O projeto “Niterói: Cidade do Audiovisual”, parceria da Prefeitura de Niterói junto a Secretaria da Cultura do município e da Agência Nacional de Cinema (Ancine), representa um investimento promissor para a indústria cinematográfica da região, que tem como principal aliada a Universidade Federal Fluminense. O curso de Cinema da UFF foi o segundo da área a ser criado no Brasil, com mais de 50 anos de existência. O caráter histórico de pesquisa e preservação cinematográfica da instituição conquistou, para 2019, a realização do 4º Festival de Cinema do BRICS, que terá Niterói como cidade-sede em sua primeira edição brasileira, entre os dias 23 de setembro e 9 de outubro.
O evento tem como objetivo reunir atividades de cinema dos integrantes do grupo BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –, tendo edições intercaladas entre seus membros. A última edição foi realizada na África do Sul, consistindo na exibição de dois longas-metragens de cada país na categoria competitiva e três longas-metragens na categoria não competitiva.
Douglas Resende, professor do Departamento de Cinema e Vídeo da UFF e um dos organizadores do festival, ressalta a importância de promover a visibilidade do setor de audiovisual dos países envolvidos: “esse vasto território que abrange cinco países e quatro continentes está conectado pela economia global e as macropolíticas dos Estados-nação. Um festival de cinema nesse contexto cria a possibilidade de estabelecermos outras conexões, a partir da pluralidade cultural, das singularidades, das micropolíticas – que, em geral, a globalização tende a apagar”.
Os docentes envolvidos na organização garantem um aspecto pedagógico às atividades, voltadas principalmente para a formação dos estudantes. “A residência artística e a Mostra Filmes de Escola, coordenadas pelo professor Cezar Migliorin e pelas graduandas Mariana Siqueira e Rachel Aranha, são duas das frentes mais intensas no sentido de pensar o cinema enquanto experiência coletiva, produtora de encontros e novas subjetividades”, diz o pesquisador. A programação propõe uma intensa participação de universitários da UFF, e também de outras instituições de ensino espalhadas pelos países do BRICS, como a Universidade de Calcutá, a Universidade da Cidade do Cabo e a Academia Nacional de Artes Chinesas.
Preservação da memória
O Departamento de Cinema e Vídeo da UFF se destaca pela experiência no campo da preservação audiovisual, particularidade evidenciada na criação do Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual (LUPA), em 2017. Suas atividades são direcionadas também para a promoção do cinema amador fluminense, o que abriga tanto a produção de filmes do próprio curso quanto diversos tipos de filmes amadores realizados no Estado do Rio de Janeiro.
O LUPA surgiu como ideia no departamento em 2014, quando o prédio novo do Instituto de Artes e Comunicação Social estava em obras e foi prevista a instalação de um laboratório de preservação audiovisual. Inaugurado em 2017, conquistou seu espaço físico apenas um ano depois, na sala 13D do campus. O trabalho desenvolvido nesse ambiente consiste na restauração de equipamentos antigos como o Super 8, formato cinematográfico configurado e lançado pela empresa Kodak nos anos 60. O laboratório possui equipamentos de edição e projeção para os processos de inspeção e limpeza dos materiais, além de uma mesa enroladeira para revisão de filmes em bitolas 16 e 35mm.
Pensar a memória do audiovisual em articulação com a produção amadora é um dos trunfos do LUPA, o que explica as diversas solicitações para parcerias, projetos conjuntos e consultorias. “Em 2018, nosso primeiro grande projeto foi organizar, pela primeira vez no Brasil, o APEx – Audiovisual Preservation Exchange, um programa de intercâmbio do Mestrado em Preservação Audiovisual da Universidade de Nova York. Alunos e professores vieram dos Estados Unidos e passaram duas semanas em Niterói e no Rio de Janeiro trabalhando em conjunto com instituições locais e participando de oficinas, palestras e debates”, explica Rafael de Luna, professor da UFF e coordenador do laboratório. Diante do projeto “Niterói: Cidade do Audiovisual”, foi estabelecida uma parceria com a Secretaria de Cultura da cidade, que passa por um convênio para o desenvolvimento do projeto “Memória Audiovisual Fluminense”, voltado para a preservação do cinema amador de Niterói.
