Presidente da sociedade para o progresso da ciência teme que novos projetos tirem dinheiro dos que estão em andamento
Para a bióloga molecular Helena Nader, 66, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) desde 2011, a falta de investimento em ciência ainda é um dos grandes entraves ao desenvolvimento da área.
Segundo ela, falta transparência sobre as origens dos recursos que deverão financiar programas recém-lançados pelo governo, como as Plataformas do Conhecimento e a segunda fase do Ciência sem Fronteiras.
Em entrevista concedida em seu laboratório na Unifesp, Nader faz um balanço sobre a 66º Reunião da SBPC, que terminou no domingo (27) em Rio Branco (AC), e comenta o papel da entidade.
Folha – A senhora poderia fazer um balanço da reunião da SBPC que terminou agora?
Helena Nader – Foi uma das melhores reuniões dos últimos tempos. O que foi impressionante nesta foi a intensa participação. Entre inscritos, palestrantes e convidados havia 6.531 pessoas lá. O representante da EuroScience [espécie de SBPC europeia] ficou impressionado com a participação jovem.
Uma novidade foi o Dia da Família na Ciência, que trouxe muitas famílias de Rio Branco para o evento para participar de atividades científicas e educacionais. Outras novidades foram a SBPC Indígena, com a participação de mais de 350 povos da Colômbia, Peru, Chile e Bolívia e Brasil, e a SBPC Extrativista.
Qual é o papel da SBPC hoje?
Ela continua tendo um papel político importante, justamente porque não tem opção partidária. Após um intenso período de atuação política nos anos 70, 80 e 90, no combate à ditadura, durante a redemocratização, e do impeachment do Collor, a SBPC teve de se reinventar, pois tinha virado um palco mais político que científico.
Nisso veio a opção pela popularização da ciência e os debates em torno do financiamento da atividade científica. Buscamos pautar temas de ciência para o país, onde julgamos que falte um olhar mais crítico. Exemplo disso são as discussões sobre o gás de xisto [nova fonte de energia com impactos ambientais ainda parcialmente desconhecidos] que fizemos nas últimas reuniões. E vamos criar um grupo de trabalho para entender qual é o impacto real das hidrelétricas.
O governo Dilma teve três ministros da Ciência e Tecnologia. Essa descontinuidade atrapalhou a gestão da ciência nesse período?
Houve uma linha de continuidade entre o [Aloizio] Mercadante e o [Marco Antonio] Raupp, com uma estratégia nacional de ciência e tecnologia traçada. Mas nos últimos nove meses de governo mudou-se toda a estrutura do ministério. Isso é uma coisa séria numa estrutura gerencial complicada, que não tem muito dinheiro. Mas nossa preocupação agora é outra.
Qual é?
O governo está lançando agora as Plataformas do Conhecimento [programa para estimular a academia a interagir com empresas]. Plataformas são importantes para o empresariado, mas onde fica a ciência nisso tudo? Queremos a garantia de que não sejam tirados recursos de projetos em andamento para financiar esses novos.
O que a sra. acha do lançamento da fase dois do programa Ciência sem Fronteiras?
Essa é uma oportunidade única para dar uma vivência no exterior para os nosso estudantes, principalmente para os alunos mais pobres. Mas fazer curso de inglês fora, como ocorreu, não é o ideal.
O número de 100 mil bolsas talvez seja exagerado, mas eu não quero julgar por aí. Meu julgamento passa pela resposta à pergunta: da onde virão os recursos? Porque na primeira fase, o que aconteceu foi retirar os pouquíssimos recursos do FNDCT [principal fonte de financiamento da ciência no país] para financiar o programa. Neste momento, eu não estou mais aplaudindo, mas também não estou vaiando.
Há muitos anos, fala-se da falta de dinheiro para a ciência. Isso continua sendo um entrave para a ciência brasileira?
Sim, sem dúvida. Aí também entra a falta de investimento do setor produtivo.
Há uma certa percepção dentro do governo de que a ciência básica não é importante. Levar isso adiante seria o maior erro do Brasil. Sei que o ministro Clélio Campolina [da Ciência, Tecnologia e Inovação] está tentando reverter esse pensamento, mas Brasília não é o ministro.
Qual é o impacto da extinção do Fundo do Petróleo, que era parte do FNDCT?
Na nova lei dos royalties, 50% do Fundo Social irão para educação e saúde. Os outros 50% ainda não estão definidos. A SBPC está lutando para que uma fatia desse dinheiro seja destinado para ciência e tecnologia. O problema é que esse dinheiro só vai estar disponível em 2018, mas o fundo do petróleo deixou de existir neste ano. Portanto, o impacto disso no curto prazo é dramático. A casa do cientista vai ficar arrombada.
O que a senhora acha de rankings universitários?
Acho que esses rankings são piada. Eu vejo mais interesses comerciais. Olhar as universidades como um todo é complicado, elas têm ilhas de excelência. Acho que elas têm de ter metas. Cada uma deveria dizer quais são suas área prioritárias. Não existe isso de ser bom em tudo.
Fernando Tadeu Moraes – Folha de S. Paulo
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