Enem ainda tem ‘muito o que avançar como processo’, diz presidente do Inep

À frente do órgão que cuida do exame mais observado do país, Luiz Cláudio Costa é o 1º a liderar duas edições do Enem desde 2009. Para ele, é hora de aprimorar objetivos

Desde o ano passado, as falhas de logísticas de aplicação e de correção do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) parecem cada vez mais distantes. Para quem lida com o tema mais espinhoso do Ministério da Educação todos os dias, pelo menos, a etapa de provar que o exame pode acontecer sem problemas parece superada.

Mas os desafios impostos por uma prova que é feita para mais de 5 milhões de estudantes se candidatarem às vagas de universidades federais , todos os anos, estão longe do fim. O presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Luiz Cláudio Costa, admite que, apesar das melhorias, ainda é preciso mudar a avaliação.

“A avaliação é muito positiva e, evidentemente, que, como processo, ainda temos muito o que avançar”, reconhece. Para o matemático e professor universitário que deixou o cargo de reitor da Universidade Federal de Viçosa para se tornar secretário no MEC, é preciso pensar, nesse momento, menos nas questões logísticas da prova e mais nas pedagógicas.

Costa se preocupa com o aproveitamento dos resultados do exame pelas escolas (para garantir mais qualidade de ensino) e com o que chama de “legado” do Enem para a educação brasileira: professores mais treinados, currículos mais interessantes. Ele gostaria de ver as escolas brasileiras mais integradas ao trabalho do Inep.

Em entrevista exclusiva ao iG , o presidente do Inep que se tornou o primeiro, desde 2009, a permanecer pelo menos duas edições do Enem à frente do órgão responsável pela produção de dados oficiais educacionais no país e pelas principais avaliações escolares fez um balanço da edição da prova que ocorreu no último fim de semana.

Além disso, Costa contou seus planos para o futuro do órgão, as metas que pretende executar até o ano que vem e quais são os aspectos que ainda o incomodam no Enem, projeto de mais visibilidade do Inep.

Confira os principais trechos da entrevista:

iG: Como foi a última edição do Enem na sua opinião? Acredita que os problemas foram resolvidos e ficaram no passado?

 Luiz Cláudio Costa: Sempre vi o Enem como um processo e todo processo, principalmente em educação, vai se aperfeiçoando. Nós realizamos um diálogo intenso com países que já tinham experiência há mais tempo e isso auxilia. A gente foi dialogando também internamente com as universidades, que têm a experiência no vestibular. O Enem é bom para o Brasil. A gente procurou avançar muito e eu acho que estamos vencendo. Estamos começando a discutir agora mais efetivamente as questões pedagógicas, que eu acho que é o grande objetivo do Enem: esse diálogo efetivo com o ensino médio. A avaliação é muito positiva e, evidentemente, que como processo ainda temos muito o que avançar.

iG: Como se sente sendo o primeiro presidente desde 2009 a permanecer no cargo por duas edições do Enem?

 Costa: Eu acho que não tem ninguém iluminado que faça algo, é um trabalho de equipe que se utiliza das experiências anteriores. Um trabalho feito em conjunto, em parceria. Como um processo, é natural que ele vá avançar. O que eu tenho convicção, independente das dificuldades, é que é um projeto bom para o país, que vale a pena todo esse desafio.

iG: O senhor acredita que, até aqui, o Inep se concentrou mais nos aspectos logísticos do Enem do que nos pedagógicos?

Costa: Eu acho que nós fizemos isso meio que em paralelo. Eu quero dizer da importância do Inep nesse processo como instituição, porque é uma instituição que está, cada vez mais, sendo capaz de pensar e de fazer. Claro que o Enem não é um trabalho do Ministério da Educação e do Inep. É da sociedade brasileira. As instituições de ensino superior têm sido fundamentais nesse processo, têm participado ativamente. Os conselhos eos secretários estaduais de educação têm sido fundamentais para equalizarmos o Enem nesse diálogo que ele faz com o ensino médio. Então, eu acho que pelos desafios nós conseguimos fazer isso em paralelo. Os desafios logísticos são aqueles que mais aparecem. Mas temos feito a elaboração dos itens, a avaliação pedagógica da prova, que é trabalhoso, mas importantíssimo.

iG: A redação foi a mais foi aprimorada pedagogicamente? As mudanças promovidas no ano passado e este ano foram suficientes e eficientes?

