Quando se coloca em debate as condições raciais no Brasil, é imprescindível recordar que há apenas 128 anos os negros não tinham nenhum tipo de direito. Subestimar o impacto dessa cruel realidade histórica colabora para perpetuar a exclusão.
Observando os dados sobre acesso ao ensino de qualidade para pretos, pardos e brancos – abordados recentemente neste blog –, percebe-se que a desigualdade nas trajetórias educacionais é explícita.
São essas diferenças que colocam pretos, pardos e brancos em situações muito distintas aos 17 anos – idade em que muitos jovens estão prestando vestibular. É como se em uma corrida alguns competidores chegassem muito atrasados, depois de correr muitos quilômetros descalços, enquanto os demais estão descansados e devidamente equipados. Esperar que essa disputa seja justa é um contrassenso. O que se propõe por meio de cotas em universidades públicas é proporcionar condições iguais em um universo cujo acesso, infelizmente, ainda depende de um sistema competitivo.
Existe, não por acaso, um ciclo vicioso entre a baixa qualidade do ensino e a escassez de oportunidades sociais, pois elas estão profundamente entrelaçadas. De acordo com um estudo do professor Naércio Menezes Filho, pesquisador do Insper, um ano de estudo corresponde ao acréscimo de 12% na renda individual por toda vida. Portanto, dar acesso equitativo à Educação Superior para pretos, pardos e brancos, aumentando seus anos de estudo, é contribuir para o rompimento dessa lógica excludente que vemos no Brasil.
Há dois grandes argumentos contra as cotas. O primeiro deles diz respeito à suposta queda de qualidade dos cursos que recebem cotistas. Isso não é verdade. Algumas universidades – como a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade de Campinas (Unicamp) – comprovaram, por meio de estudos, que o desempenho dos cotistas está na média ou até acima dos demais estudantes.
O segundo argumento é sobre o chamado “racismo ao contrário”, onde os negros estariam assumindo uma posição de inferioridade. Esse é um equívoco lógico. As cotas não existem para corrigir uma suposta incapacidade dos afrodescendentes – pelo contrário: elas foram criadas para evidenciar suas capacidades. Como dito acima, os estudantes afrodescendentes acumulam, ao longo das décadas, uma trajetória de exclusão.
Por fim, as cotas raciais devem ser apenas parte temporária de um esforço maior: o de equalizar as condições de desempenho para todos os alunos – de todas as cores e origens sociais – da Educação Básica. Uma vez que as escolas básicas garantam a mesma aprendizagem de qualidade para pretos, pardos e brancos, as cotas raciais na Educação Superior serão dispensáveis. Enquanto não atingirmos esse objetivo, elas serão necessárias.
Fonte: O Globo