Pesquisa que estuda possíveis ligações entre agrotóxicos utilizados no Brasil e o desenvolvimento da obesidade e outras doenças relacionadas, como a diabetes, está sendo realizada no Instituto de Saúde de Nova Friburgo (ISNF). A coordenadora do Laboratório Multiusuário de Cultivo de Células e Tecidos animais (LMCT) do Campus de Nova Friburgo, professora Flora Milton, e o coordenador do curso de graduação em Biomedicina do ISNF, professor Leonardo Mendonça, são os orientadores do estudo.
A investigação tem como objetivo avaliar se os agrotóxicos utilizados no Brasil possuem potencial obesogênico, ou seja, se podem induzir o acúmulo de gorduras no organismo. Os pesquisadores selecionaram 10 agrotóxicos que têm seu uso registrado no país, de classes químicas variadas para maior abrangência e veracidade nos resultados. O estudo foi dividido em duas etapas. A primeira, coordenada pela professora Flora, está sendo realizada agora, e trata-se das aplicações do produto e avaliações em cultivos de células. Já a segunda etapa, comandado pelo professor Leonardo, concerne os testes em camundongos. No entanto, por preocupações éticas, a equipe optou por diminuir o uso dos animais na pesquisa, e considerou a necessidade de, primeiramente, entenderem o funcionamento de todo o mecanismo molecular do que vêm verificando para somente, em seguida, fazer uma avaliação mais global através dos animais.
O Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos desde 2008. O glifosato, herbicida mais utilizado no país, é altamente conhecido por sua controvérsia. Listado inúmeras vezes como agente cancerígeno, o composto é também amplamente defendido por ruralistas e alguns especialistas pró-agrotóxicos. Além desse herbicida, muitas outras substâncias utilizadas no Brasil como defensivos agrícolas são proibidas na Europa e nos EUA, como o fungicida Tiram, que foi retirado do mercado dos Estados Unidos devido a sua associação com mutações genéticas e problemas endócrinos e reprodutivos, e o herbicida Lactofen, proibido na União Europeia desde 2007. Flora expõe o papel de uma pesquisa do gênero para nosso país, “O fato do Brasil ser o maior consumidor de agrotóxicos no mundo foi fundamental na nossa escolha do objeto. Precisamos estudar e mostrar os nossos resultados, para sermos levados em consideração até na regulamentação de novos produtos. Para podermos argumentar através de estudos e provas de que esses produtos fazem mal a saúde”.
Uma das regras utilizadas na escolha desses pesticidas para a pesquisa foi a aplicação oficial deles na produção nacional. “Um dos critérios utilizados foi o registro no Brasil desses produtos, nós precisamos utilizar as substâncias na forma pura, sem fixadores. Então compramos de uma empresa que comprova essa pureza, para termos a certeza de que é o agrotóxico em si que causa o efeito que estamos verificando. Escolhemos também agrotóxicos de classes químicas diferentes e que são utilizados em maior número de espécies e cultivares. Dessa forma, escolhemos agrotóxicos que têm mais relevância e que podemos, como cidadãos, estarmos expostos”, explica a professora.
A obesidade é uma doença multifatorial. Os desreguladores endócrinos – substâncias presentes no ambiente que podem interferir no metabolismo endócrino – por exemplo, possuem papel importante no desenvolvimento da doença, como destaca a professora Flora Milton. “Esses desreguladores endócrinos são fatores considerados contribuintes no desenvolvimento da obesidade, tanto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), quanto pela Associação Brasileira de Estudos da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO). Existem comprovações de que esses desreguladores contribuem como fatores externos no desenvolvimento da obesidade e da diabetes. E o que estamos investigando é se os agrotóxicos podem atuar nesses mecanismos. Encontramos o indício de que sim, temos um resultado de que o agrotóxico está induzindo o acúmulo lipídico em célula, nosso próximo passo é avaliar isso em animais”, explica.
O professor de Bioengenharia da Universidade da Califórnia e criador do termo obesogênico, doutor Bruce Blumberg, é colaborador do projeto de pesquisa. Quando esteve na Universidade de Brasília para o I Simpósio de Farmacologia do Distrito Federal, que aconteceu nos dias 12 e 13 de novembro de 2018, ele teve acesso aos resultados da pesquisa desenvolvida pelos docentes da UFF e considerou-os de extrema relevância. O professor Blumberg estuda os desreguladores endócrinos e os seus efeitos, os danos causados no DNA e se esses danos são hereditários. “O que não conseguimos fazer por aqui estamos buscando nessa colaboração com o cientista americano. A parceria está nos rendendo bons frutos”, ressalta Flora Milton.
A pesquisa é também uma parceria da UFF com a Universidade de Brasília (UnB). A UnB é colaboradora financeira do estudo, assim como fornecedora de materiais e de espaço para a realização de alguns testes específicos, como a PCR em tempo real. Este exame, que permite a visualização do DNA e a identificação da presença de patógenos na amostra, é utilizado para avaliação da expressão de genes relacionados à adipogênese, obesidade e resistência à insulina tanto em células quanto em animais.
Flora conclui apresentando os objetivos temporais do estudo. “A curto prazo esperamos identificar o potencial adipogênico dos agrotóxicos através do estudo em cultura de células. A médio prazo, avaliaremos se o potencial observado nas células também pode ser observado em camundongos. Os animais representam organismos mais complexos, onde outros fatores com certeza irão interagir com os agrotóxicos. E a longo prazo esperamos estabelecer uma relação do que foi observado no laboratório com os seres humanos”.