A pesquisa surgiu em 2009, da união de pesquisadoras da Escola de Farmácia (EFAR) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), atuantes nas áreas de pesquisa em plantas medicinais, nanotecnologia e parasitologia, com objetivo de encontrar um medicamento para a cura da doença de Chagas nas fases aguda e crônica. Estima-se que hoje existam aproximadamente 8 milhões de portadores da doença crônica na América Latina e que cerca de 10 mil mortes ocorram a cada ano. As drogas existentes para o tratamento, além de tóxicas, não são eficazes na maioria dos pacientes com infecção crônica.
TRAJETO DA PESQUISA – A ideia da pesquisa surgiu do conhecimento prévio de que a substância licnofolida, retirada da planta arnica, é capaz de agir contra o parasito Trypanosoma cruzi, agente etiológico da doença de Chagas. A professora Dênia Guimarães, especialista no estudo de substâncias naturais, avaliou o isolamento, a purificação e a caracterização da licnofolida. Já a professora Marta de Lana, especialista em Parasitologia, avaliou a ação da substância em animais de laboratório (camundongos) experimentalmente infectados.
Todas as etapas dessa pesquisa foram executadas pela ex-aluna de doutorado Renata Tupinambá Branquinho, sob orientação da professora Marta de Lana. Ao longo do processo, foi utilizada uma metodologia científica inovadora, a nanotecnologia. A professora Vanessa Carla Furtado Mosqueira, especialista na área, desenvolveu nanocápsulas para serem administradas por via intravenosa ou oral nos animais, objetivando revelar sua ação no tratamento da doença. Foi usado um nanocarreador com nanocápsulas de dois tipos, a convencional (com polímero PCL) e a não convencional (com polímero PLA-PEG). A primeira transporta a substância licnofolida e a libera no sangue, onde atua sobre a forma circulante do parasito, ou nos tecidos. Já a nanocápsula não convencional, segundo indicam os estudos, libera a licnofolida diretamente nas células onde se encontra uma outra forma do parasito que ali se multiplica. Deste modo, o novo tratamento, além de agir nos parasitas do sangue, age também nos que estão dentro dos tecidos — o que não acontece com os tratamentos até agora existentes —, aumentando a chance de cura do paciente nas fases aguda e crônica. Esses efeitos, ocorrendo conjuntamente, explicam o êxito desta descoberta.
O financiamento do trabalho veio de projetos patrocinados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), Rede de Nanotecnologia (FAPEMIG), Rede Nacional de Nanotecnologia – INCT/CNPq, Rede Mineira de Bioterismo (FAPEMIG), Rede TOXIFAR (FAPEMIG) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), além dos programas de pós-graduação em Ciências Biológicas, do Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas (NUPEB/UFOP), e em Ciências Farmacêuticas, da Escola de Farmácia da UFOP.
RESULTADOS – Segundo as pesquisadoras, curar a fase aguda é mais simples, visto que a infecção ainda é recente e a resposta terapêutica é melhor, pois o medicamento tem a chance de atuar nas formas sanguíneas, predominantes nessa fase da doença. Curar a fase crônica, por outro lado, é mais difícil, já que o medicamento tem que penetrar nos tecidos e células onde o parasito se situa e multiplica sem prejudicar as células do paciente, o que não acontece com eficácia nos tratamentos atuais. Por esta razão, o índice de cura na fase crônica e tardia da doença é muito baixo, e a cura é difícil de ser demonstrada, porque são necessários vários tipos de exames, alguns deles só feitos em laboratórios de pesquisa especializados em doença de Chagas. Até então, não havia medicamento ativo capaz de curar totalmente a infecção, pois muitos dos parasitos são resistentes aos tratamentos pelas drogas benznidazol e nifurtimox, classicamente empregadas no tratamento da doença de Chagas humana.
A pesquisa concluiu o máximo de percentual de cura por via oral, em ambas as fases da infecção, em camundongos, com a nanocápsula revestida pelo polímero PLA-PEG. Demonstrou, ainda, que essa nanocápsula diminui a toxicidade da substância, sendo eficaz em poucas doses e em menor tempo de tratamento, sem causar efeitos colaterais ou adversos aos pacientes. A nanocápsula com polímero PCL atingiu a cura total apenas na fase aguda e em alguns tipos de parasitos. Segundo a professora Marta de Lana, “é um resultado excepcional na literatura científica em doença de Chagas. Se quisermos que esse medicamento passe a ser industrializado e testado em humanos, é preciso que a Universidade faça um esforço junto a laboratórios farmacêuticos públicos ou privados, realizando a boa política de acompanhar essa caminhada. Precisamos de apoio”.
As publicações científicas resultantes dessa pesquisa têm tido ampla repercussão na literatura mundial e entre pesquisadores que trabalham com a doença de Chagas. O grupo conquistou várias premiações científicas, que reconheceram o mérito e a importância do projeto. Os resultados também estão sendo apresentados em congressos, como recentemente aconteceu no 8° Simpósio Anual de Sistemas de Liberação de Drogas – 2018, em São Petersburgo, na Rússia.
Atualmente, as pesquisadoras estão desenvolvendo uma start-up para encontrar um laboratório farmacêutico público ou privado que se interesse, junto ao Núcleo de Inovação Tecnológica e Empreendedorismo (NITE/UFOP), em produzir essa medicação em quantidade e qualidade suficientes para ser utilizada no ensaio clínico em pacientes.
Para aprofundar o conhecimento dos mecanismos de ação da licnofolida, uma das propostas é avançar no estudo da formulação marcada com substância fluorescente em cães — considerados bons para estudos de quimioterapia e evolutivamente mais próximos de humanos — para demonstrar, por microscopia eletrônica, que a nanocápsula libera a substância na célula onde está o parasito. Também planejam-se projetos de doutorado para estudar os mecanismos que explicam o sucesso dessa formulação farmacêutica.