Quantas crianças e adolescentes têm o seu trabalho explorado em Maceió atualmente? A resposta a esta pergunta está sendo buscada pelo estudo Crianças em Perigo: o trabalho infantil no Mercado Público e feiras livres de Maceió. A pesquisa envolve 20 escolas da rede municipal de ensino, localizadas no entorno de 15 mercados e feiras livres de Maceió, acessando crianças matriculadas em turmas de ensino fundamental 1 e 2 e adolescentes entre 15 e 17 anos.
“Visamos identificar situações de trabalho infantil informal que são consideradas pela Organização Internacional do Trabalho dentre as piores, porque nessas situações as crianças e adolescentes podem estar sujeitos a agravos à saúde, como também a acidentes letais, e outros prejuízos, devido à sobrecarga”, explica a professora da Ufal Márcia Iara da Costa, coordenadora do projeto. Márcia, que é doutora em Serviço Social, aponta que carregar peso acima da sua capacidade, manusear produtos perigosos, objetos cortantes ou estar pela rua, sujeito a atropelamentos ou ao tráfico de drogas, são fatores acarretados pelas piores formas de trabalho infantil, como carrego, catação de lixo e vendas ambulantes que, não por acaso, também são as mais difíceis de serem eliminadas.
O estudo é executado pelo grupo de pesquisa em Redes, Questões Geracionais e Políticas Públicas e pelo Núcleo Temático da Criança e dos Adolescentes, ligados à Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenados pela professora Márcia Iara.
São integrantes da iniciativa bolsistas da Faculdade de Serviço Social da Ufal e também colaboram estudantes da graduação e profissionais graduados nesta área.
A pesquisa conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas (Fapeal), que outorgou para o estudo R$ 38 mil em recursos específicos oriundos do Ministério Público do Trabalho (MPT). A procuradora do Trabalho Virgínia Ferreira destaca a importância da obtenção de diagnóstico do trabalho infantil na cidade de Maceió.
“O diagnóstico servirá como subsídio norteador para a adoção de políticas públicas mais efetivas com o objetivo de enfrentamento a essa chaga ainda tão presente em nossa sociedade”, declara a jurista, que também é titular regional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e Adolescente (Coordinfância).
Atuação
“Nossa proposta de abarcar os mercados públicos e feiras livres têm o objetivo de atingir toda a periferia de Maceió”, conta a professora Márcia Iara. O trabalho é feito a partir da aplicação de questionários e da realização de oficinas nas escolas da rede pública municipal, localizadas no entorno destes espaços.
“A princípio, propusemos 200 questionários por escola, mas as realidades têm sido bem distintas: há escolas que têm 800 crianças e escolas que não chegam a ter nem 300”, explica a pesquisadora.
A pesquisa se conecta a um projeto em âmbito nacional do MPT em escolas, que têm como objetivo levar aos professores uma ação educativa para a discussão do trabalho infantil, para que o tema seja absorvido pelos docentes e se torne transversal no conteúdo escolar. A participação das assistentes socais atuantes nas próprias escolas também é um ponto relevante.
“Outra coisa muito importante é a perspectiva do sistema de garantia de direitos, nos eixos de promoção, de defesa e de controle”, continua a docente, esclarecendo que os direitos são promovidos a partir do momento em que o trabalho é feito — em parceria com a Secretaria de Educação do município — diretamente com os professores, alunos e família, ou seja, a comunidade escolar.
O âmbito da defesa de direitos será integrado ao projeto quando começarem a ser feitas as entrevistas com os conselheiros tutelares da cidade, com participação dos gestores dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas), vinculados à Secretaria Municipal de Assistência Social. Já em relação ao controle está previsto a partir de atuação junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança.
Vivências
Em paralelo à aplicação dos questionários, são feitas oficinas com as crianças e adolescentes, onde se discute o curta-metragem educativo infantil Vida de Maria, abrindo um diálogo sobre o trabalho infantil, as consequências e sequelas, refletindo com eles sobre a realidade vivida por muitas crianças e jovens.
“As situações de trabalho infantil são denunciadas pelas crianças através dos desenhos. É um momento de preparação, até para eles compreenderem o tema com maior profundidade, especialmente num espaço onde a gente encontra muitas crianças ainda que não sabem ler. Mas eles sempre relatam algo que aconteceu com eles ou com amigos”, comenta Márcia Iara, apontando que estes dados são qualitativos, somando-se aos questionários, que consistem na parte quantitativa do estudo.
“Eu sei, mas o que eu posso fazer?”, é uma fala dos menores não raramente ouvida pelos profissionais envolvidos no levantamento. A pesquisadora finaliza alertando que alguns destes jovens e crianças em situação de trabalho infantil informal podem não conseguir se inserir no mercado de trabalho, por falta de uma escolarização básica apropriada, bem como por conta de problemas de saúde que venham a adquirir ao longo dos labores.
O projeto deve ser finalizado no primeiro semestre de 2019, quando os dados ficarão à disposição do MPT, da Fapeal e de demais órgãos públicos participantes.