Para o nível médio, vantagem diminui, já que empresas estão cada vez mais exigentes
RIO – O acesso à educação vem melhorando no Brasil. Estudo inédito do diretor da FGV Social, Marcelo Neri, comprova isso: em 1996, 70% dos filhos permaneciam com a mesma educação dos pais; em 2014, essa parcela caiu para 47%. Essa melhora, no entanto, não se deu da mesma forma em todos os níveis. O chamado prêmio por educação – o quanto uma pessoa ganha a mais por ano de estudo – aumentou para quem foi à universidade e completou 16 anos de estudo, passando de 193%, em 1996, frente a quem não tem instrução, para 203% em 2014. Já para quem tem apenas o ensino médio (11 anos de estudo), essa vantagem caiu de 114% para 68,8%, na mesma comparação. Na média, o retorno por educação recuou de 12% para 10,5% no período. Esse movimento reflete tanto o fato de mais jovens completarem o ensino médio quanto a tendência de as empresas exigirem uma escolaridade cada vez maior.
– Pode ser uma das explicações para a evasão dos jovens. No meio, a queda foi grande. Talvez seja um dos grandes problemas da educação no Brasil no ensino médio. Cerca de 15% dos jovens estão fora da escola e não se consegue mudar isso, situação que persiste desde 2008. O retorno da educação nesse nível caiu bastante. Quem concluía o ensino médio conseguia se diferenciar mais no mercado de trabalho. Agora, não consegue – afirmou Neri.
Apesar do avanço do ensino superior, o que fez aumentar a oferta dessa mão de obra no mercado, Neri diz que houve expansão forte na demanda por trabalhadores mais escolarizados, o que fez o retorno permanecer no mesmo nível ou até subir. A partir de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), o economista calcula que 33% da desigualdade no mercado de trabalho eram explicados pela diferença salarial dos profissionais de nível superior em 1996, enquanto em 2014 esse percentual era de 44%.
– As pessoas com nível superior são um recurso escasso na sociedade brasileira, até por causa desse gargalo no ensino médio, que a gente não consegue melhorar. Permanece uma certa casta universitária: 77% dos filhos que tinham pais com nível superior conseguem concluir a faculdade. Mas se os pais só tiverem o fundamental completo, essa parcela cai para 18,4% – explica Neri.
Bruna Gomes da Silva, de 20 anos, está entre esses 18,4%. Seu pai, Antônio Paulino, é porteiro e estudou apenas por quatro anos. Hoje ele vê a filha no segundo período de Administração de uma universidade particular – vaga conseguida com bolsa de estudo pela boa colocação no Enem. Já seu filho Rafael, de 25 anos, completou o ensino médio e estuda inglês.
– Estudei até a quarta série, porque precisava trabalhar. Minha mãe ficou viúva quando eu tinha 2 anos, e eram cinco filhos. Vim para o Rio e espero que meus filhos tenham uma vida melhor – conta Paulino.
Bruna, por sua vez, não quer parar com os estudos e pretende ser executiva de uma grande empresa:
– Penso em estudar no exterior.
Para o sociólogo Rafael Osório, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a sociedade brasileira está ficando mais aberta. Ele ressalta, porém, que no topo, “nem tanto”:
– A sociedade vem diminuindo lentamente a desigualdade de oportunidades. A elite brasileira é permeável, mas não muito. É um estrato social pequeno, a persistência (manutenção da mesma educação dos pais) é muito grande nesse grupo.
Bagagem familiar influencia
Segundo Neri, a mobilidade social melhorou no Brasil, mas a relação entre a educação de pais e filhos ainda permanece muito alta.
– É como se estivéssemos na terceira divisão de falta de igualdade de oportunidades entre as nações. Agora, estamos no último lugar da segunda divisão, muito atrás de outros países. Mas antes estávamos em outra liga – diz Neri.
Osório chama a atenção para a necessidade de melhorar mais rapidamente o acesso às oportunidades:
– Grande parte da desigualdade no mercado de trabalho, essencialmente, é produzida na escola. Sendo assim, vamos ter de conviver com a desigualdade por muito tempo, se não acelerarmos esse processo. A melhoria é muito lenta. Principalmente no topo.
E os salários refletem essa diferença. Para quem tem curso superior e os pais não tinham instrução, o salário era de R$ 2.603. Quando os pais tinham curso superior, a renda subia para R$ 6.739.
– O retorno da educação que você vai conquistar será tão maior quanto maior for a educação dos pais, por causa da bagagem familiar, das conexões e da qualidade da educação – afirma Neri.
O sociólogo Carlos da Costa Ribeiro, do Iesp/Uerj, estudioso da mobilidade, diz que o acesso às oportunidades vem melhorando desde 1973, mas ainda observa-se a reprodução da desigualdade de gerações anteriores:
– Descontando todo o efeito da educação, ainda permanecem as características que passam de pai para filho. O pai mais rico pode abrir um negócio para o filho, embora ele não tenha estudo. É muito comum. Mesmo considerando o sistema educacional, o médico vai passar a clínica para o filho.
Neri ressalta que a recessão em 2015 e 2016 foi mais cruel com os mais jovens, o que deve reduzir ainda mais o prêmio pela educação:
– O salário dos jovens caiu em média 4,4% em 2016. Para quem tem entre 20 e 24 anos, a queda foi de 10,6%. O grupo que mais perdeu renda nos últimos anos foi o de jovens. Eles também têm encontrado as portas do mercado de trabalho fechadas, é uma frustração dupla. Isso afeta a capacidade dos jovens de traçar seu futuro, de melhorar de vida.
Fonte: O Globo