O que três mulheres – uma professora de Psicologia da UnB, uma assistente social e uma estudante de Artes Visuais prestes a se graduar – têm em comum com oito senhores assistidos pela Unidade de Acolhimento Institucional para Idosos (Unai) em Taguatinga? A resposta é: arte.
Foi por meio do projeto de extensão Histórias pintadas – ateliê de pintura com idosos acolhidos que Daiane Guedes, assistente social formada pela UnB há 12 anos, viu mudar a perspectiva de vida dos senhores daquela instituição. Tereziano Mendes foi um deles. Antes descrito como uma pessoa introvertida, agora é descontraído. “Hoje é outra pessoa, tem um brilho no olhar que encanta. Ele e Zé Ferreira pintam todos dias. Virou algo para a vida”, diz Daiane.
Aos 64 anos, Zé Ferreira quer ser estudante de Artes Visuais na UnB. “Agora, quando não estou pintando, estou estudando para o Enem”, conta. “Minha vida mudou da água para o vinho.”
A Unai é uma unidade pública de assistência social, do Sistema Único de Assistência Social (Suas), que realiza acolhimento temporário para homens idosos (a partir de 60 anos). O perfil dos acolhidos é de indivíduos que se encontravam em situação de rua e/ou desabrigo por abandono, violência, migração, em trânsito no Distrito Federal, ausência de residência ou sem condições de auto sustento.
“A gente aqui se sente meio só, mas quando estou pintando, parece que tem alguém perto de mim. E tem mesmo, porque toda vez que começo a pintar surge algum colega para ficar olhando”, afirma Zé Ferreira, que se viu encantado com obras de artistas plásticos famosos. “Gostei demais de Volpi. Sou apaixonado por aquelas bandeirinhas. São a alma do nosso povo. Onde quer que vamos no país, tem aquelas bandeirinhas. Ele pinta o povo brasileiro”, opina.
O resultado do projeto pode ser conferido a partir desta quarta-feira (28), no anexo do Museu Nacional da República, na exposição que leva o mesmo nome do projeto.
Quarenta quadros pintados por oito dos idosos que participaram das oficinas – e 33 fotos produzidas por vários fotógrafos que registraram os encontros na Unai – ficarão expostos até domingo, dia 2 de dezembro, sempre das 9h às 18h. A entrada é gratuita
Além de telas de Tereziano Mendes e Zé Ferreira, na mostra haverá também obras pintadas por Adão Alves Martins, Daniel Valdivino de Araújo, Davi Domingues, José Lins de Aragão, Manoel Messias Alves Pereira e Samuel Monteiro Ramos.
PESQUISA – Histórias pintadas – ateliê de pintura com idosos acolhidos também é o nome do trabalho de conclusão de curso (TCC) que será defendido pela estudante de Artes Visuais Camilla Dantas. Foram dois anos realizando pesquisa para elaboração do projeto, que aconteceu em 12 semanas, entre abril e julho de 2018, na Unai.
A proposta partiu da discente, decidida a trabalhar com arte como ferramenta de desenvolvimento humano, sob inspiração de um filme sobre a vida da psiquiatra Nise da Silveira, pioneira da terapia ocupacional no Brasil.
O encontro com a professora Tatiana Yokoy, do Instituto de Psicologia (IP), que ministrava a disciplina Psicologia da Educação, foi crucial para dar forma aos planos da graduanda. Com experiência profissional em acolhimento institucional, Tatiana sugeriu a Unai. A partir daí, o projeto tomou corpo, junto com a atuação da assistente social Daiane Guedes, que trabalha na unidade.
Para Camilla, a pesquisa é um dos grandes retornos que a Universidade pode oferecer à sociedade. Ela considera que o trabalho desenvolvido durante o projeto configura um ponto de inflexão para as artes plásticas. Foi necessária muita leitura sobre estratégias para levar o ateliê de pintura aos idosos, e sobre a velhice e o uso da arte para acessar a subjetividade das pessoas.
A cada semana, Camilla e Daiane propunham um novo tema aos potenciais artistas. Coordenadora do projeto, Tatiana explica que foram apresentadas temáticas relativas ao contexto socioemocional, à relação familiar, à infância, e aos projetos para o futuro. O intuito era ofertar um contexto para ajudar o desenvolvimento pessoal dos idosos.
“Na psicologia e na pedagogia, temos muita pesquisa sobre o desenvolvimento do ser humano com arte, mas não temos muitas investigações sobre o tema nas artes visuais”, analisa a estudante. “Eu mesma mudei muito depois dessa experiência, que me tocou bastante. Acredito que foi uma experiência transformadora para os participantes.”
Zé Ferreira concorda. Além de encontrar um novo propósito para o futuro, ele relata que a convivência entre os idosos na Unai melhorou. “Um não queria participar e ficou umas três oficinas sem pintar, até que pegou um pincel e a evolução aconteceu: aquela pessoa ranzinza acabou, já ri, já conversa”, conta.
“As pessoas que estão na Unai são muito solitárias, com muitos problemas nas relações pessoais. Mas depois da oficina, alguns que eram mais rebeldes até melhoraram o comportamento”, completa.
Camilla afirma que há planos de serem realizadas outras exposições com o material já desenvolvido, além de dar continuidade às oficinas.
As atividades do projeto aconteceram de forma voluntária e sem apoio financeiro ou patrocínio, desde seu início. Para a produção da exposição, o grupo contou com a ajuda de colaboradores diversos, por meio de uma vaquinha on-line.