O nome é longo e pode parecer misterioso para leigos, ainda assim, a dissertação de mestrado Detecção robusta de adulteração em áudio explorando a forma analítica e o subespaço dos sinais interferentes da rede elétrica tem aplicação em um cenário já bem conhecido no noticiário brasileiro. Desenvolvida pelo engenheiro e perito da Polícia Federal (PF) Paulo Max Innocencio, no mestrado profissional do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica (PPGEE) da UnB, a pesquisa propõe um novo método de detecção de adulteração em gravações de áudio digital. Aquelas mesmo, que frequentemente são apresentadas nos jornais como prova em denúncias de crimes.
Pela inserção do tema no cotidiano social, o trabalho foi escolhido pela Sociedade Brasileira de Ciências Forenses (SBCF) como o melhor em Ciências Forenses de 2018. O objetivo central do estudo é apresentar uma ferramenta que identifica se há alteração anormal na frequência de oscilação de sinais interferentes da rede elétrica. Esses sinais costumam ser incorporados em registros de áudio, porque nas gravações feitas em ambientes urbanos, o sinal eletromagnético emitido por rede e aparelhos elétricos é captado no arquivo e apresenta uma pequena variação. “É suave, como se fosse um sinal de sirene que aumenta e diminui”, descreve Paulo Max. Quando há edição, contudo, é possível identificar uma variação abrupta, captada pela ferramenta.
Do ponto de vista técnico, pericial, a pesquisa é relevante para atestar que uma escuta devidamente autorizada pela autoridade judicial, ou mesmo feita por um indivíduo de forma autônoma, por exemplo, não foi adulterada. Essa verificação pode ser determinante para a decisão de utilizar ou não o material como evidência em alguma investigação.
APLICAÇÃO – Existem várias formas de editar um áudio, como a mudança na frequência das palavras registradas, que altera o significado do que foi dito. Uma vez que o áudio esteja com a autenticidade questionada, o perito precisa saber identificar possibilidades de alteração no material. Para tanto, aplica várias ferramentas de identificação de veracidade do áudio. “Algo em torno de dez e 15”, quantifica o professor Lustosa. O produto do estudo de Paulo Max é justamente uma dessas ferramentas de validação. “A pesquisa propõe usar um estimador estatístico, que é um bom parâmetro para identificar anomalias, e, portanto, adulteração”, diz o egresso.
“Na Polícia Federal, é frequente recebermos áudios como meio de prova e eu trabalho diretamente com isso. Esse tipo de análise já ocorre, só que de forma assistida, e não de maneira automatizada. Essa mudança é o que proponho”, explica o perito e pesquisador. De acordo com ele, a perícia para esses casos se vale cotidianamente de gráficos, nos quais são buscadas anomalias. Dessa forma, a avaliação está sujeita à subjetividade do analista. Com a ferramenta automática, pode-se obter um resultado com maior acurácia e com tempo de execução mais célere. “O perito pode ter acesso a algo que, em uma situação a olho nu, talvez não captasse”, resume Paulo Max.
O protótipo da ferramenta está sendo aplicado no Instituto Nacional de Criminalística, órgão central da Perícia Criminal Federal, localizado em Brasília. Paulo conta que os colegas têm dado retorno positivo sobre a utilização. “Dizem que é uma ferramenta fácil de aplicar no uso corriqueiro, de muita utilidade.”
Professor João Paulo Lustosa avalia que a proposta é a melhor entre outras semelhantes. Foto: Arquivo pessoal
A ideia é ampliar o uso do protótipo dentro da PF. A técnica deve passar a integrar um programa em desenvolvimento na Polícia que agregará outras ferramentas de perícia. A proposta também tem potencial de uso pelo mercado pericial, por assistentes técnicos que fornecem serviços e para perícia em área civil.
MAIS EFICAZ – O método proposto teve resultados validados utilizando uma base de dados que contém uma centena de gravações telefônicas autorizadas de áudios não editados, e igual quantidade de gravações telefônicas de áudios editados. Além disso, os resultados obtidos foram comparados com estudos correlatos anteriores. “Os trabalhos que já existiam tinham acurácia inferior àquela da técnica proposta por Paulo”, comenta o professor João Paulo Lustosa.
O curso em que a pesquisa foi desenvolvida ocorreu graças a uma parceria da UnB com a PF para oferecer mestrado na área de informática forense e segurança da informação. A finalidade do mestrado profissional é justamente criar soluções com aplicação direta em contribuições para a sociedade.