Programa federal empolgou escolas e universidades, mas riscos de atrasos e falhas na distribuição de material preocupam
O maior programa de formação de professores da história do Ministério da Educação tem surpreendido gestores e os próprios docentes envolvidos. O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) está “chacoalhando” a vida dos alfabetizadores do país. A avaliação é dos próprios educadores, que garantem adorar o movimento provocado pelo projeto.
Já acostumados a terem de lidar com inúmeros projetos pintados como “solução” a cada ano ou governo, os alfabetizadores desconfiaram do programa anunciado pelo governo federal em 2012. Acharam que, mais uma vez, teriam de lidar com formatos mirabolantes na teoria e pouco aplicáveis na sala de aula.
“Desde quando escutei as explicações sobre o plano do curso, fiquei impressionada. As expectativas que criamos não foram frustradas até aqui. Tenho 30 anos de profissão e sinto que o pacto está chacoalhando os alfabetizadores mesmo”, afirma Sandra Moreno, professora da Escola Classe Ipê, no Distrito Federal.
A explicação de Sandra sobre o que mudou nesse projeto é repetida também por outros educadores: a teoria está mais adequada à realidade (ou seja, os educadores conseguem visualizar como podem colocar as ideias em prática) e eles se sentem apoiados (porque têm um tutor que também é alfabetizador acompanhando seu trabalho e têm bons materiais).
Sandra diz que as propostas discutidas uma vez por semana, em cursos promovidos pela tutora para replicar a formação da universidade, não querem “inovar” as já numerosas maneiras de alfabetizar. “É para nos amparar. Sempre houve muita teoria e pouco amparo. As orientações de como fazer ficavam por nossa conta. Agora, podemos trocar figurinhas”, diz.
Apesar da aparente simplicidade da medida, a troca de experiências entre professores é um dos processos mais marcantes e “inovadores” do pacto. “Todo mundo fala a mesma língua. Encontramos juntos estratégias para favorecer oaprendizado das crianças. Não estamos mais sozinhos”, comenta Regina Gomes Matiuzzo Bonardi, alfabetizadora do 2º ano da Escola Municipal Theresa Spina Zacchi, de Cabreúva (SP).
Elaine Constant, coordenadora do Pacto na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), acredita que as instituições de ensino também estão aprendendo. “Os professores falam muito da solidão profissional que sentiam. Até então, cada um ficava na sua sala, tentando resolver seus problemas sozinhos”, diz.
A professora universitária, que coordena 50 pessoas que atendem 800 orientadores de estudo, acredita que o pacto criou uma “onda positiva”. Prefeitos e gestores escolares colaboram com o que podem para o funcionamento do programa. No Rio, 92 municípios são atendidos e os tutores vão formar 15.243 professores.
Ela conta que os eventos do pacto são considerados pequenos. Há sempre mais demanda de vagas para professores e estudantes universitários e educadores das redes básicas de ensino. “As pessoas tinham medo de mostrar o que faziam e serem condenadas. O que o pacto propõe é discutir as possibilidades e valorizar a autoria do professor. A mobilização é grande”, garante.
Demanda de outras séries
O Pnaic foi desenhado para atender apenas aos educadores responsáveis pelo ciclo de alfabetização das crianças (1º, 2º e 3º anos do ensino fundamental). Só podem participar das formações esses professores que estejam em exercício nas redes dos municípios que aderiram ao pacto. Os orientadores de estudo ainda têm de ser formados em pedagogia ou licenciatura.
Além das formações que os dois grupos recebem – que têm um formato definido pelo Ministério da Educação e é monitorado virtualmente – os orientadores e os professores recebem bolsas de estudo. Os tutores recebem R$ 765 e os alfabetizadores, R$ 200 por mês. Ao todo, 5.420 municípios estão participando do programa junto com 38 universidades.
Os números imensos – 650 formadores universitários, 318.465 professores alfabetizadores em cursos e investimentos de R$ 3,3 bilhões no programa – ficarão pequenos diante da demanda. Universidades e gestores contam que há uma pressão de educadores de outras séries para participar do processo. “Professores do 9º ano já nos procuraram”, conta Elaine.
