O tema predominante das notícias falsas relacionadas a museus, no período das últimas eleições no Brasil, foi o financiamento de instituições e exposições. Posts no Facebook, Twitter e WhatsApp provocaram desinformação acerca, por exemplo, da responsabilidade de decisão do governo federal sobre patrocínios de mostras e reformas nos museus. Grande parte das situações discutidas nas redes sociais refere-se ao financiamento via Lei Rouanet. Nessa modalidade de incentivo, quem escolhe os projetos que receberão os recursos oriundos de renúncia fiscal são as empresas e pessoas físicas, não o Estado, como equivocadamente divulgado em muitas postagens.
Essa é uma das informações que constam do relatório Museus e fake news: Eleições 2018, produzido pelo LavGRAFT, grupo de pesquisa da UFMG. O documento contém levantamento sobre a existência de fake news vinculadas aos museus e tem o objetivo de contribuir para análises futuras sobre os possíveis impactos das notícias maliciosas nessas instituições, quanto a aspectos como gestão, acesso de visitantes e políticas públicas. O relatório integra a investigação Museus virtuais e blogs culturais, do Curso de Museologia da Escola de Ciência da Informação.
Os dados foram coletados entre 31 de agosto e 28 de outubro de 2018, com apoio do projeto Eleições sem Fake, do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, incluindo o Monitor de WhatsApp, ferramenta disponível apenas para pesquisadores cadastrados. O Monitor ranqueia, diariamente, mensagens, imagens, vídeos, áudios e links mais compartilhados nos grupos públicos sobre política. Atualmente, o software acompanha 364 grupos.
De acordo com a professora da ECI Ana Cecília Rocha Veiga, coordenadora do LavGRAFT, as fake news mencionaram projetos via Lei Rouanet que não chegaram a se concretizar, atribuíram valores mais altos a projetos efetivamente realizados e acusaram o Museu Nacional, incendiado recentemente, de não utilizar em reformas recursos do BNDES que, na verdade, haviam sido comprometidos, mas não repassados até a data do incêndio.
“Nosso objetivo é, com base na compreensão do fenômeno das notícias falsas associadas aos museus, elaborar ferramentas, diretrizes e recomendações para que os museus possam estruturar seus processos de gestão de crise e sua presença digital”, afirma Ana Cecília.
‘Guerra ao demônio’
Foram registradas 14 imagens relacionadas ao tema museus compartilhadas no período eleitoral. A imagem mais difundida retratava a performance La bête, realizada em 2017, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, na qual o artista caminhou nu, cercado por crianças. Quatro montagens diferentes da fotografia foram compartilhadas 98 vezes, por nove dias, nos grupos monitorados pelo sistema. A montagem mais difundida relacionava a cena a uma obra de arte em que aparece o demônio cercado por crianças e estava acompanhada pela frase “Espero que esta imagem ajude você a entender, de uma vez por todas, que tipo de guerra estamos travando”.
Ainda de acordo com o relatório, foram compartilhadas 186 vezes, no período eleitoral, 27 mensagens de WhatsApp mencionando museus, ao longo de 15 dos 59 dias do período monitorado. Em 3 de setembro, 16 das 50 mensagens mais compartilhadas continham a palavra museu, e 15 delas abordavam o incêndio do Museu Nacional.
As mensagens versavam, em geral, sobre o impacto que a chamada PEC do Teto de Gastos teria na manutenção da instituição, informavam sobre gastos com leis de incentivo fora da realidade e questionavam a filiação partidária do reitor da UFRJ, instituição responsável pelo Museu Nacional.
A pesquisa levantou também os compartilhamentos sobre museus registrados pelos sites de checagem. Lupa, E-farsas e Boatos.org foram os três mais compartilhados. O artigo mais compartilhado analisa 13 programas de governo dos candidatos e constata que somente dois deles fazem menções explícitas à proteção aos museus. A checagem foi compartilhada mais de 35 mil vezes no Facebook.
“A expectativa é de, ao menos, minimizar os danos causados pelas notícias falsas, em especial com a ajuda dos funcionários e usuários de museus. Os visitantes assíduos podem se tornar ativistas digitais, combatendo as fake news e contribuindo para a difusão do conhecimento e para a proteção das instituições culturais brasileiras”, diz Ana Cecília Rocha Veiga. “Os museus devem ser capazes de antecipar problemas com a virtualidade. Prevenção ainda é a melhor estratégia.”
A professora ressalta que pesquisadores de diversas áreas são convidados a analisar os dados constantes no relatório e dividir suas conclusões com a equipe do LavGRAFT.
Ana Cecília Rocha Veiga assina artigo sobre o tema na edição desta semana do Boletim UFMG.
Com material publicado no site do LavGRAFT