Investigar um crime é tarefa que vai além dos muros das delegacias. O trabalho de inteligência é fundamental para a resolução satisfatória dos casos policiais. Essa atividade demanda uma gama de materiais específicos e estudos em perícia. O reconhecimento de impressões digitais – com nome técnico de papiloscopia – é um dos procedimentos fundamentais nas investigações criminais, considerando que através desse método os indícios coletados e analisados por profissionais podem levar ao autor do delito. Esse tipo de procedimento é feito através de uma substância em pó reveladora de impressões digitais, atualmente importada por praticamente todas as polícias do Brasil.
Com foco nessa realidade, o professor Wagner Felippe Pacheco juntamente com seu orientando de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Química da UFF, o perito Rômulo Rodrigues Facci, desenvolveram uma pesquisa que resultou na criação de um novo pó para a revelação de impressões digitais. O material, já utilizado pela polícia civil do Rio de Janeiro, teve resultados positivos nas investigações que levaram à prisão de diversos suspeitos. “No momento, além da polícia do Rio, existem quatro outras polícias estaduais utilizando a substância produzida na universidade: Amazonas, Acre, Tocantins e Rio Grande do Norte. A polícia federal também entrou contato conosco para fazer testes com o pó e polícias de outros estados também já demonstraram interesse”, complementa o doutorando.
Facci conta que, ao iniciar o estudo, sua primeira inquietação foi sobre a grande quantidade de uso do pó papiloscópico pelas polícias, em nível estadual e federal, e como, mesmo assim, o país continua importando um produto caro ao invés de produzi-lo. Para a sociedade, Rômulo pontua que a fabricação de um pó com matéria prima barata e reciclável é uma grande conquista. “Chegamos a uma composição que é igual ou melhor do que a importada e a um preço de custo muitíssimo barato. Transformamos a escala da produção de nano (laboratorial, cerca de 1g) para um processo em bateladas de 1kg”.
Considerando as características do material desenvolvido pelos pesquisadores e o importado, Wagner explica que quimicamente são muitos distintas. “A substância sintetizada pela nossa pesquisa é feita principalmente de óxido de ferro, enquanto o outro é majoritariamente de carbono grafítico. Mas a real diferenciação está na aplicação. O nosso é mais escuro e mais aderente às gorduras da impressão digital, produzindo de maneira mais fácil e rápida uma imagem nítida”, ressalta.
O professor pontua que as pesquisas acontecem no Laboratório Peter Sørensen de Química Analítica e explica como foram feitos os testes do produto. A primeira etapa foi a de composição química, “ou seja, o quanto de matéria prima principal ou de outros componentes químicos seriam usados, e como trabalhar a mistura e trituração destes materiais até obter um produto final suficientemente fino e com cor bastante intensa”. O segundo teste foi de repetidas simulações da aplicação final do composto, e consistiu em aplicar o pó, retirar o excesso, em seguida, colar uma fita adesiva e depois retirar a fita, na qual ficava a imagem da impressão digital gravada. “Colamos essa fita em um papel branco e levamos para o computador, onde é escaneado. Em seguida, contamos o número de pontos característicos na impressão digital”, explica.
Ao longo do trabalho, o pesquisador conta que, para fins de comparação, foram realizados exatamente os mesmos procedimentos de verificação com o pó importado e com o composto desenvolvido pelo estudo. “Só concluímos a composição química quando o produto que elaboramos imprimiu uma imagem mais nítida do que a produzida atualmente pela polícia”. Sobre os custos de produção e venda do novo produto, o professor explica que ainda estão sob avaliação. “A estimativa que fazemos é que seja no mínimo 70% mais barato que o pó importado, pois todos os insumos que usamos são de baixo custo e o principal componente não tem preço de venda fixado, já que é considerado descarte industrial”, completa.
Do ponto de vista acadêmico, Wagner expõe que o estudo auxilia na consolidação de uma linha de pesquisa aplicada, que é o reaproveitamento de resíduos industriais para aplicações analíticas diversas, destacando que a sustentabilidade deve ser sempre apoiada em todos os níveis. O pesquisador ressalta ainda que o processo de pedido de patente do pó papiloscópico se encontra em andamento através da Agência de Inovação (Agir) da UFF.
Rômulo completa afirmando que, para sua formação, esse trabalho foi enriquecedor. “A proposta do professor de fazer o pó papiloscópico, que depende de estudos de síntese de materiais, saiu do meu campo de formação inicial, o que enriqueceu meus conhecimentos. Tive que treinar muito as técnicas papiloscópicas de revelação de impressão digital para testar mais de 50 composições que foram produzidas”.
Os pesquisadores estão iniciando um novo projeto, na área pedagógica. O doutorando conta que o pó papiloscópico será enviado para escolas públicas de base com a intenção de aproximar os alunos das ciências forenses. “Hoje em dia, com acesso a narrativas investigativas em séries de televisão, por exemplo, os jovens estão se sentindo mais interessados por essa área. A ideia do projeto é entrar com as ciências forenses na escola e depois ensinar todas as ciências a partir dela”, finaliza.