Uma tecnologia desenvolvida no Laboratório de Biotecnologia e Biodiversidade para o Meio Ambiente, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), pode ajudar a eliminar o óleo que se espalha por mais de dois mil quilômetros da costa do Nordeste brasileiro. O vazamento, que começou há cerca de dois meses, provocando manchas de óleo do Maranhão à Bahia, já é considerado o maior desastre ambiental da história do litoral do país em termos de extensão, segundo o Ministério Público Federal.
Embora não haja como reverter as graves consequências ambientais e socioeconômicas provocadas pelo desastre, é possível impedir que elas aumentem ainda mais. E uma das soluções mais eficazes e menos danosas ao meio ambiente, segundo o professor Marcos Rogério Tótola, coordenador do Laboratório da UFV, está na biodegradação, ou seja, na desintegração das manchas por micro-organismos. Em termos concretos, ela está na utilização da emulsão dupla fertilizada, que o professor desenvolveu juntamente com o seu ex-orientado de doutorado Edmo Montes Rodrigues e o professor Alvaro Vianna Novaes de Carvalho Teixeira, do Departamento de Física da UFV. A emulsão teve sua patente depositada em 2016.
A tecnologia diz respeito a emulsões duplas compostas por água/óleo/água, que contêm nutrientes inorgânicos, gelatina, óleo vegetal e surfactantes. Ela foi pensada justamente para ser aplicada em águas oceânicas contaminadas por moléculas orgânicas hidrofóbicas (que não se misturam à água), como hidrocarbonetos do petróleo, a mesma substância que afeta o litoral nordestino.
Trata-se de uma emulsão com gotículas de óleo que carregam dentro delas água fertilizada, para ser pulverizada nas manchas de petróleo sobre a água e rochas contaminadas. Por ser um material oleoso, as gotículas colam no petróleo e, como o óleo contido nelas é facilmente degradável por micro-organismos, esses vão paulatinamente liberando os nutrientes para usarem os hidrocarbonetos de petróleo na produção de novas células, que por sua vez irão acelerar o processo de degradação dos contaminantes.
O professor Tótola explica que, quando acontece um vazamento de óleo no mar, uma parte do petróleo é perdida por volatilização, ou seja, vai para o ar, e outra por fotodegradação, devido à exposição à luz. Ele ressalta, contudo, que grande parte das moléculas permanece. E o destino daquilo que não se consegue remover é ser degradado por micro-organismos. Só que, segundo o pesquisador, o petróleo é composto por moléculas de hidrocarbonetos, que só contêm carbono e hidrogênio. E, a exemplo do que acontece com os animais, os micro-organismos também precisam de nutrientes minerais para gerar energia metabólica e transformá-la em novas células. “Se eu fornecer somente petróleo ou hidrocarboneto de petróleo, eles não vão conseguir metabolizar”, explica o professor do Departamento de Microbiologia da UFV.
Quando ocorre uma contaminação como a que está acontecendo no Nordeste, muitas vezes, ela é acompanhada de uma carência nutricional, especialmente de elementos como nitrogênio, fósforo e ferro. Embora haja hidrocarbonetos, “uma fonte fantástica de energia para os micro-organismos”, segundo Tótola, eles não conseguem se multiplicar e aproveitar essa fonte potencial de energia e de carbono. Não conseguem, portanto, transformar isso em novas células microbianas, porque faltam outros nutrientes”.
A partir desse entendimento, Tótola e seus companheiros de pesquisa perceberam que a solução seria o uso de fertilizantes, assim como acontece na agricultura, onde são aplicados em solos pobres de nutrientes. Mas como não é possível fertilizar o mar inteiro e nem utilizar fertilizantes solúveis, pela previsível dissipação, eles começaram a pesquisar formas de “grudar” os nutrientes nas manchas de óleo, de modo que pudessem explorar o potencial de micro-organismos para degradar os contaminantes.
Pesquisa
As pesquisas e testes foram realizados a partir de um projeto de estudos de ilhas oceânicas do qual participavam e que guiou o doutorado de Edmo Rodrigues – hoje professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – no Programa de Pós-Graduação em Microbiologia Agrícola na UFV. Eles estudaram a Ilha da Trindade, localizada a cerca de 1.200 quilômetros a leste de Vitória (ES). Ali e nas águas do entorno, pesquisaram a biodiversidade e o potencial de seus micro-organismos degradarem hidrocarbonetos de petróleo. “Fizemos isso exatamente pensando numa situação como a que estamos vivenciando no Nordeste; de se ter uma contaminação na ilha e prever a partir daí estratégias que poderiam ser adotadas para minimizar o dano ambiental”, conta o professor Tótola.
Uma das facetas do estudo foi obter micro-organismos com alta eficiência de degradação dos vários tipos de moléculas que compõem o petróleo. Dos micro-organismos obtidos, dois deles foram identificados pela sua fenomenal capacidade metabólica, capazes de utilizar todos os hidrocarbonetos avaliados. Apesar desse grande potencial, os pesquisadores sabiam que ele não poderia ser explorado em um ambiente contaminado, em função da indisponibilidade natural de nutrientes no local. A emulsão surge, portanto, como uma alternativa para minimizar a escassez nutricional e estimular a biodegradação.
Feita só com compostos naturais, ela contém gelatina, coco glicosídeo, surfactante gras – que pode ser usado como aditivo alimentar -, óleo de canola, fontes de fósforo e de potássio e nitrato de amônia como fonte de nitrogênio. Há óleo dentro de água e água dentro de óleo disperso em água. Por isso, emulsão dupla. Só que esta água dentro da gotícula contém nutrientes minerais. São esferas dentro de esferas, todas carregando água fertilizada.
Com diferentes dimensões, essas esferas vão se desfazendo em diferentes tempos, liberando continuamente os nutrientes e transformando os hidrocarbonetos de petróleo em gás carbônico e água e em novas células microbianas. Com uma fonte de nutrientes minerais contínua, o processo de biodegradação das moléculas ocorre continuamente até serem totalmente eliminadas.
Com quase 20 anos de estudo em microbiologia do petróleo, o professor Tótola não tem dúvida de que a biodegradação é o caminho para a solução do problema no litoral nordestino e que a emulsão desenvolvida no laboratório que coordena é a tecnologia mais eficiente, inclusive sob o ponto de vista de impactos para o meio ambiente. “A elaboração é muito simples”, garante. É preciso ter apenas agitadores, pulverizadores e um apoio logístico para que a emulsão seja produzida e transportada para os locais contaminados.
Com a emulsão, tem-se a degradação dos hidrocarbonetos no mar e nas rochas, onde o problema é ainda mais grave, já que o óleo colou como piche. “Lavar não adianta, porque vai jogar tudo de volta para o mar e contaminar a cadeia trófica. A única opção é promover a biodegradação”.