Devido às suas características físicas, o C. Aurita também é conhecido como sagui-caveirinha
Após 25 anos sem ser visto pela região, registros do sagui-da-serra-escuro voltaram a ocorrer em Viçosa. A partir do Projeto Aurita, coordenado pelo professor Fabiano Rodrigues de Melo, do Departamento de Engenharia Florestal (DEF), estão sendo desenvolvidas ações, cujo objetivo é contribuir para a preservação deste primata ameaçado de extinção.
Endêmico da Mata Atlântica e com distribuição geográfica original na Zona da Mata mineira, incluindo o município de Viçosa, o sagui-da-serra-escuro, ou cientificamente conhecido como Callitrix aurita, é um primata raro e em perigo de extinção de acordo com a IUCN Red List. Isso está ocorrendo pelo aumento de espécies híbridas que competem entre si e, principalmente, pela perda de habitat, que, segundo Fabiano de Melo, acontece porque “o país perdeu Mata Atlântica”. Como o habitat desses animais diminuiu, eles foram desaparecendo: “o impacto foi severo e envolveu metade das espécies de macacos deste bioma, que inclui o sagui-da-serra-escuro”.
Em 2017, durante seu trabalho monográfico de conclusão do curso de Ciências Biológicas, o estudante Orlando Vital, orientado de Fabiano, reencontrou um pequeno grupo da espécie a cinco quilômetros de Viçosa. A partir disso, convidaram integrantes do Programa de Conservação dos Saguis-da-serra (PCSS), que conta com ONGs e instituições, inclusive apoiados financeiramente por iniciativas internacionais, para auxiliá-los nas pesquisas sobre o sagui.
Hoje, Orlando é mestrando do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da UFV e desenvolve pesquisas sobre estes primatas. Ele se dedica a buscar novos grupos e entender quais são os fatores ambientais que favorecem a permanência deles onde estão localizados. Com isso, Orlando espera ajudar na conservação do C. aurita e entender a dinâmica dos invasores.
Nos trabalhos de campo da pesquisa, já aconteceram visitas a cerca de 70 fragmentos de Mata Atlântica na região. Nesse locais, encontraram apenas dois grupos de C. aurita em contato direto com outras espécies, o que representa uma ameaça, pois, ao se cruzarem, a genética da espécie vai se deteriorando. Vale ressaltar que, por volta da década de 1970, foram inseridas três espécies alóctones, isto é, que não ocorriam na área. Isso fez com que estes indivíduos se reproduzissem, gerando espécies híbridas.
Para encontrá-los e atraí-los, foi utilizada a técnica de playback, que consiste em emitir sons de saguis. Por serem animais territorialistas, ao ouvirem os barulhos, eles respondem e, muitas vezes, se aproximam para saber quem são os invasores.
Centro de Conservação dos Saguis-da-Serra
A iniciativa que começou com a monografia de Orlando se expandiu. Atualmente, o projeto conta com apoio de 28 integrantes – bolsistas e voluntários – de áreas como medicina veterinária, engenharias florestal e ambiental, ciências biológicas, zootecnia, biologia animal e ciência florestal, que conseguiram identificar grupos puros de C. aurita na microrregião de Viçosa. Isso motivou a criação do Centro de Conservação dos Saguis-da-Serra (CCSS-UFV) para trabalhar efetivamente com a reprodução do primata visando à reintrodução futura na natureza. Este espaço é um criadouro científico para fins de pesquisa, previsto em lei, licenciado pelo Instituto Estadual de Florestal (IEF) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O CCSS-UFV dedica-se a cuidar de duas espécies: o Callitrix aurita, nativo de Viçosa, e o Callitrix flaviceps (sagui-da-serra), que também é endêmico da Mata Atlântica e tem uma distribuição bem menor no leste de Minas Gerais e na região montanhosa do Espírito Santo. Originalmente, o C. flaviceps não ocorre em Viçosa. Mas como já há registro desta espécie em cidades próximas, como Manhuaçu, Viçosa seria um centro de referência para a sua reprodução.
Além da assistência institucional, o CCSS-UFV recebe apoio de organizações nacionais e internacionais. Em julho deste ano, as veterinárias e estudantes de pós-graduação Isabela Mascarenhas e Mayra Zerlotini, integrantes do Centro, realizaram treinamentos técnicos e práticos de manejo destes animais em cativeiro, priorizando o bem-estar deles. Para isso, foram concedidas bolsas pelo Apenheul Primate Park, zoológico especializado em primatas, situado em Apeldoorn (Holanda), e pelo Jersey Zoo, localizado no Reino Unido, que pertence à Durrell Wildlife Conservation Trust.
“As atividades aconteceram nas sedes dessas instituições e possibilitaram conhecer questões relacionadas à dieta, cuidados com a saúde e comportamento social dessas espécies”, conta Isabela Mascarenhas. O foco do intercâmbio foi aprimorar e desenvolver atividades de manejo ambiental, nutricional e comportamental para serem aplicadas no CCSS-UFV. “Foi um grande aprendizado, pois voltamos bem mais qualificadas e aptas ao desenvolvimento das atividades”, complementa Mayra Zerlotini. Há também parcerias com o Programa de Educação Ambiental de Juiz de Fora (ONG-Prea), coordenado pelo biólogo Rodrigo Carvalho, e com o zoológico de Beauvoir, no oeste da França.
Hoje, o Centro tem uma sede no campus Viçosa, localizada próximo ao Departamento de Zootecnia e à Vila Dr. Secundino, que está sendo preparada para receber o primeiro indivíduo do C. aurita. Com isso, o CCSS-UFV iniciará a formação de uma população em cativeiro, cujo objetivo será assegurar a preservação do C. aurita e reproduzi-lo, para viabilizar seu retorno ao habitat no futuro.
Atualmente, o projeto participa de um programa semanal de rádio para divulgar sobre o C. aurita e outros animais. Ele também desenvolve diferentes ações educativas, como exposições fotográficas para informar à comunidade. Há também atividades de campo para identificação das áreas em que são encontrados o C. aurita e o C. flaviceps, exercícios de educação ambiental nas escolas e para população em geral, workshops, e treinamentos da equipe do centro. Os trabalhos desenvolvidos podem ser conferidos na página do Facebook e no perfil do Instagram.
O professor Fabiano de Melo considera fundamental ressaltar que estes animais não oferecem riscos à saúde humana. Muito pelo contrário. Eles são tão vítimas de doenças, como a febre amarela, quanto os seres humanos. O professor lembra que, ao ver esse animal na natureza, pode-se intuir que seu estado de saúde está muito bom. E recomenda: “caso o C. aurita seja encontrado em uma situação de cativeiro, deve-se entrar em contato com a Polícia Ambiental e também com o projeto que coordena pelo telefone (31) 3612-5660 ou e-mail projetoauritaufv@gmail.com”