Um dos problemas históricos que o Brasil ainda não conseguiu resolver consiste em colocar a Educação no centro da agenda de desenvolvimento nacional para, além de garantir a todos — crianças e jovens — os direitos a um ensino de qualidade, promover um crescimento econômico mais vigoroso e sustentável. Para piorar, nos momentos de crise, quando deveríamos reconhecer os efeitos desse descaso, há ameaça de cortes justamente na Educação. Será que a Educação só é prioritária no discurso, ou é possível sonhar com o dia em que ela realmente será a base de sustentação de um país mais justo e equitativo?
Se o ajuste fiscal é imperativo, é preciso que ele aconteça de forma estratégica, não apenas pensando nas correções de curto prazo, mas no Brasil que queremos construir. Para alcançarmos uma economia capaz de gerar e distribuir renda, a Educação — de qualidade e para todos — terá que necessariamente ser a base desse projeto, impulsionando inovações e elevação da produtividade pela ampla disseminação de conhecimento e pelo empoderamento dos cidadãos brasileiros.
Para tanto, precisamos de políticas públicas educacionais mais robustas, que invariavelmente dependem de recursos para se concretizar e se sustentar. Nesse cenário, a proposta cogitada de flexibilizar a vinculação de recursos para a Educação — por meio da reedição da medida provisória que prevê a desvinculação de receitas da União (DRU) — poderá resultar em uma significativa redução dos investimentos educacionais.
O retorno da DRU coloca em risco os avanços conquistados nos últimos anos na área da Educação: a valorização do magistério; o aumento da rede física e do atendimento; a melhora da infraestrutura escolar e dos programas de Alfabetização; e os projetos de articulação da escola com as comunidades, entre tantos outros — avanços esses obtidos por um esforço conjunto de governos, comunidades educacionais e sociedade civil.
Olhando em retrospectiva, é fundamental perceber que a vinculação de recursos para a Educação foi uma de nossas maiores conquistas históricas, reduzindo a imensa vulnerabilidade fiscal anterior. Foi só a partir da Constituição Federal de 1988 que se instaurou um período de continuidade e previsibilidade na disposição de valores para as políticas educacionais.
Com a regularidade constitucional de recursos e a política de fundos de financiamento da Educação, a meta de garantir o atendimento escolar para todas as crianças e jovens — uma agenda cumprida por muitos países desenvolvidos ainda no século 19 — ficou mais próxima. Apesar disso, em pleno século 21, a universalização do ensino ainda não atinge 2,8 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos no Brasil.
No campo da qualidade, duas fotografias da aprendizagem em matemática revelam a dimensão do nosso desafio educacional: menos de metade das crianças de 8 anos e apenas 9% dos jovens no último ano do Ensino Médio têm a aprendizagem considerada adequada para seu nível escolar.
Nosso caminho em direção ao ensino de qualidade ainda é longo. Temos que buscar meios para garantir o contínuo desenvolvimento da Educação brasileira, sem permitir retrocessos. A ideia da desvinculação não pode prosperar, pois vai na contramão dessa perspectiva.
E precisamos ir além. Nosso atraso educacional é tão grande que, além de mais recursos, necessitamos de maior compromisso com a qualidade do gasto público para ampliar os resultados das políticas públicas. Entre 2008 e 2013, o Brasil praticamente dobrou o investimento público por aluno do Ensino Médio e, mesmo assim, a qualidade do Ensino Médio se mantém muito baixa. Isso significa que os recursos, além de insuficientes — basta lembrar que nosso investimento por aluno da Educação Básica ainda é apenas um terço do que investem em média os países da OCDE —, são mal alocados. Precisamos investir mais e melhor.
O aumento de recursos e uma gestão melhor do investimento em Educação devem se traduzir no incremento e no uso adequado da infraestrutura escolar, em Educação integral para nossas crianças e nossos jovens, em formação de qualidade para os professores — base dos processos de ensino e de aprendizagem. Mas, para isso, é preciso que os recursos cheguem à escola e ao aluno.
Não podemos nos esquecer de que estamos muito distantes de cumprir as metas do Plano Nacional de Educação — hoje, o documento mais próximo de um projeto de país. É preciso ter sempre em mente que ainda falta muito para garantir o direito constitucional à Educação. Somente quando ela tiver lugar central em nossa agenda, dispondo dos recursos necessários e de rigor na qualidade do gasto, o Brasil poderá alcançar um nível elevado de desenvolvimento, com justiça e equidade.
Priscila Cruz
Fundadora e presidente executiva do movimento Todos Pela Educação e mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School
Caio Callegari
Integrante da equipe técnica do movimento Todos Pela Educação
Fonte: Correio Braziliense