Entre os dias 29 de julho e 2 de agosto, a UFF sediará a 1ª Conferência Latino-Americana de Radiocarbono. O evento, realizado em Niterói, representa uma etapa importante do reconhecimento de pesquisas sobre radioatividade na América Latina — região que teve seu primeiro laboratório especializado em datação de carbono 14 com acelerador de partículas no Instituto de Física da universidade. Tal equipamento possibilita a datação do elemento radioativo, processo que determina a idade de certos materiais arqueológicos de origem biológica com até 50 mil anos de idade.
Por ser referência na América Latina, é imprescindível para o Laboratório de Radiocarbono (LAC) a participação em conferências internacionais que ressaltem o reconhecimento e a vitalidade do projeto. A escolha de Niterói como cidade-sede para a I Conferência Latino-Americana de Radiocarbono é um passo importante, com a participação de pesquisadores de países como Austrália, Inglaterra, Estados Unidos e México — este último sendo um dos únicos países, juntamente com o Brasil, a possuir um acelerador de partículas em território latino-americano. Para estudantes brasileiros que não conseguem presenciar os encontros na área de Física Nuclear que ocorrem em outras partes do mundo, será uma excelente oportunidade para interagir com a comunidade científica.
A doutora em Física e integrante da equipe que coordena o laboratório, Fabiana Monteiro, utilizou os recursos do LAC durante o doutorado para analisar os pergaminhos do Torá, texto sagrado do judaísmo e, até então, parte do acervo do Museu Nacional — atingido por um incêndio de grandes proporções em setembro de 2018. “Temos vários trabalhos realizados que utilizaram amostras do Museu, com arqueólogos e pesquisadores de diversas linhas de pesquisa. Possuímos uma relação muito próxima com pesquisadores do Museu Nacional”, afirma.
Com a perda irreparável de grande parte do material histórico do Museu, as análises realizadas pelo Laboratório de Radiocarbono simbolizam a preservação cultural dos itens destruídos. Segundo Carla Alves, professora do Departamento de Geofísica da UFF e membro da equipe do LAC, “na área da arqueologia, conseguimos datar um sítio arqueológico que não existe mais. Isso é uma forma de preservar a memória a partir do que a gente já produziu”.
O LAC foi fundado em 2009 pelo professor Paulo Roberto Silveira Gomes do Departamento de Física, a partir da urgência de implantação da técnica de espectrometria em massa com aceleradores, conhecida como AMS, em território latino-americano. Essa técnica facilita na identificação de moléculas a partir da medição de sua estrutura química. Segundo a professora e coordenadora do laboratório, Kita Macario, “cientistas de todo o mundo nos enviavam amostras de materiais, mas não haviam pesquisadores aptos a fazer uma análise mais adequada. Portanto, a proposta era montar um laboratório de preparação de amostras, visto que é um processo muito caro e trabalhoso, requer muito conhecimento”. Em 2012, com o apoio da Financiadora de Projetos e Estudos (Finep), o LAC adquiriu um acelerador de partículas de pequeno porte, que permanece fixado ao Laboratório de Radiocarbono.
“Sempre fazemos questão de mostrar o LAC pra sociedade; se utilizamos os recursos de uma instituição pública, acreditamos que devemos satisfação à comunidade”, Kita Macario.
De acordo com Carla, o elemento-chave do laboratório, conhecido como carbono 14, é produzido nas camadas superiores da atmosfera terrestre a partir da interação de radiações provenientes do espaço junto a outro elemento facilmente encontrado na camada atmosférica, o nitrogênio 14. Este, por sua vez, interage com moléculas de oxigênio, resultando no gás carbônico. Mesmo sendo um elemento radioativo, o carbono 14 passa por processos naturais e é consumido pelos seres vivos. Com a morte dos organismos, a troca de carbono com o ambiente cessa, e o carbono 14 que já foi assimilado começa a decair com o tempo.
