As visões sobre a reforma da Previdência abaixo não refletem nenhum posicionamento da Andifes. O objetivo dessa publicação é, exclusivamente, informar e auxiliar no debate acerca do tema.
Um problema no coração da reforma
Denise Lobato Gentil – Professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) nas disciplinas de Macroeconomia e Economia do Setor Público
A proposta de reforma da Previdência foi anunciada como indispensável e definitivo recurso pelos fundamentalistas do ajuste fiscal. Entretanto, há vários problemas, e um deles diz respeito ao coração da reforma, que é o regime de capitalização.
Essa estratégia não evita o déficit nem sequer o reduz, mas ao contrário, o aprofunda perigosamente. Isso porque há um custo de transição, que é a perda de receitas que o sistema de repartição, existente hoje, sofre quando as contribuições dos novos ingressantes passam a se destinar às contas individuais do regime de capitalização. As receitas caem ao mesmo tempo em que é necessário continuar a pagar o estoque de aposentados.
Portanto, no curto e longo prazos, um regime de capitalização aumenta o déficit da Previdência. Esse custo de transição costuma ser muito elevado. No Chile, o déficit previdenciário passou de 3,8% do PIB em 1981, ano da implantação da reforma, para um patamar acima de 5% do PIB nos 20 anos seguintes. A equipe econômica do ministro Paulo Guedes não mostrou nenhuma estimativa desse prejuízo para a sociedade brasileira. Há, portanto, um vácuo no debate.
Além disso, o regime de capitalização produzirá um resultado que já se sabe nocivo para grande parte da população que não conseguirá poupar, em função dos salários baixos, desemprego e trabalho intermitente, logo, poucos se aposentarão e, os que conseguirem, receberão benefícios de valores baixos, como demonstra a experiência da América Latina. O valor poupado acaba em poucos anos, dura apenas 5 anos em média, enquanto as pessoas continuam vivendo para além desse tempo, criando-se um enorme contingente de idosos na pobreza extrema. Além disso, esses fundos de capitalização tendem a diminuir o valor das aposentadorias, porque a taxa de administração anual é, no Brasil, entre 0,8% e 2% e, em certos casos, há mais uma taxa de carregamento que pode ser de 2% sobre cada depósito feito pelo contribuinte.
Outro ponto é que as pessoas não têm educação financeira suficiente para fiscalizar o que está sendo feito pelas administradoras, que acabam abocanhando grande parte do que é poupado por elas. O regime de capitalização é muito mais caro que o regime de repartição e, o que é pior, tem um risco financeiro alto que costuma ser subestimado. O fundo irá aplicar a poupança das pessoas em ações, títulos públicos, imóveis, derivativos e outros produtos financeiros cujos preços e taxas de retorno sofrem grandes oscilações e dependem, em parte, do próprio comportamento dos agentes desse mercado.
Há um risco financeiro sistêmico não controlável pela regulação dos fundos de previdência. Então, a verdade é que o mercado financeiro quer substituir o regime de repartição pela capitalização, em primeiro lugar, porque vai elevar enormemente a captação líquida e o patrimônio dos fundos de previdência; em segundo lugar, porque os capitalistas brasileiros não querem mais pagar contribuições sociais. Querem manter privilégios tributários da reforma trabalhista, dever e nunca pagar a dívida ativa tributária e sonegar sem nunca serem apanhados.
O regime de capitalização exime os capitalistas de participar da solução dos problemas sociais do país, entregando cada um à própria sorte. A reforma da Previdência não tem nada a ver com ajuste fiscal ou com a eliminação de privilégios. Veio para agigantar a disputa entre capital e trabalho pelo resultado da produção e pelos rumos da política macroeconômica.
Duas reformas, duas faces da mesma moeda
José Dari Krein – Pesquisador do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) e professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp
As reformas previdenciária e trabalhista se retroalimentam na perspectiva de fragilizar o sistema de proteção social, num país já fortemente marcado pelas condições de insegurança no trabalho, nos rendimentos, na doença, na velhice. Os dados mostram que, um ano após a entrada em vigor da reforma trabalhista, os resultados não foram os anunciados pelos seus defensores – nem criação de empregos e nem aumento da formalização dos contratos de trabalho. Pelo contrário, manteve-se o contexto de um desemprego extremamente elevado e continuou prevalecendo um processo de desestruturação do mercado de trabalho, com aumento dos trabalhadores sem carteira assinada, da subocupação, do trabalho por conta própria (80% não têm CNPJ e somente 30% contribuem para a Previdência).