“Nossa intenção é que os futuros realizadores audiovisuais saídos da universidade não cometam os mesmos erros que muitos cineastas, produtores e gestores fizeram no passado, com consequências terríveis para a memória audiovisual brasileira”, Rafael de Luna.
O laboratório ganhou destaque ao exibir uma parte de seu acervo, já digitalizado, de filmes amadores com imagens do Rio de Janeiro e Teresópolis nas décadas de 1930 e 1940, na I Jornada de Estudos em História do Cinema Brasileiro – realizada em 2017. Consequentemente, houve a participação em diversos eventos e a organização de exibições e palestras. “Destaco o ‘I Dia do Filme Caseiro na UFF’, em 2018, que consistiu em um convite a qualquer pessoa para levar filmes antigos que tivessem em casa a fim de serem avaliados e eventualmente projetados em nossos equipamentos”, relata Rafael. “O evento foi um sucesso e iremos repeti-lo esse ano, talvez com uma edição também em Maricá, já que a Secretaria de Cultura daquele município manifestou interesse”.
A graduanda de cinema da UFF e parte da equipe do LUPA, Laura Batitucci, ressalta que o espaço é essencial para a comunidade externa à universidade, pelo serviço de guarda de filmes amadores e posterior exibição dos mesmos. “A coleção J. Nunes, que possui acervo sobre Carnaval do Rio de Janeiro, é um caso interessante de utilização dos nossos filmes. Após fazer a disciplina de Preservação, Memória e Políticas de Acervos, um dos alunos que trabalharam com esse material decidiu utilizar um de seus trechos ao ser chamado para criar um clipe musical para a banda Gragoatá”, explica.
A experiência da aluna no projeto mudou sua percepção sobre a área de estudo oferecida pelo laboratório. Laura então se inscreveu na disciplina da área, e assim entrou em contato com o universo da preservação audiovisual, do filme em película, dos equipamentos históricos (câmeras, projetores, entre outros) e dos desafios relacionados a essas questões no Brasil e no mundo.
Apesar do destaque obtido, o espaço de trabalho dos integrantes do LUPA apresenta demandas. “Nosso projeto mais ambicioso é a compra de um scanner para filmes, isto é, um equipamento para digitalização profissional de filmes de arquivo em bitolas estreitas, as mais comuns para filmes amadores”, ressalta Rafael. A ferramenta é especialmente desenvolvida para arquivos de filmes, pois destina-se àqueles já deteriorados ou danificados, que precisam de um tratamento diferenciado. “Será o primeiro do gênero numa universidade brasileira e nos dará a possibilidade de digitalizar – e consequentemente dar acesso – um vasto número de acervos hoje abrigados em diferentes instituições que não têm condições de arcar com um processo caro e complexo feito em laboratórios comerciais”, explica.
A dedicação dos professores no campo de preservação audiovisual auxilia os graduandos de cinema da UFF a considerar essa área como uma opção profissional com possibilidades de trabalhos em redes de televisão, produtoras ou arquivos audiovisuais. Para Rafael, “uma lição fundamental é que preservar é sempre mais fácil e barato do que restaurar. Nossa intenção é que os futuros realizadores audiovisuais saídos da universidade não cometam os mesmos erros que muitos cineastas, produtores e gestores fizeram no passado, com consequências terríveis para a memória audiovisual brasileira”.
O LUPA está envolvido diretamente em algumas atividades do 4º Festival de Cinema do BRICS, como o Encontro de Preservação Audiovisual do BRICS, tema que pela primeira vez será tratado no evento. “É um grande desafio para o Departamento de Cinema e Vídeo, responsável por sua organização, mas que certamente trará ótimos frutos”, explica o coordenador do laboratório. A estudante Laura também possui altas expectativas: “a exposição dos equipamentos do LUPA, projeto no qual estou diretamente envolvida, é uma das atividades que me desperta maior curiosidade. Os equipamentos estão sendo restaurados e com certeza vão chamar bastante atenção no festival”.
A programação do evento inclui a residência estudantil, cursos de história do cinema russo e soviético, chinês, indiano e sul-africano; fóruns, exposições e encontros. As sessões de filmes dos cinco países estão programadas entre os dias 3 e 9 de outubro, no CineArte UFF e no Reserva Cultural. A Cerimônia de Encerramento e Premiação dos vencedores da Mostra Contemporânea ocorrerá no dia 9 de outubro, às 20h.