A CGU e as falhas do Pronatec

Entre 2013 e 2014, o governo federal transferiu mais de R$ 4,5 bilhões para as instituições de ensino que oferecem cursos vinculados ao Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), sem exigir que elas prestassem contas ao Ministério da Educação (MEC). O problema foi detectado no Bolsa Formação – o braço do Pronatec que financia cursos de ensino técnico e de qualificação profissional – pelos auditores da Controladoria-Geral da União (CGU).

Eles também informaram que o MEC deixou de cumprir 11 recomendações feitas pelo órgão ao Pronatec, das quais 8 afetam diretamente o Bolsa Formação. Apontaram falhas na execução do programa, chamando a atenção para a falta de controle mais rigoroso da aplicação dos recursos pelas instituições de ensino. Afirmaram que os critérios para o cálculo do custo dos cursos por elas estabelecidos são “inconsistentes” e que os contratos de financiamento não contêm cláusulas que detalhem metas, prazos e garantias, exigindo apenas termo de adesão ou de colaboração. Disseram que o governo não adotou mecanismos que permitam avaliar a qualidade dos cursos, que têm duração média de dois anos. E ainda observaram que o sistema de gestão do Pronatec não é capaz de aferir o número de alunos matriculados que se formaram efetivamente, o que acaba permitindo pagamentos indevidos às instituições de ensino.

O relatório da CGU foi concluído em agosto – ou seja, um mês depois de a presidente Dilma Rousseff, alertada por assessores de marketing político da necessidade de bandeiras fortes na área da educação, na campanha eleitoral, ter anunciado uma nova versão para o programa, chamando-o de Pronatec 2.0. Isso revela que as críticas da CGU já eram suficientemente conhecidas pelo MEC, quando o Pronatec 2.0 foi lançado em julho, com o indisfarçável objetivo de atrair o eleitorado jovem.

Por isso, as metas do Pronatec 2.0 são ambiciosas. Elas preveem a abertura de 12 milhões de novas vagas em 220 cursos técnicos e em 646 cursos de qualificação, entre 2015 e 2018, a um custo estimado de R$ 14 bilhões. Entre 2011 – quando foi lançado – e 2014, o Pronatec realizou, a um custo de R$ 6,2 bilhões, 7,4 milhões de matrículas em institutos federais, escolas técnicas vinculadas a universidades federais, a redes públicas estaduais e a centros de formação administrados por entidades empresariais. Nesses quatro anos, essa rede de institutos e de escolas técnicas cresceu de forma desordenada, sem professores em número suficiente e, em vários Estados, sem condições mínimas de funcionamento.

Como, no início da campanha eleitoral, o candidato Aécio Neves prometeu dar prioridade ao ensino técnico, o governo “repaginou” às pressas o Pronatec, enfatizando, na publicidade, o caráter “emancipatório” do ensino profissionalizante e da educação tecnológica de nível médio.

Por isso, independentemente dos dividendos eleitorais que vier a propiciar à candidata Dilma Rousseff, que o cita recorrentemente em seus discursos, o Pronatec 2.0 foi mal recebido. Além das advertências da CGU às falhas estruturais do programa, especialistas em ensino profissionalizante apontaram outros graves problemas. Eles consideraram irrealista a promessa de 12 milhões de matrículas. Reclamaram da falta de cálculos precisos da demanda de vagas com base no perfil socioeconômico do público a ser alcançado. E lembraram que o MEC, ao elaborar a nova versão do Pronatec, não levou em conta uma avaliação rigorosa das necessidades do mercado de trabalho.

Fundamental para a formação de mão de obra especializada, o ensino técnico é uma alternativa para profissionalizar os jovens que o ensino médio não consegue reter. Contudo, a exemplo do que aconteceu com outros programas do governo na área educacional, o Pronatec não foi concebido a partir de critérios técnicos, mas eleitorais. E isso é evidenciado pelo relatório da CGU, por mais que seus auditores tenham tido o cuidado de afirmar que não apontaram “irregularidades”, apenas “falhas”.

O ESTADO DE S.PAULO

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