UFPR – Pensando o Brasil põe em discussão pontos polêmicos da reforma política

Doze dias após a sanção do mais recente pacote de mudanças na legislação eleitoral – algumas já para as eleições de 2018 –, a reforma política foi o tema da quarta edição do UFPR Pensando o Brasil, realizada nesta quarta-feira (17) em Curitiba. Os convidados foram cientistas políticos de três regiões brasileiras, que debateram entre si e responderam às perguntas da plateia no Salão Nobre de Ciências Jurídicas no Prédio Histórico da UFPR.

Uma das questões levantadas foi o fato de o País historicamente ter apostado em sucessivas mudanças legislativas e judiciais na esperança de resolver problemas políticos. Essa instabilidade faz do tema “reforma política” uma constante e, o sistema, uma fonte eterna de insatisfação mesmo após a redemocratização, na descrição de Eneida Desiree Salgado, professora de Direito Constitucional da UFPR.

Segundo Eneida, que fez uma introdução ao tema antes do debate, nem a Constituição Federal de 1988 foi capaz de trazer estabilidade ao sistema político. Houve uma sequência de leis, emendas constitucionais e jurisprudências “surpreendentes” que, muitas vezes, tinham como objetivo alterar não o sistema, mas comportamentos políticos que estavam no centro das críticas da opinião pública.
“É muita crença no poder normativo”, criticou a professora. “Em tempos de demonização da política e combate à pluralidade, estava na hora de pararmos de ser comentaristas de resultado e começarmos a pensar reforma política a partir de princípios constitucionais”, defendeu.

Os debatedores também sustentaram que, apesar de suscitar sempre muita polêmica, por convenção brasileira, o conceito de “reforma política” tem sido bem mais limitado do que a atividade política em si. Os debates sobre reforma política tendem a enfatizar a figura do político, ignorando os processos políticos e suas instituições, como os partidos.

“Todos tratam sobre a dinâmica durante as eleições ou visando o que ocorre durante o período eleitoral. Pouco se fala sobre o que acontece antes do período eleitoral, os processos internos políticos que simplesmente não aparecem, seja no debate da mídia ou do legislativo”, lembrou Bruno Bolognesi, professor do Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPR, que mediou o debate.

Reforma tímida

Um consenso entre os debatedores foi o entendimento de que a reforma política aprovada neste ano terá poucos efeitos para resolver os problemas de um sistema eleitoral considerado confuso, fragmentado e em profunda crise de representatividade.

“Desses problemas, a reforma ataca a fragmentação e pode ajudar no fortalecimento dos partidos, mas de forma muito tímida”, avalia José Antônio Lavareda, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Outros problemas citados por ele permanecem intocados, como o alto custo das campanhas e a distância entre eleitores e políticos.

Lavareda enfatizou que muitas das intenções da reforma podem ser apenas “ficcionais”, uma vez que faltam garantias de que a fiscalização sobre o fundo público para campanhas, por exemplo, será ao menos possível, considerando o quadro de pessoal da Justiça Eleitoral.

Para Luciana Veiga, professora da Unirio, a reforma “é um avanço com algumas fragilidades”. Ela reconhece que a legislação “ficou falha” porque trata-se de uma “reforma ad hoc”, feita como resposta aos escândalos de corrupção que expuseram a tradicional relação de promiscuidade entre financiadores privados e políticos.

Ainda assim, Luciana acredita que efeitos positivos poderão ser sentidos em longo prazo, especialmente com a redução no número de partidos propiciada pela chamada cláusula de barreira – a partir do resultado de 2018, os partidos terão que ter um desempenho mínimo nas eleições para poderem ter acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita.

Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Peres se disse mais pessimista. “[A reforma] É um puxadinho com gambiarra no barraco institucional”, compara, referindo-se às recorrentes modificações na legislação que têm deixado “o barraco completamente maluco”.

Peres salientou que a reforma adveio de uma necessidade dos próprios políticos de resolver problemas da classe, como as investigações de corrupção e a vedação ao financiamento eleitoral por pessoas jurídicas instituída pelo Supremo Tribunal Federal em 2015.

Na visão de Peres, a ideia de que a reforma política é necessária pode não passar de mito. “Talvez grande parte dos nossos problemas é porque fazemos reformas demais”, disse. “Ou seja, não temos estabilidade das instituições, o que gera insegurança porque as regras são alteradas o tempo todo, tanto pela legislação quanto pela interpretação do judiciário”.