A soma destes segmentos significa aproximadamente 40 milhões de ocupados, que estão na “ilegalidade”. Essa tendência em curso no mercado de trabalho é um dos principais fatores de fragilização das contas previdenciárias, também afetadas negativamente pelo baixo crescimento, elevado desemprego e seus impactos negativos sobre o poder de compra dos rendimentos do trabalho.
Adicionalmente, a reforma trabalhista traz outras duas complicações para o financiamento da seguridade: 1) a tendência de crescimento de ocupações precárias, com menor remuneração e com o avanço da terceirização, das relações de emprego disfarçadas (especialmente os contratados como Pessoa Jurídica, mais de 4 milhões de “empresas” sem empregados segundo a RAIS), dos contratos intermitentes (ainda é baixo, mas com tendência de crescimento); e 2) o estímulo para pagar o trabalhador com verbas não salariais, tais como o Programa de Participação dos Lucros e Resultado e por bens, serviços, benefícios sociais, o que significa que sobre esses valores não há incidência de encargos sociais para a seguridade social.
Ou seja, na atual lógica de regulamentação do trabalho, combinada com uma fragilização das instituições públicas e do sindicalismo, e com alto desemprego, a tendência é destruir a seguridade pública, por meio do estrangulamento das suas fontes de financiamento.
Assim, por um lado, as pessoas terão muito mais dificuldade de conseguir preencher os critérios necessários para acessar os benefícios da seguridade social, em que a elevação da idade média dos mais pobres para concessão deve-se fundamentalmente a impossibilidade de comprovar tempo de contribuição. Por exemplo, em 2014 o percentual de aposentadorias com até 19 anos de contribuição foi de 30,8%, sendo que entre as mulheres o percentual atingiu 44,4%. A elevação para 20 anos de contribuição significará um aumento de pessoas acima da idade mínima sem direito de aposentadoria e com muita dificuldade de conseguir emprego, dada a discriminação existente no mercado de trabalho para os mais velhos. O desemprego para as mulheres negras acima de 60 anos cresceu 146% entre 2014 e 2018. Por outro lado, as fontes de financiamento estão comprometidas com as atuais condições do mercado de trabalho, como já apresentado acima.
O pior é que a proposta da “nova reforma” previdenciária tende a retroalimentar o atual processo de desestruturação do mercado de trabalho, afetando ainda mais negativamente o nível de emprego. Ademais tem como objetivo explícito articular a fragilização da proteção social pública da seguridade com o aprofundamento da retirada de direitos trabalhistas por meio da proposta da “carteira verde amarela”, que significa o fim das contribuições sociais do contrato de trabalho e o estímulo para cada trabalhador criar, no mercado, o seu fundo de capitalização. Ao mesmo tempo em que priva o ocupado do acesso aos direitos, também inviabiliza a previdência pública.
A ampliação abrupta da idade mínima e/ou tempo de contribuição social para vários segmentos sociais, ou seja, a elevação da exigência de maior tempo de trabalho – num país incapaz de utilizar a força de trabalho de cerca de 12 milhões de desempregados e de elevar a produtividade de dezenas de milhões de outros trabalhadores ocupados em atividades informais e pouco eficientes – tem um potencial de brutal elevação do desemprego, com o adiamento da saída do mercado de trabalho de milhões de brasileiros nos próximos anos, num contexto de elevado desemprego e de entrada ainda relativamente muito expressiva dos jovens no mercado de trabalho brasileiro.
Portanto, as duas reformas são partes de um mesmo processo de inviabilizar a proteção social e submeter as pessoas às inseguranças, inequidades e instabilidades presentes na lógica de gerenciamento da vida no “mercado”, o que pode abrir possibilidades de negócios para o mercado financeiro, mas tem forte efeito de desorganizar ainda mais a vida social, com potencial de deixar muitas pessoas desprotegidas, e de ampliar a barbárie do Brasil contemporâneo.
