No último dia 25, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) recebeu os economistas Adolfo Sachsida, Antônio Lacerda, Esther Dweck, Guilherme Mello e Rafael Cardoso para debater sobre conjuntura e perspectivas econômicas no Brasil.
Com distintas atuações nas áreas econômica, acadêmica e governamental, os palestrantes realizaram um debate que resultou em muitas reflexões por parte dos reitores e convidados, que puderam levantar questões sobre a Emenda Constitucional 95 – a chamada Lei do Teto, Reforma da Previdência, Abertura de Mercado, e as possíveis ações em prol da retomada do crescimento da economia brasileira. Os especialistas concordam que levará algum tempo para que a economia volte a crescer, mas divergem quanto ao prazo que será necessário.
Lembrando que o debate sobre a conjuntura é uma prática da Andifes, a reitora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Myrian Serra, também avaliou como “muito positivo” o conteúdo do seminário. “É importante que a Andifes debata com pessoas de áreas distintas, inclusive do ministério da Economia e com acadêmicos de diversos setores, para que possamos discutir a conjuntura política e fiscal e quais são as perspectivas futuras. O seminário foi importantíssimo, porque a partir dessa avaliação, a gente pode reorganizar nossas ações e metas para o futuro, considerando a perspectiva econômica do Brasil nos próximos anos.”
O reitor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Marco Hansen, destaca a natureza plural do seminário. “É de extrema importância que se coloquem profissionais de diferentes instituições, governo e sistema bancário, permitindo fazer uma reflexão sobre a situação econômico-financeira do país. Nesta perspectiva, é possível antever o cenário preocupante que se avizinha para os próximos anos, na busca de um crescimento do país. Foi um evento muito instrutivo e que permitiu ter uma noção mais abalizada da conjuntura nacional. Parabéns à Andifes por ações desta natureza.”
De acordo com o reitor da Universidade Federal do ABC, Dácio Matheus, o seminário tratou de questões que permeiam o centro das preocupações dos reitores quanto ao futuro da economia brasileira. “Destaco o alto nível dos palestrantes convidados pela Andifes e, também, a pluralidade de pensamentos e o teor das discussões, o que foi bastante elucidativo para o conjunto de reitores já que, com certeza, nos trouxe vários subsídios para a discussão que temos travado no que diz respeito ao financiamento das universidades, ao papel das universidades no desenvolvimento político, econômico e social do nosso País e a perspectiva para os próximos anos. O que nos chamou muito a atenção foi a concordância, quase unânime, de que as perspectivas de recuperação são bastante preocupantes, e os indicadores apontam para uma recuperação lenta, que deve demorar ainda alguns anos para que a gente possa retomar os níveis de desenvolvimento econômica dos anos anteriores. O que também chamou a atenção foi a divergência de expectativas sobre as reformas da previdência e tributária, na perspectiva de recuperação econômica no curto prazo. Há uma visão que predomina entre os atores do governo de que essas reformas devem produzir efeitos rápidos na arrecadação, o que foi questionado por vários palestrantes e que é o centro das nossas preocupações. O seminário nos trouxe subsídios para a negociação de como alavancar o desenvolvimento econômico, colocando o ensino como investimento – não como gasto, como parte da solução – não como problema. E a universidade é um espaço privilegiado para discutir essas questões e para apontar caminhos de solução. Parabenizo a Andifes pela iniciativa e pela altíssima qualidade dos seminários que promove.”
Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, explicou o cenário econômico sob a ótica do Governo Federal. Ele defendeu a reforma da previdência na forma como o texto foi encaminhado ao Congresso Nacional em fevereiro, a abertura de mercado, e concordou que a Emenda Constitucional 95 pode ser aprimorada.
“Eu acho que medidas pró-mercado vão nos elevar a um equilíbrio muito superior. Qual é a importância da despesa primária em um país com dívida social? Fundamental. Por isso defendo tanto políticas pró-mercado, para a gente parar de pagar tanto dinheiro de juros. Sobre a Emenda Constitucional 95, foi inteligente? Aqui é uma pergunta difícil de responder. Eu, honestamente, acho que foi, mas eu entendo o contraponto. Por exemplo, eu quero trazer dinheiro para minha universidade, mas, se eu trouxer, eu perco o orçamento. Então que estímulo é esse? Nós iremos manter a Emenda Constitucional 95, mas podemos ouvir propostas da Andifes para melhorarmos isso.”
Sobre a Reforma da Previdência, Sachsida acredita que seja um passo fundamental, mas não a única solução para a retomada do crescimento. “A reforma é essencial, mas, sozinha, não será suficiente para garantir a retomada de altas taxas de crescimento. Honestamente, estamos numa situação tão ruim que só isso não basta mais. O PIB vai sair de 0,8% e vamos para 1,6%? Continua sendo baixo. Hoje esse 1,6% está quase um sonho muito distante. Temos de agir para a coisa não ficar pior ainda”.
Ao encerrar a participação no seminário, Sachsida afirmou que “as portas estão abertas” para o diálogo.