FUNDO PÚBLICO

Uma das alterações mais polêmicas da reforma política de 2017 foi a criação de um fundo público para campanhas políticas, que contará com cerca de R$ 1,7 bilhão em recursos. Com isso, o dinheiro para campanha das próximas eleições deve sair somente do fundo, de doações de pessoas físicas e do bolso do próprio candidato (autofinanciamento).

Para Lavareda, algumas críticas sobre a ideia não tinham fundamento. “Financiamento público não é o problema. Melhor que seja controlado do que o financiamento privado com relações demasiadamente promíscuas entre empresas e candidatos”, compara, registrando que diversos países adotaram esse instituto, que, em tese, torna obrigatória a auditagem do uso dos recursos.

Ele admite, contudo, que “é ficção” imaginar que o gasto com campanhas terá o fundo como teto, visto que ele corresponde a uma parcela das estimativas do custo eleitoral no Brasil. “Temos as campanhas eleitorais mais caras do mundo”, salienta.

Isso, somado à dificuldade de fiscalização – o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por exemplo, conta com apenas dez auditores –, podem degenerar o resultado esperado da legislação, com aumento de práticas irregulares como o caixa dois, por exemplo.

Já Luciana disse “não ter certeza de que o financiamento público é melhor do que o recurso privado controlado”. A professora também lembrou que foi frustrada a expectativa de que a reforma política traria uma distribuição mais igualitária de recursos entre os candidatos.

A sugestão havia sido acatada pelo Senado, mas recebeu veto presidencial a pedido da Câmara, prevalecendo o crivo dos partidos para a distribuição dos recursos – o que, na prática, deve beneficiar candidatos à reeleição, que saem na frente na disputa.

Peres salienta, ainda, que, ao contrário de trazer igualdade, a reforma política acabou por beneficiar candidatos ricos ou ligados a eventuais financiadores pessoais, uma vez que não impôs limites ao autofinanciamento e permitiu que até 10% do rendimento bruto possa ser usado na doação de pessoas físicas.

“É como se tudo mudasse para ficar mais ou menos igual”, afirmou.

CLÁUSULA DE BARREIRA

Em geral, os debatedores avaliaram como positiva a cláusula de desempenho (gradativa até 2030), por concordarem que é preciso combater a pulverização partidária no Brasil, que confunde o eleitor e estimula a corrupção.

Luciana registrou que, conforme estimativas, se a cláusula tivesse sido usada em 2014, haveria 18 partidos na Câmara em vez dos 32 atuais; em 2030, seriam 11.

“É lento, mas aos poucos você vai reduzindo”, diz. “Acho importante chamar a atenção que, ao reduzir o número de partidos, vamos acabar com os partidos que hoje funcionam de forma não tão ideológica, não positiva”, defendeu ela, que acredita que a medida poderia fortalecer os partidos e a identificação do eleitorado, bem como propiciar mais governabilidade ao Executivo.

Contudo, Peres pondera que as siglas menores costumam levar a culpa por uma condição que é bem mais disseminada do que se admite. “Muitos partidos pequenos são considerados ‘demônio”, ‘partido de aluguel’. Mas qual a ideologia do PMDB, um partido grande que participou de todos os governos recentes?”, questionou.

Outro ponto discutível é o comprometimento da diversificação de ideologias que, segundo reconhece Luciana, pode vir a ocorrer. “Qualquer redução faz aumentar a distância entre o que eu penso e o que o partido pensa”, diz. “Todavia, o sistema atual está tão fragmentado que o eleitor nem consegue discernir [em quem votar]”.

EXTINÇÃO DAS COLIGAÇÕES

Prevista para ocorrer a partir de 2020, a vedação a coligações partidárias em eleições proporcionais atinge as eleições para o Legislativo. O objetivo foi impedir a eleição de candidatos menos votados – às vezes, até desconhecidos dos eleitores — como efeito da existência de um candidato “puxador de votos” na coligação.

A situação é das que, segundo Lavareda, torna impossível “pedir mais eficácia do eleitor”.
Luciana salientou a importância da vedação para coibir, pelo menos em parte, o que chama de “fraude do princípio representativo”.

“Parte do eleitorado nem fazia ideia de que isso acontecia”, comentou. “Com uma coligação entre PT e PRB, por exemplo, uma eleitora que escolhesse uma candidata feminista progressista poderia acabar ajudando a eleger um pastor evangélico”.

Peres, por sua vez, se disse cético quanto ao impacto do fim das coligações para a redução do desvio ideológico. “Na prática, acabar com elas resolverá muito pouco”, diz ele, argumentando que o número de partidos continuará alto.

Por Camille Bropp Cardoso