Além disso, elas não resolvem os problemas fiscais, do mercado de trabalho, e nem do baixo ritmo de crescimento econômico, mas tendem a destruir a perspectiva de construção de uma nação com inclusão social. Isso sem contar o agravante de que estas são reformas com efeitos duradouros e difíceis de serem revertidas.
Por isso, não resta outra opção no curto prazo que não seja a de resistir ao que está proposto para abrir, em um segundo momento, espaço para uma discussão substantiva sobre como enfrentar os desafios para construção de um mercado de trabalho, com direitos e proteção social, preservando uma vida digna para as pessoas que precisam trabalhar e que têm o direito de viver com plenitude todas as fases da vida.
Modelo atual gera déficits crescentes
Luiz Eduardo Gaio – Professor dos cursos de Administração e Engenharia da Produção da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA) da Unicamp
O Governo Federal acaba de protocolar no Congresso a proposta para reformar a Previdência no Brasil. Com ela, vem uma enxurrada de críticas sobre o impacto que pode causar na vida de todos. Sabemos que, por trás das críticas, sempre há interesses particulares. Afinal, trata-se de um tema complexo, que merece ampla reflexão pela sociedade.
O problema é que nosso modelo atual possui diversas distorções que favorecem alguns grupos de média e alta renda da sociedade, além de ocupar metade de todo o orçamento do Governo Federal. Dinheiro que poderia ser utilizado para investir no ensino, saúde, assistência social, obras públicas etc.
Em uma análise geral, percebe-se que a proposta possui diversos pontos positivos, que visam corrigir as distorções existentes e seguir padrões internacionais, como o estabelecimento de uma idade mínima, a equiparação entre os Regimes Próprios de Previdência Social (setor público) e o Regime Geral de Previdência Social (setor privado), a criação de alíquotas progressivas de contribuição, mecanismos de incentivos para empresas contratarem aposentados, ou, até, não demitirem pessoas que estão na eminência de se aposentar, três regras de transição, entre outros.
Por outro lado, a proposta possui alguns pontos que merecem um pouco mais de reflexão, como o aumento do tempo de contribuição do setor rural, atingindo principalmente a população do Norte e Nordeste, alteração no regime dos professores, a possibilidade de aposentadorias com valores abaixo do salário mínimo, alteração do Benefício Assistencial ao idoso e à pessoa com deficiência (BPC), mudanças nas pensões por morte, etc.
Apesar de ir contra os anseios da população, o estabelecimento de uma idade mínima é fundamental para a sustentabilidade de um sistema por repartição, no qual quem está na ativa paga para quem está inativo. Os números do Anuário Estatístico da Previdência Social mostram que o valor médio das aposentadorias concedidas em 2017 para quem se aposentou por idade foi próximo de um salário mínimo. Já para os que se aposentaram por tempo de contribuição, o valor passou dos três salários mínimos. Sem contar que a idade média de aposentadoria por tempo contribuição foi próxima de 50 anos. No setor público esse cenário é ainda mais crítico, devido à integralidade salarial.
Isto indica que as pessoas de mais baixa renda já se aposentam por idade, por não conseguirem o tempo mínimo de contribuição necessário. Afinal, a maioria trabalha na informalidade, sem carteira assinada. Assim, o estabelecimento de uma idade mínima afetaria mais as pessoas de renda média, que trabalham no mercado formal, do que os de baixa renda que estão no mercado informal.
A equiparação entre os regimes público (RPPS) e privado (RGPS) é também fundamental. Além de evitar as desigualdades, esse modelo de integralidade salarial não é sustentável financeiramente para o sistema de repartição. O Brasil caminha para um futuro no qual a proporção de pessoas acima de 65 anos vai mais que dobrar em relação ao que temos hoje. Dessa forma, a relação ativo/inativos no setor público pode ser inferior a um (1). Ou seja, teremos mais pessoas aposentadas do que ativos contribuindo com a Previdência. Além disso, hoje são gastos cerca de 13% do PIB com Previdência (pública e privada). Número igual ao do Japão. No entanto, o Brasil possui somente 8% da população com idade superior a 65 anos, contra 26% do Japão. Isto evidencia a desproporcionalidade dos gastos.
Enfim, acredito que devemos ter um debate qualificado envolvendo a sociedade, por meio do qual todos os pontos sejam expostos de forma transparente e clara, pois o modelo atual vem gerando déficits crescentes que superam os gastos em educação e saúde juntos, o que fomenta ainda mais as desigualdades no país. Precisamos de um sistema mais justo e sustentável no longo prazo.
