Órgão do MPF repudia crescente volume de manifestações de apologia a ideias autoritárias, ditatoriais e de polarização da sociedade
O Ato Institucional nº 5 (AI-5), adotado pela ditadura militar no Brasil em 1968, foi o mais grave rompimento da ordem civilizatória no país. Com base nesse instrumento, o Congresso Nacional veio a ser fechado, direitos políticos foram suspensos e instaurou-se a fase mais severa da política de prática, pelos órgãos de repressão, de crimes contra a humanidade, com a sistemática prisão ilegal, tortura, execução sumária e desaparecimento forçado de dissidentes do governo. O AI-5 suspendeu a garantia do habeas corpus e proibiu o Poder Judiciário de revisar as ações do governo na execução do próprio ato de exceção. No Supremo Tribunal Federal, três ministros foram aposentados compulsoriamente e outros dois, em solidariedade, se retiraram da Corte. Esse Ato Institucional representa a negação absoluta do Estado Democrático de Direito.
Todos os parlamentares têm o dever primário de defender e respeitar a Constituição, o regime democrático e os direitos fundamentais. Afigura-se absolutamente incompatível com o mandato popular a defesa de fechamento do Congresso Nacional, de instauração de um regime ditatorial e de adoção de uma política de violação sistemática e generalizada de direitos humanos. Nesse sentido, a fala do deputado federal, em entrevista à jornalista Leda Nagle, divulgada nesta data, na qual ele defende que, na eventual hipótese de “radicalização pela esquerda” em protestos públicos, a resposta pode ser “via AI-5”, é um atentado aos mais básicos valores democráticos da Constituição e da sociedade brasileira.
Infelizmente, esse tipo de intervenção em ameaça ao rompimento do Estado Democrático de Direito não é fato isolado, bastando recordar a oportunidade em que, eleito deputado, Eduardo Bolsonaro afirmou bastar “um cabo e um soldado” para se fechar o Supremo Tribunal Federal (Agência Brasil, 21/10/2018). Em que pese posterior pedido de desculpas, a sequencial defesa de atos autoritários e incompatíveis com a Constituição denotam a ausência de efetiva reconsideração do sentido de suas manifestações.
De resto, esta última declaração se aproxima, em termos de conteúdo e de contemporaneidade, à gravíssima equiparação, em vídeo divulgado em rede social pelo presidente da República, da imprensa, do Supremo Tribunal Federal, de alguns partidos políticos e instituições sociais a hienas que atacam a Presidência da República. Essas mensagens, além de afrontarem a base do regime democrático, a separação dos Poderes e a liberdade de imprensa, têm forte caráter simbólico na consciência popular e estimulam uma polarização incompatível com a tradição do povo brasileiro, por natureza plural e diverso.
A declaração do deputado Eduardo Bolsonaro – filho do presidente da República e em nome de cujo governo parece se manifestar – ignora que cabe ao Estado, por suas instituições democráticas, defender a sociedade contra radicalizações de qualquer natureza, sejam de esquerda, direita, religiosas, ateias, internas ou externas. Não há caminho legítimo fora do desenho constitucional.
Portanto, é indispensável prevenir o enfraquecimento da democracia brasileira e a criação de estruturas que conduzirão à prática de graves violações aos direitos humanos em larga escala. A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal responsável pela defesa do respeito aos direitos fundamentais pelo Poder Público, coloca-se ao lado das demais instituições democráticas no repúdio ao crescente volume de manifestações de alguns membros do governo e seus apoiadores, parlamentares ou não, que fazem a apologia a ideias autoritárias, ditatoriais e de polarização da sociedade brasileira.
Deborah Duprat – Procuradora federal dos Direitos do Cidadão
Marlon Weichert – Procurador federal adjunto dos Direitos do Cidadão
Domingos da Silveira – Procurador federal adjunto dos Direitos do Cidadão
Eugênia Gonzaga – Procuradora federal adjunta dos Direitos do Cidadão