“É questionável a eficácia da gratuidade para democratizar o acesso ao ensino superior”
Serviços públicos nunca são gratuitos, mas, sim, financiados por impostos pagos por toda a sociedade. Ou seja, tanto pelos que que usufruem desses serviços quanto pelos que não usufruem.
Em períodos de ajuste fiscal, a discussão sobre modelos alternativos de financiamento torna-se mais urgente.
No Brasil, o debate sobre a cobrança de taxas aos usuários de serviços públicos é confundido muitas vezes com a discussão sobre privatização. Mas não há nada que impeça que sejam cobradas taxas aos usuários por serviços prestados pelo setor público, a exemplo do que ocorre em outros países do mundo.
A educação pública constitui um exemplo interessante. A educação básica é gratuita para os alunos na maioria dos países. No ensino superior, diversos modelos de financiamento são adotados em economias desenvolvidas. As mensalidades de universidades públicas cobrem 45% dos custos por aluno nos EUA e cerca de 15% na Holanda e no Canadá.
Já na Alemanha e nos países nórdicos, os alunos não pagam mensalidades. Esses últimos sistemas são financiados por impostos sobre a renda muito progressivos. Esse contrato social só é aceito porque a grande maioria dos indivíduos afetados pelas alíquotas de imposto mais altas, que chegam a ser superiores a 50%, se formou em universidades públicas gratuitas.
Há pelo menos duas razões para o tratamento distinto no financiamento da educação básica e superior. A primeira é que os benefícios do ensino básico para a sociedade tendem a ser maiores que os do ensino superior, o que justifica um maior subsídio.
Esses benefícios incluem desde eleitores mais bem informados à redução da criminalidade. Já os benefícios do ensino superior tendem a ser mais elevados para o graduado, como os maiores salários ao longo da vida.
A segunda é que restrições de crédito, que poderiam dificultar o pagamento de mensalidades, podem ser solucionadas com programas de empréstimos do estilo do Fies no ensino superior. Essa possibilidade é remota para o ensino básico, já que (felizmente) pais não tomam empréstimos em nome dos filhos.
Além de a gratuidade ser dificilmente justificada, é questionável sua eficácia para garantir um acesso mais democrático ao ensino superior. A mensalidade é apenas uma entre as diversas barreiras para cursar o ensino superior.
A evidência internacional sugere que bolsas e empréstimos direcionados a determinados grupos que cubram outros gastos, além da mensalidade, podem ser muito mais eficazes para garantir o acesso de pessoas de baixa renda ao ensino superior.
FERNANDA ESTEVAN é professora do Departamento de Economia da FEA-USP