Caso alcancem as universidades públicas, os Decretos 9.725/2019 e 9.794/2019 – recentemente publicados pelo governo federal – representarão o fim da autonomia administrativa dessas instituições de ensino, violando uma garantia prevista no artigo 207 da Constituição de 1988.
O alerta é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal. Dados apresentados pela PFDC apontam que, ao extinguir cargos em comissão e funções de confiança no âmbito do Poder Executivo federal, o Decreto 9.725/2019 acarretou o corte de mais de 8,3 mil funções gratificadas em universidades em todo o país. Na Federal de Uberlândia (UFU), por exemplo, o número de cargos extintos pelo decreto foi de 432. Na Federal do Pará (UFPA), o corte foi de 423 funções, enquanto na Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de mais de 390.
Já o Decreto 9.794/2019, por sua vez – ao disciplinar as nomeações, exonerações, designações e dispensas para cargos efetivos, em comissão e funções de confiança de competência originária do presidente da República –, retirou dos reitores das universidades federais a possibilidade de realizar nomeações para os cargos de vice-reitor, pró-reitor, procurador-chefe das IFES, diretor e vice-diretor de unidade universitária e de direção de unidades administrativas e suplementares. Com o decreto, essas atribuições foram delegadas ao ministro da Casa Civil.
Em uma representação encaminhada nesta quinta-feira (23) à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão alerta sobre a violação ao princípio constitucional da autonomia universitária e propõe que uma ação seja apresentada ao Supremo Tribunal Federal para excluir, do âmbito de incidência dos dois decretos, as universidades públicas federais.
O entendimento é de que a extinção abrupta de funções comissionadas, em número impressionantemente alto, compromete quase que em absoluto o funcionamento administrativo dessas instituições. Do mesmo modo, a transferência para a Casa Civil da competência para nomear e designar cargos e funções, transformará as universidade públicas em unidades do Ministério da Educação – sem, portanto, qualquer dos atributos que historicamente ostentam e em desacordo com a sua conformação constitucional.
Autonomia e liberdade de cátedra
No posicionamento, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão destaca que a ideia da autonomia está no embrião da universidade. Isso porque, desde sempre, a sua concepção foi a de espaço de produção de reflexão crítica, sem dogmas e preconceitos, livre da censura religiosa, política e econômica.
A PFDC aponta que o financiamento dos custos e a gestão administrativa das universidades foram seguindo modelos variados no mundo – público, privado e misto –, com diferentes graus de autonomia.
No Brasil, a partir de 1988, a autonomia administrativa, ao lado da didático-científica e de gestão financeira e patrimonial, ganha status constitucional, explicitado no artigo 207. E a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/1996) especifica essa autonomia em seu artigo 54, ao estabelecer, entre outros aspectos, que as universidades mantidas pelo Poder Público gozarão de estatuto jurídico especial para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento.
“A despeito de jamais implementada integralmente, e de as universidades federais estarem administrativamente vinculadas ao Ministério da Educação, parece pouco razoável negar qualquer densidade à regra da autonomia administrativa das universidades”, pontua a PFDC.
O órgão do MPF destaca que o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, sempre concebeu a autonomia universitária de forma bastante ampliada, apenas com a ressalva de que “autonomia” não é sinônimo de “soberania”.
“Significa dizer que as universidades se submetem aos controles próprios da administração pública, no tocante à aplicação dos recursos que lhes são alocados, mas com ampla autonomia na gestão de pessoal”.