Como devemos debater a reforma da Previdência?
Pedro Paulo Zahluth Bastos – Professor associado do Instituto de Economia (IE) da Unicamp e pesquisador do Cecon. Foi professor visitante na UC Berkeley (2017-2018)
A discussão da reforma da Previdência não deve começar de seus detalhes técnicos (idade mínima de aposentadoria, tempo de contribuição, categorias especiais etc). Eles são importantes, mas antes precisamos entender o sentido da Previdência. Caso contrário, o debate fica restrito aos técnicos e não é acessível aos maiores interessados, ou seja, os cidadãos brasileiros.
Há basicamente dois modelos de Previdência no mundo. O primeiro modelo foi criado na década de 1930 depois da Grande Depressão, a crise global que criou milhões de desempregados. O desespero econômico e a humilhação social criaram terreno fértil para os demagogos autoritários que conduziram seus países para a Segunda Guerra Mundial.
A alternativa democrática foi o Estado de Bem-Estar Social, iniciado nos EUA de Roosevelt e na Europa Nórdica pelos partidos social-democratas. O princípio foi a garantia da segurança econômica para trabalhadores, desempregados, doentes e idosos de modo que os horrores do fascismo não se repetissem.
O segundo modelo avançou na década de 1980 no bojo da revolta empresarial contra o Estado de Bem-Estar. Empresários, parcelas da classe média e seus representantes políticos e intelectuais exaltaram a livre-iniciativa individual e criticaram o princípio de seguridade econômica que justificava a redistribuição de recursos de ricos para pobres e remediados.
A seguridade deveria ser substituída pela meritocracia. A prioridade da política social seria abandonar critérios elevados de bem-estar e focar nos extremamente pobres, garantindo apenas critérios mínimos de sobrevivência. Ao invés de assegurar o patamar salarial na aposentadoria, a Previdência pública deveria afiançar o mínimo e ser complementada pela poupança privada individual.
Na prática, a migração para fundos de pensão com contas individuais aumentou a desigualdade na velhice e criou grandes oportunidades de negócios na previdência privada, sem aumentar a taxa de investimento ou o PIB como prometido.
No Brasil, o direito social tornou-se pilar constitucional a partir da década de 1930, mas sua cobertura foi extremamente desigual até a Constituição de 1988 (CF-88). No mesmo momento em que reformas neoliberais limitavam o Estado de bem-estar em muitos países, o Brasil tardiamente integrou o sistema de aposentadoria à Seguridade Social, articulando ações nas áreas da saúde, assistência social e seguro-desemprego.
O artigo 195 da CF-88 instituiu o Orçamento da Seguridade Social, criando contribuições sociais para compensar a carência de contribuições individuais. O princípio da seguridade envolve redistribuição, o que torna residual a pobreza na velhice, além da extrema-pobreza e da pobreza rural. Calcula-se que quase 30% da queda da desigualdade de renda entre 2003 e 2012 decorreu do pagamento de aposentadorias e pensões pelo Estado.
É o princípio da seguridade que é “reformado” com pouco debate hoje, uma vez que a discussão vem se limitando aos detalhes técnicos. O sentido da reforma é a mercantilização (“capitalização”) da Previdência.
Quando os princípios (seguridade versus mercantilização) são discutidos, os “detalhes” assumem significado mais amplo e tocam em questões mais profundas do que o equilíbrio contábil: se as “contas não batem” com receitas próprias, devemos abolir também as escolas, os hospitais e até mesmo as polícias? Para “as contas fecharem”, quantas brasileiras (e brasileiros) vão trabalhar até morrer? Quantos vão contribuir para o sistema sem receber dele na velhice? Quantos vão optar por não formalizar contribuições e permanecer desprotegidos por causa da expectativa de que, mesmo que contribuam, não serão protegidos? Como garantir as contribuições necessárias até mesmo para o equilíbrio contábil sem a expectativa de alguma solidariedade social na velhice e sem a recuperação do emprego formalizado?