No Distrito Federal, houve reuniões na Secretaria de Educação para explicar aos diretores de escolas de outras etapas por que eles não poderiam participar das atividades. Para Kelly Rocha, orientadora de estudos do Pacto no DF, os coordenadores pedagógicos das escolas deveriam participar das atividades. “Ele é uma peça fundamental para nosso trabalho”, afirma.
Em Roraima, a solução encontrada pela coordenadora do pacto na Universidade Federal de Roraima (UFRR) foi criar turmas extras com os interessados. Maria Leogete Joca da Costa conta que 140 municípios do estado são atendidos. “No sistema, há 69 alfabetizadores inscritos. Mas, na realidade, atendemos 140. Mesmo sem bolsa, eles quiseram participar”, diverte-se.
Leogete conta que pede ajuda a prefeitos e secretários para pagarem uma bolsa ou outra para os professores. De todo modo, conseguiu garantir certificados da universidade para todos os participantes. “O processo mexe com o que o docente faz na sala de aula mesmo. Ele entende como aproveitar os materiais, os livros e os jogos com os alunos”, explica.
Por causa de todo o otimismo em relação ao programa, os envolvidos apontam os problemas encontrados no caminho como pontuais. Mas, para que o pacto tenha vida longa como desejam, eles defendem mudanças no processo para eliminar essas dificuldades. A primeira delas é a distribuição do material didático.
Cada sala de aula recebe três acervos de livros (totalizando 75 livros), jogos e os materiais de apoio ao professor. Houve atrasos nessa entrega em muitos municípios. Para que os docentes não começassem as aulas sem material, muitos gestores distribuíram cópias a eles. Caso de Neli Aparecida de Oliveira, diretora de ensino da Secretaria de Cabreúva.
“Esperamos o primeiro mês, depois não podíamos mais esperar. O material só chegou em maio. Mas, como o cantinho de leitura é móvel, fomos nos adaptando para atender todas as salas. Aqui no município, para mim, o pacto chacoalhou o professor empoeirado, que queria se isolar”, pondera.
Além disso, as instituições demandam mais técnicos para ajudá-las a controlar o sistema de monitoramento do programa e menos burocracias para utilizar a verba destinada a custear eventos. Ana Lúcia Guedes Pinto, coordenadora geral do pacto pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acredita que as maiores dificuldades são mesmo de logística.
“O recurso chega, mas é muito engessado”, afirma. A instituição atende a 85 municípios da região e possui 14 turmas de tutores sendo formados. “Houve uma resistência inicial, por conta da concomitância de políticas. Mas o pacto está sendo bem recebido e elogiado. O positivo é que esse programa busca mais interlocução e contato direto com as escolas”, diz.
Romeu Caputo, secretário de Educação Básica do MEC, acredita que as dificuldades de logística são “problemas marginais, mas exigem esforço coletivo”. Segundo ele, a distribuição de livros em todo o país e os processos para controlar o uso do dinheiro para hotéis e passagens são alguns desses desafios.
“Além disso, temos de superar as grandes disparidades regionais. Temos regiões com baixo índice de alfabetização, que não vamos resolver no primeiro ano do pacto. Isso é o começo de anos de investimento, que esperamos que continue nos próximos anos”, avalia Caputo.
Avaliação
No ano que vem, as formações vão incluir matemática também. Depois, será a vez das ciências. A partir do fim do ano também, os alunos serão submetidos a uma avaliação nacional, cujo objetivo é aferir o desenvolvimento e a aprendizagem deles. Neli só se preocupa com o que o governo fará com os resultados.
“Avaliar é importante sim. Mas quando ouvi falar que poderia haver uma premiação, entrei em pânico. Não enxergo esse tipo de proposta com bons olhos”, afirma. A coordenadora do pacto na UFRJ, Elaine Constant, também defende que os possíveis prêmios não estejam vinculados ao desempenho dos estudantes na avaliação. O MEC ainda discute as possibilidades.
O receio das coordenadoras é que, com esse tipo de estratégia, o espírito do pacto se perca. “Esse é o primeiro grande movimento pela alfabetização depois de Paulo Freire. Ele traz uma mudança de perspectiva da educação, porque estamos prestando mais atenção aos primeiros anos, onde começa história da criança”, opina Kátia Franca, coordenadora da Secretaria de Educação do DF.
Priscilla Borges – iG
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