Indígenas de diferentes etnias contam sobre as trocas de saberes tradicionais e acadêmicos na UFMG
A estudante de Agronomia Neilma Rodrigues Souza, 21 anos, ingressou em 2019 no Instituto de Ciências Agrárias da UFMG, em Montes Claros. Oriunda da Aldeia Tenda Rancharia, município São João das Missões, no Norte de Minas, a aluna Xakriabá espera integrar os saberes tradicionais aos conhecimentos científicos para ajudar sua família e seu povo. “Meu pai me ensinou que, quando o vento sopra pela esquerda, é sinal de chuva e tempo próprio para o plantio. Ele sonha com esta minha graduação para trabalharmos juntos”, revela Neilma.
No próximo mês, o professor de ensino médio Érick Xakriabá, 26 anos, da Aldeia Sumaré 1, a segunda maior entre as 36 em São João das Missões, passa a integrar a nova leva de alunos da UFMG que se habilitará em Ciências da Vida e da Natureza, uma das quatro ofertadas pela Formação Intercultural de Educadores Indígenas. Iniciativa da Faculdade de Educação, a Fiei prepara professores para atuarem nos ensinos fundamental e médio de suas comunidades.
Érick ingressou, neste ano, em Odontologia, um dos seis cursos regulares de 2019 que abriu processo seletivo para preenchimento de 12 vagas suplementares para estudantes indígenas. “Quando a gente chega à UFMG estranha o conhecimento científico, que obriga a provar tudo. Mas como dizem nos anciãos: um pé no mundo e outro na aldeia”, afirma
Saber esquentado pelo cotidiano
Aprovado pelo Enem 2018, o indígena urbano Eni Carajá, 57 anos, da etnia Karajá, da Ilha do Bananal, em Tocantins, cursa Antropologia na Fafich. Ingressou na UFMG por meio de cotas indígenas e para pessoas com deficiência. Conselheiro de saúde no enfrentamento da hanseníase e com atuação em defesa dos idosos e pela igualdade racial, Eni Carajá destaca a importância da formação acadêmica que leve em consideração os conhecimentos práticos da militância social. “Ultrapassar os muros da UFMG não foi fácil, mas eu acredito na efervescência do saber da academia que deve ser esquentado pelo saber cotidiano”.
O tutor do projeto Conexões de Saberes Indígenas, Fernando Vale, professor do Departamento de Botânica do ICB, faz uma avaliação positiva da fusão de saberes indígenas e acadêmicos. “Ela possibilita uma troca rica de aprendizados para todos, inclusive para os não indígenas e os docentes, que passam a perceber que o Brasil é muito maior do que se imagina”, analisa Vale.
Entrevistados: Fernando Vale (tutor dos estudantes / Programa Conexões de Saberes Indígenas), Érick Xakriabá (estudante de Odontologia), Neilma Xakriabá (estudante de Agronomia) e Eni Carajá (estudante de Antropologia)
Equipe: Soraya Fideles (produção e reportagem), Vanessa Magalhães (produção e imagens/Instituto Ciências Agrárias), Antônio Soares e Cássio de Jesus (imagens), Otávio Zonatto (edição de imagens) e Flávia Moraes (edição de conteúdo)