Costa: Eu acredito muito em treinamento, em capacitação, em qualificação. Nós ampliamos muito o treinamento dos corretores de redação, o processo de capacitação para elaboração de itens, a capacitação e a qualificação do nosso fiscal, do nosso atendente. Eu entendo que o legado que deixamos para o Brasil é esse: pessoas cada vez mais qualificadas, comprometidas, entendendo o projeto dessa avaliação de longo prazo. Quando assumimos, existiam somente dois corretores e um terceiro que era o juiz, ele arbitrava tudo. E a redação só iria para um terceiro corretor se a diferença fosse superior a 300 pontos. Eu achei que nós precisávamos aprimorar um pouco. Nós reduzimos no primeiro ano para 200 pontos para dar mais tranquilidade ao participante e, além disso, o terceiro corretor não mais decidia, ele era comparado aos outros dois. Ainda criamos a banca. Isso foi fundamental para o processo se aprimorar. Para mim, a modificação mais importante para dar tranquilidade ao participante pedagogicamente, e que foi pouco comentada porque ela foi algo do processo, é a redução da discrepância para 100 pontos. Qualquer discrepância entre dois corretores independentes superiores a 100 pontos vai para o terceiro corretor. Essa medida pedagogicamente é muito mais importante do que as outras duas. Ela que vai, juntamente com o treinamento e a capacitação, dar segurança ao participante, que tem agora dois recursos de ofício. Além disso, criamos a discrepância por cada competência. Isso vai capacitando os corretores e criando um padrão. Estamos apontando para o Brasil o que se espera do egresso do ensino médio.

iG: A redação e as matrizes das outras provas mostram o que se espera do aluno do ensino médio? As matrizes são claras? E qual o papel da prova para formulação dos currículos?

Costa: O desafio de aprimorar a matriz pedagógica é importante. Nós temos discutido muito, procurando avaliar a matriz, discuti-la com especialistas, com o Consed. Mas eu acho que isso hoje está muito claro: o Enem não é uma prova de adivinhação. Nós queremos que o estudante do ensino médio saiba quais as habilidades e competências são cobradas. Ele precisa conhecer. Queremos que, principalmente, as escolas públicas tenham esse conhecimento, possam se apropriar e discutir conosco. Está muito claro o que se espera do estudante nas quatro áreas. Processo que tem de continuar sendo feito.

iG: Os estudantes não entendem quantos pontos fizeram em cada item do Enem por causa da metodologia, a Teoria da Resposta ao Item (TRI). É possível explicar isso melhor?

Costa: É uma questão operacional. Só podemos fazer isso depois das provas estarem todas tabuladas. Nós estamos querendo criar uma calculadora depois da prova e dos resultados, porque só aí tenho os parâmetros de cada item. É um trabalho com quase a mesma complexidade de divulgar a redação. Minha expectativa é de que a gente já tenha isso para o próximo ano bem definido, bem desenhado.

iG: Para além do Enem, como o senhor vê o trabalho do Inep hoje?

Costa: O Enem dá muita visibilidade pela sua importância, mas se observarmos só nesse ano de 2013 vamos fazer quase 20 milhões de avaliações. O Inep é um órgão que tem como missão a educação, além de gerar dados e transformá-los em conhecimento, para que se transforme em política pública. Agora nós estamos reestruturando o instituto, conseguimos mais 140 pessoas. Nós pretendemos já no próximo ano colocar nossos servidores nas melhores universidades do mundo em algumas áreas específicas, conhecendo experiências de fora.

iG: E quais são as metas que o senhor se colocou até o ano que vem?

Costa: Estamos envolvendo ciências no Ideb de forma preliminar nesse ano e, para 2015, esse será um passo importante que faremos. No ensino superior, eu acho que precisamos avançar com alguns indicadores de excelência e precisamos associar mais nossos censos com empregabilidade, o futuro do nosso egresso do ensino superior para verificarmos onde eles estão. O grande desafio que estou discutindo com as pessoas é como melhorar o diálogo com as escolas, especialmente as públicas. Temos que nos deslocar cada vez mais da proposta de ranqueamento que o Inep nunca fez, o MEC nunca fez, mas a sociedade faz, e aprimorar o diálogo com as escolas. O resultado não tem outro objetivo, a avaliação não tem outro objetivo senão dar informações para que a escola, a sociedade, a comunidade, possam fazer intervenções pedagógicas para melhoria de qualidade. Nós queremos que todo o Brasil cresça. A gente está melhorando isso no Enem por escola, no mapa de itens. Quero deixar isso muito bem estabelecido.

iG: Como anda a Prova Nacional da Carreira Docente? Ela está pronta, será aplicada? E a prova que vai avaliar os índices de alfabetização?

Costa: Primeiro, nós trabalhamos muito na matriz da prova docente. Agora, já realizamos o pré-teste e agora esse trabalho está sendo validado, e a partir daí, verificando se precisa de alguma reforma ou não na matriz. Aí temos de começar a fazer a elaboração de itens. É um processo que estava avançado, mas para você fazê-lo com segurança, você precisa cumprir essas etapas. Tendo os itens elaborados e validados, para montar a prova com segurança, leva no mínimo oito meses para se concretizar. A provinha está pronta, na gráfica, será aplicada em novembro, entre 14 e 21 de novembro na maioria das escolas e, por causa da greve, em algumas, será até o dia 28. Os resultados serão conhecidos entre março e abril para que tenhamos tempo de fazer as intervenções.

Priscilla Borges – iG Brasília

 

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