A Polícia Federal abriu uma sindicância para investigar a conduta de seus agentes no inquérito sobre o suposto desvio de recursos na Universidade Federal de Santa Catarina.
A PF vai apurar se houve alguma falha nos procedimentos investigatórios, como na coleta de provas, na oitiva de testemunhas, entre outras condutas. O inquérito referente à universidade foi conduzido pela delegada Érika Mialik Marena.
Entre os investigados estava Luiz Carlos Cancellier, que morreu aos 59 anos no dia 2 de outubro após despencar do quinto andar no vão central de um shopping de Florianópolis.
Cancellier era reitor da UFSC. Ele e seis professores foram alvo da Operação Ouvidos Moucos, deflagrada em setembro para apurar supostas irregularidades na concessão de bolsas de ensino a distância. Cancellier não era suspeito de desvio de recursos, mas de tentar intervir em uma apuração interna.
Preso provisoriamente por um dia e solto por outra decisão judicial, o reitor, segundo familiares e amigos, cometeu suicídio. Em seu bolso, foi encontrado um bilhete com os dizeres, conforme reprodução divulgada por familiares: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!”. A morte causou reação em círculos acadêmicos e políticos. Segundo críticos da operação, houve arbitrariedades.
A PF decidiu adotar uma investigação interna após uma petição de parentes do reitor reivindicando a apuração de possíveis abusos por parte da polícia.
A sindicância foi aberta, segundo a Folha apurou, por determinação do diretor-geral da PF, Fernando Segovia.
Após sua conclusão, a polícia decidirá se abre ou não um processo disciplinar contra a delegada Érika Marena e outras pessoas envolvidas.
Integrantes da PF, nos bastidores, afirmam que uma das linhas de defesa dos responsáveis pelo inquérito da UFSC é que sua atuação teve respaldo do Ministério Público e da Justiça, que decretou a prisão do reitor na ocasião.
CRONOLOGIA
30.Janeiro.2014
> Canal eletrônico do Ministério Público Federal recebe denúncia sobre irregularidades na aplicação de recursos federais recebidos pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) sobre o curso de ensino à distância de Física
> MPF aciona a CGU (Controladoria Geral da União)
17.Fevereiro.2016
> CGU envia ao Ministério Público Federal de SC relatório sobre apurações nos anos de 2014 e 2015
> Relatório aponta, entre outros itens, descontrole e ausência de sistema de gestão e fiscalização do contrato, o que teria permitido “que desvio de recursos viessem ocorrendo ao longo dos anos”
10.Maio.2016
> O professor Luis Carlos Cancellier de Olivo toma posse como reitor da UFSC
Maio.2016
> Prevista desde 2014 e sob pressão da CGU, a Corregedoria da UFSC é criada. Toma posse o professor Rodolfo Hickel do Prado
> Corregedor afirma que passou a ter suas atividades “dificultadas pela atual gestão da reitoria”
Julho.2016
> O corregedor foi avisado por telefone por uma pró-reitora que por ordem do reitor seria exonerado da função comissionada CD3 e seria nomeado em função FG1, “que correspondia a quase 10% do valor da função original”. Caiu de CD3 para CD4, uma perda de cerca de 30% do valor original.
09.Agosto.2016
> Polícia Federal abre inquérito, acionada por ofício do MPF
Novembro.2016
> Professora Taísa Dias se reúne com o reitor Cancellier e comunica uma série de problemas nas bolsas
Janeiro.2017
> Corregedoria recebe denúncia anônima sobre “possíveis desvios na área de ensino à distância no curso de Administração”. Prado abre um procedimento
20.Janeiro.2017
> Corregedor da UFSC, Rodolfo Rickel do Prado, chama a professora Taísa Dias para obter esclarecimentos sobre a situação das bolsas
> Corregedor diz que o reitor pediu pessoalmente “que não levasse adiante a apuração em questão”
24.Março.2017
> Taísa Dias manda e-mail para o reitor Cancellier e outros, incluindo o corregedor, “para que, ciente desde novembro dos fatos que envolvem o curso, tenha reforçada a gravidade em que a questão do mesmo se encontra apesar de todos os esforços dessa coordenação para que isso não atinja mais aos alunos, servidores e professores envolvidos.”
04.Maio.2017
> O corregedor se reúne com representantes da Capes, em Brasília, e solicita uma série de esclarecimentos.
> Na volta do reitor, o corregedor é informado que ele queria ter vista dos autos.
24.Maio.2017
> Em memorando, Gabinete do Reitor pede acesso à investigação preliminar de caráter sigiloso que tramitava na Corregedoria. O corregedor se nega a dar acesso à íntegra
25.Maio.2017
> O reitor viaja para reunião na Capes com o presidente, Abílio Baeta Neves
> A Capes anuncia a liberação de mais dinheiro para o programa de estudo à distância
> O corregedor novamente é cobrado por diversos membros da direção da UFSC sobre acesso aos documentos
> O corregedor decide procurar “os órgãos de persecução penal e formalizar a notícia das apurações”
14.Julho.2017
> Por ofício, Cancellier decide avocar o procedimento na Corregedoria. Ele alega que “o seu chefe de gabinete, Áureo Mafra de Moraes, teria ‘competência concorrente’ com a Corregedoria-geral para instauração de sindicâncias, realização de investigações preliminares e realização de processos administrativos disciplinares”
19.Julho.2017
> Em carta à PF, o corregedor da UFSC informa sobre as pressões que vem sofrendo e diz que o reitor também é “alvo das investigações, uma vez que citado o seu nome como suposto beneficiário no pagamento de bolsas e outras irregularidades”
14.Setembro.2017
>A PF deflagra a Operação Ouvidos Moucos e pede a prisão temporária por cinco dias de sete professores, incluindo Cancellier, e o afastamento cautelar do exercício do cargo/função pública de seis professores
02.Outubro.2017
> O reitor morre após cair em vão de shopping em Florianópolis. Familiares e amigos apontam suicídio. Seu advogado disse que foi um achado um bilhete: “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade”
Por Folha de São Paulo – Isabelle Araújo