Sob o silêncio de Dilma, dois ministros de seu governo tratam do mesmo tema sem se comunicarem, gerando desconforto entre educadores
Especialistas em educação e organizações da sociedade civil têm sido procurados nos últimos dias, pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), para participar de discussões sobre mudanças no currículo nacional. Até aí, nada demais. O problema é que o Ministério da Educação também formulou comissões sobre o tema, e deve divulgar uma proposta para debate ainda este ano. Os dois grupos, no mesmo governo, debatem o mesmo assunto.
Este é mais um capítulo da tensa relação entre os ministros Roberto Mangabeira Unger (SAE) e Renato Janine Ribeiro (MEC), que tem causado desconforto entre educadores desde que Mangabeira divulgou, há 43 dias, em São Paulo, o documento preliminar “Pátria educadora: a qualificação do ensino básico como obra de construção nacional”. O plano foi encomendado pela presidente Dilma Rousseff para Mangabeira. Na posse de Janine, a presidente, inclusive, citou os principais eixos da proposta, mas sem entrar em detalhes.
Duas semanas antes do encontro em São Paulo, Mangabeira já havia antecipado, em entrevista ao GLOBO, boa parte das ideias contidas no texto. Na ocasião, disse que estava em constante diálogo com o ex-ministro Cid Gomes e sua equipe, mas que não havia ainda conversado com Janine sobre a proposta.
Como era de se esperar, a divulgação do documento preliminar gerou debate entre educadores. O incômodo maior, porém, não estava numa ou noutra ideia, mas no fato de não haver sinal algum, por parte de Janine, de que ele estava participando das discussões.
O plano de Mangabeira trata exclusivamente de questões relacionadas à pasta de Janine, como organização curricular, formação de professores, financiamento da educação e articulação entre os entes federativos. Por mais que a SAE tenha como missão pensar no longo prazo para construir projetos de Estado, a divulgação de um documento, mesmo que preliminar, sem consulta prévia a Janine, foi muito mal recebida no MEC e entre educadores.
Até sexta-feira passada, quando finalmente falaram por telefone e combinaram de se encontrar amanhã, os dois sequer haviam conversado pessoalmente. Distância certamente não foi o problema. Segundo o Google Maps, apenas 450 metros separam os prédios da SAE e do MEC. Dá cinco minutos a pé.
Enquanto não se falavam, Mangabeira se movimentou e conversou com diversos interlocutores da área. Janine manteve o silêncio. Um secretário de educação resumiu da seguinte maneira a situação: “Quem mais nos procura para falar de educação é o ministro Mangabeira, mas quem tem o dinheiro dos programas do MEC é o ministro Janine”.
Disputas entre ministros por espaço são comuns na política. O que causou espanto neste caso foi o completo silêncio da presidente Dilma e de seu ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, sobre a questão. Talvez a omissão representasse na verdade uma estratégia: deixar os ministros duelarem publicamente para ver quem se fortalecia e recebia mais apoio para, só então, tomar partido. Dilma e Mercadante podem também ter considerado que era normal o fato de dois ministros estarem tratando do mesmo tema sem se falarem. Ou então sequer sabiam do problema, pois estavam mais preocupados com assuntos considerados de maior prioridade para o governo do que a educação. Nenhuma das hipóteses é confortante.
Antônio Goes – O Globo