Antônio Lacerda, professor e diretor da Faculdade de Economia, Administração, Ciências Contábeis e Atuariais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), acredita que a Emenda 95 atrai resultados negativos para a economia e afirma que o texto possui um erro em sua ‘essência e origem’. Para ele, o corte de gastos sociais e de investimentos pelo governo tem resultado em um processo que precisa ser revertido com urgência. “Um erro básico é a comparação da economia do País com a economia doméstica. O ajuste fiscal só é possível com o crescimento econômico – não o contrário. Sobre a abertura da economia, o problema do Brasil não é falta de abertura, é falta de competitividade. Basta comparar o custo do crédito e da burocracia no Brasil com o dos concorrentes. A solução não é mais abertura, mas, sim, diminuir essa diferença, começando pela competitividade sistêmica, melhorando o ambiente, mas não pelos caminhos que estão sendo colocados. Eu gostaria de ser mais otimista, mas o caminho que se desenha para nossa política econômica é péssimo e é um caminho que já se sabe no que vai dar, basta ver a história econômica. As perspectivas são muito ruins, no curto, médio e longo prazo porque nada colabora para você reverter esse quadro mas, sim, aprofundá-lo.”
Guilherme Mello, professor do Instituto de Economia da UNICAMP, afirmou que é preciso muita cautela na política que defende a abertura do mercado brasileiro. “Essa história de que a economia brasileira é fechada e que abrir a economia vai gerar arrecadação, emprego e aumentar o bem-estar da população, é o mesmo argumento defendido na década de 1990. Não é uma questão de ser a favor ou contra a abertura, mas de se perguntar qual é a melhor estratégia para isso.”
Guilherme defendeu a ampliação da rede de universidades federais como política de inclusão social. “Eu fiz faculdade na USP e PUC-SP, nas duas, eu quase não tive colegas negros. Hoje, nas classes onde ministro minhas aulas, 80% dos alunos vêm de escola pública, tem negro e indígena. Não se trata só de ampliação da rede, mas de política de inclusão, algo fundamental para distribuir renda e, também, para fazer da nossa sociedade, de fato, uma sociedade, não um acampamento para poucos.”
Por fim, Guilherme manifestou sua contrariedade quanto à Emenda Constitucional 95. “A Emenda Constitucional gera o seguinte constrangimento: o crescimento econômico não virá por parte do Estado nos próximos 20 anos. Então, tem que vir do setor privado. É a única fonte possível. O problema é que o setor privado responde por demanda e, como o Estado não pode demandar, nada acontece.
Rafael Cardoso, economista-chefe da Daycoval Asset Management, acredita que a Emenda Constitucional 95 imponha limitações à economia brasileira. “Eu não acho que o governo vá rever o teto, apesar de tantas imperfeições. Então, qual seria a saída? Na minha opinião, é fazer a equalização das questões de médio e longo prazo e, com essas questões equalizadas, alcançar algum estímulo da demanda. É uma ideia antiga, mas seria uma saída positiva para o governo. Infelizmente, a política fiscal vai fazer pouco pela educação nos próximos anos.”
Mostrando-se pouco otimista quanto ao tempo que levará para a retomada do crescimento econômico, Rafael explica que o baixo consumo praticado pelas famílias tem impactado no cenário. “A falta de consumo e os níveis de atividade setoriais têm refletido no enfraquecimento da economia. No início do ano, os analistas acreditavam que o PIB cresceria 2,5% em 2019. Atualmente, as estimativas estão em 1%, com viés de baixa. O cenário externo tem sido mais favorável, com grandes chances, inclusive, de que os Estados Unidos reduzam os juros. Uma taxa mais alta no país leva a saída de recursos de nações emergentes, como o Brasil.”
Ao comentar a fala de Adolfo Sachsida sobre a recuperação da economia ocorrer em médio prazo, Rafael foi cauteloso. “O que estamos assistindo agora é muito parecido com o que vimos em 2016. Houve um excesso de otimismo com as projeções para o PIB de 2017, mas elas não se confirmaram. Quando a confiança sobe, você espera que ela se traduza em aumento da atividade mais adiante. O problema é que a confiança é uma condição necessária, mas não é condição suficiente para que a economia cresça. O país ainda sofre com o desemprego elevado e a grande ociosidade nas indústrias.”
Esther Dweck, professora Adjunta do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), se manifestou contrária à privatização das estatais brasileiras e alertou para o risco de perda da produção nacional, ao que chamou de “desnacionalização”. “O que está acontecendo no Brasil, hoje, é que, além do governo não fazer seu papel, que seria ajudar na distribuição de renda e no crescimento econômico, por meio diretamente dos gastos públicos, ele também está tirando os outros instrumentos que ele tem, como é o caso dos bancos públicos e das estatais em geral.”
A economista afirma ser “mais que urgente” discutir uma reforma tributária e um projeto de desenvolvimento inclusivo, já que os pobres pagam mais impostos no Brasil e são os penalizados com cortes na área social, como Saúde, Educação, Segurança Pública e Justiça. “O que está proposto é um desmonte, não é uma reforma. Mas, a reforma que a gente mais precisa, no Brasil, é a tributária.”
Dweck também alertou para os riscos da abertura de mercado. “A lógica liberal de que abrir o mercado vai dar acesso à produção e isso será maravilhoso para seu país, não importa o que aconteça, não faz sentido. É preciso estratégia.”
Sobre a Emenda Constitucional 95, Dweck afirmou que “trata-se de uma emenda para mexer na educação e na saúde”. “A consequência final que essa emenda traz para o Brasil é uma piora no quadro econômico, social e até o fiscal, porque se gera um círculo vicioso de perda de emprego, de renda e de arrecadação”.