Alckmin diante do descaso com a educação.

Também o conjunto da sociedade perde com a falta de democracia universitária. A manutenção de um projeto de universidade elitizada e voltada a interesses particulares impede o debate sobre políticas de permanência, acesso e extensão.

A USP pode dar um exemplo de participação direta. Os estudantes querem dialogar e negociar suas pautas. Em contrapartida, esta não tem sido a postura da reitoria. No dia seguinte à ocupação, Rodas não respondeu às reivindicações e pediu a imediata reintegração de posse da reitoria. De modo irresponsável, cortou o fornecimento de água e energia do prédio.

Com essa atitude, tenta escapar da contradição central: por que, entre quase todas universidades públicas do Brasil, somente a USP ainda não possui um sistema de eleição direta? Por que não se inicia, finalmente, um processo de estatuinte livre, soberana e democrática?

A postura intransigente da reitoria apenas faz crescer a mobilização pela democratização da universidade. Os ventos de junho já sopram na USP, e a juventude, novamente, irá protagonizar mudanças históricas.

PEDRO SERRANO, 22, estudante de ciências sociais, ARIELLI TAVARES, 23, e LUÍSA D’ÁVOLA, 25, estudantes de letras, são diretores do Diretório Central dos Estudantes (DCE Livre da USP “” Alexandre Vannucchi Leme)

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