No aniversário de 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, celebrado nesta segunda-feira, 10, foi lançada a Frente Mineira em Defesa da Democracia e da Educação, durante evento realizado na Faculdade de Direito da UFMG. A Universidade e outras 92 entidades ligadas à educação, direitos humanos, meio ambiente, trabalho, moradia, lazer, saúde e comunicação integram o movimento, que pretende aglutinar outros coletivos e instituições.
O manifesto de lançamento, lido por representantes dos diversos setores, afirma que “não há democracia sem a garantia de acesso às oportunidades de crescimento e emancipação de todos”. A educação, na perspectiva definida pelo artigo 205 da Constituição do Brasil, diz o texto, “dirige-se ao ser humano integral, considerando todas as dimensões de sua relação com o mundo”.
O Manifesto defende ainda a adoção da “Educação de Qualidade Social” como direito fundamental, universal, inalienável e que se constitui dever do Estado”. De acordo com o documento, “qualidade social implica prover a educação com padrões de excelência e adequação aos interesses da maioria da população, tendo como valores fundamentais a solidariedade, a justiça, a honestidade, o conhecimento, a autonomia, a liberdade e a ampliação da cidadania, objetivando a superação das desigualdades e, assim, a realização do sentido maior da democracia”.
Atuação coletiva
Segundo a diretora setorial de ações coletivas e movimentos sociais do Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco (Apubh), Analise da Silva, o objetivo da Frente é promover atividades conjuntas em defesa dos direitos humanos e dos preceitos constitucionais, em Minas e no país. As mobilizações tiveram início nos dias 4 e 5 deste mês, quando a UFMG, a Apubh, o Sindicato dos Trabalhadores nas Instituições Federais de Ensino (Sindifes) e o Diretório Central dos Estudantes (DCE) instituíram o Comitê UFMG em Defesa da Universidade Pública, Gratuita e Democrática, que agora integra a Frente Mineira.
Para a professora da Faculdade de Educação e ex-ministra-chefe da Secretaria de Políticas de Promoção e Igualdade Racial, Nilma Lino Gomes, a iniciativa “traduz a luta que deve se basear na indignação e criatividade”, como sugere Paulo Freire. Segundo ela, “não basta relembrar a importância dos 13 anos em que o país instituiu políticas de direitos humanos, tendo como marco a criação do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Agora é preciso reconhecer os desafios e reinventar resistências democráticas em defesa desses direitos”.
A professora destacou a relação entre diversidade, igualdade, equidade e justiça social, que “aos poucos, estava se tornando temas de estudos e eixos orientadores da educação básica e do ensino superior, por meio de diretrizes nacionais para educação em direitos humanos, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação”.
Diversidade e direitos humanos
Nilma Lino Gomes também reconheceu que as universidades e a sociedade ainda precisam avançar muito para efetivar uma prática social e educativa que favoreça a imbricação entre diversidade e direitos humanos. “A nossa concepção de direitos humanos ainda segue o padrão ocidental, marcado pela dificuldade em dialogar com costumes, valores, práticas e sociedades diferentes. Essa leitura uniformizadora é conservadora e pode restringir e até mesmo excluir outros sujeitos. Por isso, é um desafio internacional perceber essa relação entre diversidade, desigualdade e equidade, que deveria ser um dos eixos orientadores das políticas e das práticas em direitos humanos”, defende.
A professora acredita que historicamente, nas relações de poder, as desigualdades se acirram. “Alguns grupos, que representam a diversidade social, como mulheres, negros quilombolas, indígenas, pessoas com deficiência, populações LGBT, crianças e adolescentes, idosos, povos do campo, jovens da periferia, jovens negros, são vistos e tratados como não humanos, como inferiores, e por isso não usufruem de todos os direitos. A sociedade está sendo desafiada a refletir e indagar sobre quem são os humanos dos direitos humanos. Estamos sendo desafiados a reinventar a resistência democrática e nela inserir a pauta dos direitos humanos, resistir junto com quem milita em prol de uma pauta emancipatória, não uniformizadora e não conservadora.” Para a a professora, “não devemos temer a diversidade, mas encará-la como uma das formas de construir democracia e de superar as desigualdades.”
A professora Regina Helena Silva, do Departamento de História, afirmou que “estamos vivendo um momento de luta para retomar tudo que acreditávamos ser democracia formal, representativa, com nossas entidades e associações, tudo que nos foi tirado durante a ditadura civil-militar”. Ela citou a filósofa Judith Butler para enfatizar que “é impossível uma democracia num país onde só alguns podem ser salvos e outros são dispensáveis”.
A historiadora explicou que Butler parte do princípio de que as sociedades são divididas em dois tipos de pessoas: aquelas cujas vidas hão de ser salvas e aquelas dispensáveis. E essa diferença é definida por raça, gênero e condição econômica. “As mulheres, os pretos, os indígenas, os transexuais, os pobres são assassinados não pelo que fazem, mas pelo que são”, disse.
Segundo Regina Helena, é preciso não esquecer que “os Estados latino-americanos não perderam seu caráter neocolonial, e só quando forem verdadeiramente e inteiramente transformados, teremos projetos verdadeiramente democráticos”.
O presidente da Associação de Direitos Humanos da OAB, Willian Santos, afirmou que os 30 artigos que compõem a Declaração Universal dos Direitos Humanos revelam exatamente “o que não deveria acontecer com as populações”. Mas o que tem ocorrido, segundo ele, são mudanças nas leis que quiseram solidificar os artigos da Constituição, especialmente os artigos 5º e 6º e, agora, o 7º, que trata dos direitos trabalhistas. Na sua avaliação, “a força da resiliência deve estar na formação de redes, a exemplo da rede de advogados em defesa dos direitos humanos, que atua local e internacionalmente, favorecida pelo uso da internet”.
Também em apoio à Frente em Defesa da Educação e da Democracia, o representante do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Edinho Vieira, afirmou que a sociedade “vende os direitos mais básicos das populações, como educação, saúde e moradia”. E que, agora, é preciso “autocrítica para fazer com mais clareza políticas públicas que proponham acabar com a propriedade privada e investir em alfabetização e politização dos moradores de vilas, favelas e assentamentos, cujos direitos são cada vez mais negados”.