Pela primeira vez a Universidade de São Paulo (USP) se rendeu ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para selecionar parte dos calouros de 2016. Estudantes da rede pública de ensino, os maiores favorecidos por essa medida, ficaram animados com uma nova oportunidade para ingressar na universidade.
Foram menos de 1.500 vagas reservadas por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), um número tímido, pouco mais de 10% do total; e a USP mostrou-se bastante criteriosa ao exigir uma nota mínima de 700 pontos no Enem.
Ao analisar as últimas provas do Enem, é possível identificar a complexidade crescente das questões. Hoje, muito além de um exame para mensurar a qualidade do Ensino Médio, o Enem é uma grande porta de acesso ao ensino superior. Tornou-se o maior vestibular do país. Apenas no ano passado, foram preenchidas mais de 680 mil vagas* em instituições públicas e privadas, através do Sisu, do Programa Universidade para Todos (Prouni) e do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).
Não podemos esquecer que a Fuvest é uma fundação tradicional, dirigida por profissionais que exigem alta qualidade na seleção para a universidade. Mas, ao analisar todo o contexto, fica evidente que há uma disputa política na relação entre USP e Enem. Isso porque, no quesito vestibular, o crescimento do exame nacional faz com que a maior universidade paulista perca a sua hegemonia de qualidade ao selecionar os seus estudantes.
A estatística nos ajuda a mostrar a discrepância entre a inclusão anunciada pela USP e a realidade do Enem. Fazendo um comparativo linear entre o resultado dos candidatos do Enem 2015 e a exigência da universidade, podemos considerar que a média máxima no Enem seria de aproximadamente 890 pontos e a média mínima de 307, resultando assim em uma média geral de 598,8. Ou seja, para o candidato obter 700 pontos e entrar na Universidade de São Paulo, ele precisaria de um desempenho bem acima da média simples dos candidatos.
Fazendo uma análise não baseada nos parâmetros da Teoria de Resposta ao Item (TRI), essa pontuação exigiria que o estudante acertasse entre 35 e 40 questões por área de conhecimento, para ter uma chance. Se pensarmos que as vagas são oferecidas principalmente aos alunos da escola pública, essa “chance a mais” se torna irreal, pois o ensino médio brasileiro está muito aquém de todos os níveis exigidos pelos índices internacionais de qualidade, tais como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês). No ensino público, os candidatos não encontram esse preparo para o vestibular, um trabalho que precisa ser feito durante toda a trajetória escolar.
Diante disso, a dúvida que nos percorre é: essa maneira de “inclusão” adotada pela USP é mesmo democrática? É esta a maneira de preparar a nova geração de profissionais de nosso país? Vale aqui uma reflexão.
*Número estimado através das informações divulgadas pelo Ministério da Educação (MEC). Vagas em 2015: Sisu – 228 mil; Prouni – 203.602 mil; Fies – 250 mil
Paulo Saldaña – Estadão