Há perguntas ainda mais profundas. Uma sociedade desigual como a brasileira deve transitar para um regime de contas de poupança individuais ou deve aperfeiçoar um sistema robusto de redistribuição para financiamento solidário da seguridade social? Por que os indivíduos, ricos ou pobres, não são entendidos como cidadãos com diferente capacidade contributiva e que têm compromisso com um coletivo nacional e não apenas consigo mesmos ou, no máximo, seus familiares? Qual é o patamar adequado que a sociedade brasileira deve redistribuir, com justiça fiscal, para que cidadãs e cidadãos participem dos benefícios da civilização moderna e tenham proteção contra doenças, desinformação, desemprego e velhice indigna?
São perguntas deste tipo que deveriam orientar o debate sobre a reforma da Previdência. Formada por intelectuais financiados pela coletividade, a universidade pública deve contribuir mais para popularizar este debate.
Objetivo é acabar com o regime de repartição
Pedro Rossi – Professor do Instituto de Economia (IE) da Unicamp
O conceito de reforma remete à mudança para aprimoramento e/ou conservação. No caso da reforma da Previdência, não se pretende aprimorar a previdência pública tal como conhecemos, muito menos conservá-la. Pelo contrário, trata-se de esvaziá-la para que seja substituída por um novo regime previdenciário: o sistema de capitalização, que será detalhado por lei complementar conforme o artigo 201 da proposta de reforma da Previdência (PEC 6/2019).
Para isso, a reforma cria incentivos individuais para o abandono do atual sistema. Para que contribuir para algo que não vou usufruir? Uma pessoa pobre que entra e sai da informalidade e do desemprego dificilmente vai cumprir o tempo mínimo de contribuição exigido pela reforma. O aumento do tempo mínimo de 15 para 20 anos é especialmente perverso para os mais pobres e de menor escolaridade. Hoje, o tempo médio de contribuição é próximo de 15 anos para quem se aposenta com o 5º ano incompleto e em torno de 29 anos para os que se aposentam com superior completo.
Assim, caso aprovada, a nova regra vai restringir o direito de acesso à aposentadoria das parcelas mais vulneráveis da população. Dado o rigor da regra, muitos vão evitar contribuir para a Previdência por meio de contratos informais ou vão migrar para o regime de capitalização.
Da mesma forma, pessoas de renda média e alta terão incentivos para sair do atual regime para não esperar até os 62/65 e cumprir 20 anos de contribuição e se aposentar com apenas 60% da renda média, ou 40 anos para se aposentar com 100%.
Dessa forma, o rigor das novas regras deve levar ao abandono gradual do regime público de repartição. E, mesmo que o congresso retire a capitalização da proposta, o problema estará colocado enquanto regras rigorosas não atenderem as expectativas individuais dos contribuintes. Ou seja, assim como o sucateamento de um serviço público fortalece o apoio popular por sua privatização, essa reforma dará suporte social ao regime de capitalização como alternativa.
Além disso, a migração para o regime de capitalização é contraproducente e socialmente indesejável, pois acarreta dois problemas, um fiscal e outro social.
Do lado fiscal, a transição para o regime de capitalização traz um custo enorme para o Estado, uma vez que cada trabalhador da ativa que migra de regime deixa de financiar os aposentados. Contraditoriamente, a proposta de reforma pode desfinanciar a Previdência. E não há, na proposta ou no debate público, nenhuma sinalização de como esse problema será resolvido.
Do ponto de vista social, a transição para um novo regime implica na migração da seguridade para a assistência social, conforme já apontado pelo meu colega da Unicamp Eduardo Fagnani. Trata-se de abandonar um mecanismo público de proteção social que garante direitos e adotar uma política focalizada de proteção aos necessitados. Na prática, a reforma pode produzir um contingente de desamparados – que não conseguem se aposentar pelo regime de repartição tampouco acumular fundos suficientes para uma aposentadoria digna no regime de capitalização – que serão alvo de políticas assistenciais, como o BPC, desvinculadas do salário mínimo.
Por fim, rejeitar essa proposta não é negar a necessidade de uma reforma que recomponha as fontes de arrecadação, que faça uso, sim, de alíquotas progressivas, que aproxime os regimes próprios do regime geral. No entanto, o problema dessa proposta não está nos detalhes, mas na própria essência; seu objetivo é acabar com a Previdência Social como um regime de repartição fundado em transferências intergerracionais e no princípio da solidariedade.