Devido à baixa radioatividade desse elemento, são necessárias amostras grandes para a análise do carbono 14 — cujo decaimento pode determinar a idade do material em questão. Diferentemente de outros métodos de análise (como a análise radiométrica), o acelerador de partículas examina a quantidade de átomos radioativos que ainda restam no material, alcançando o resultado com o tempo menor. “Há situações em que a pesquisa precisa ser realizada com amostras de objetos raros de serem encontrados e a vantagem da AMS é justamente realizar o estudo em amostras pequenas, diferente da análise radiométrica”, explica a pesquisadora.
Benefícios da AMS
Um dos projetos elaborados pela equipe do laboratório está relacionado com materiais renováveis. “No Rio de Janeiro, existe uma demanda por sacolas plásticas que tenham o selo de material renovável, e a AMS é a única capaz de fazer a análise exigida. Qualquer empresa que produz uma sacola precisa de um selo de qualidade que só a gente pode fornecer. É um tipo de aplicação do nosso trabalho que as pessoas nem imaginam”, ressalta Kita. A técnica utilizada, que consiste na identificação de combustíveis fósseis, também é empregada na avaliação de contaminação por óleo.
A busca por novas metodologias de aplicação nos projetos é uma demanda constante da equipe do Laboratório de Radiocarbono; entretanto, existe a necessidade de uma melhoria na infraestrutura para a manutenção dos dispositivos. “Sentimos falta de uma estabilidade de rede elétrica, por exemplo, que é necessária devido à quantidade de equipamentos que possuímos, a fim de sustentá-los para que eles não sejam danificados pela variação de energia”, alerta Carla.
A fonte de renda que possibilita o desempenho do LAC provém de projetos individuais ou aliados a indústrias, além de colaborações externas. Subsequentemente, uma fração do lucro proveniente dessas análises é repassada à universidade. Para a professora Kita, “enquanto temos a possibilidade de manter o acelerador de partículas funcionando, produzimos pesquisas e trazemos retorno financeiro para a instituição”.
Ciência e sociedade
Mesmo recebendo visitantes tanto do espaço acadêmico como da comunidade externa, o LAC é ainda pouco conhecido. Pensando nisso, a equipe do laboratório realiza visitas a ambientes escolares, como por exemplo o Colégio Pedro II. “Sempre fazemos questão de mostrar o LAC pra sociedade; se utilizamos recursos de uma instituição pública, acreditamos que devemos satisfação à comunidade”, enfatiza Kita.
A experiência proporcionada pelo Laboratório de Radiocarbono mudou a visão dos estudantes que tiveram a oportunidade de participar dos projetos realizados nesse ambiente. O caráter interdisciplinar e colaborativo dos grupos de pesquisa surpreendeu Eduardo Queiroz, doutorando de Física e parte da equipe do LAC: “Antes de ingressar na universidade, eu imaginava grupos de pesquisa trabalhando individualmente em seus respectivos temas. Fazendo parte do laboratório, entendi que essas fronteiras são na realidade muito fluidas e que era possível estudar, por exemplo, fenômenos biológicos num laboratório de física”.
“Em sala de aula, vemos no olhar dos estudantes, ao lecionar um conteúdo, que eles estão aprendendo a ter outra visão sobre um fenômeno. É essencial contextualizar a ciência na sociedade tanto nas aulas como para a comunidade externa”, explica Kita. Toda a equipe do laboratório possui, como uma das principais demandas, intensificar os projetos construídos e reformular o conhecimento tanto dos que estão inseridos no espaço acadêmico como dos que pertencem à comunidade externa. “Nossa vida é dividida em ensino, pesquisa e extensão. Todo dia temos alunos para ensinar, pessoas pra ajudar, e muitas delas são de baixa renda. Acho que é bom ficar claro o quanto realmente fazemos, apesar de todas as dificuldades. Não fazemos pouco”, conclui.